domingo, 7 de junho de 2015

Everything is not post...

Mais um mês começa. 

Sim, já estamos na metade do ano - o tempo realmente passa depressa - e, juntamente com ele, novos desafios surgem e novas experiências (muitas delas árduas e dolorosas) precisam ser encaradas. 

Nesse sentido, embora eu esteja mais atarefado nesses últimos dias [estou prestes a me selecionar para ingressar no doutorado em minha universidade e, por isso, preciso me dedicar], não posso deixar de expor algo que aprendi nas últimas semanas - algo humilhante, dilacerador, que traz uma certa vergonha e o senso de culpa, mas que eu falarei mesmo assim. Espero que valha a pena.


O título dessa postagem, como normalmente gosto de fazer, também é inspirado numa música da banda britânica de rock Coldplay (já mencionada neste blog no texto "The tic-tac of clocks"), a qual se chama "Everything's not lost" ou "Nem tudo está perdido", cujos versos iniciais dizem:

When I'm counting up my demons
Saw there was one for every day
With the good ones on my shoulders
I drove the other ones away... 

Que traduzido pode ser:

Quando eu enumerei meus demônios
Eu vi que havia um para cada dia
Com os "bons" sobre os meus ombros
Eu afastei os outros pra longe... 

Sobre os meus próprios "demônios".

Inicialmente, é preciso esclarecer que a canção não fala exatamente da presença real de demônios ou, em outras palavras, de possessão ou opressão demoníaca, porém apresenta esses termos de modo alegórico ou figurado. Portanto, acredito que o autor da música se refere aos seus próprios vícios, perversões ou traços de maldade quanto "enumera ou conta os seus 'demônios'" - ora, se o escritor dessa letra é tão humano quanto eu e você, nós também temos dentro de nós esses "demônios" (nossos vícios, paixões desenfreadas, pecados ocultos, perversões morais e éticas, pensamentos e sentimentos maus etc.), os quais precisam ser notados por nós a ponto de reconhecermos a existência deles, visto que, quase sempre, nos iludimos a respeito de uma suposta bondade intrínseca e nos julgamos "separados dessas coisas ruins". Nessa situação, se faz oportuna a citação ousada do teólogo alemão Martin Luder, que disse: "Dentro de mim existe um demônio chamado 'eu'". 


Contudo, a letra vai mais além - ela afirma que "havia um 'demônio' para cada dia", o que implica, em termos totais, no mínimo 365 "demônios" por ano ou, no nosso contexto aqui, 365 "tipos" de males, de pecados ou quaisquer desvios de caráter ou conduta, provavelmente se referindo a cada pessoa, a cada um de nós, começando pelo seu compositor. Será que paramos para nos analisar a ponto de perceber que somos muito mais inclinados para o mal do que para o bem [se é que desejamos o bem de fato]? Ora, como mencionei num texto anterior, somos tão voltados para nosso próprio umbigo que, até quando procuramos "fazer o bem" ou buscamos "coisas espirituais", fazemos isso pensando em nós mesmos, pois pode-se ler nos escritos sagrados que "...como o inferno e a destruição nunca se fartam, os olhos do homem nunca se satisfazem" [Provérbios 27:20] e que "...ainda que eu distribua toda minha fortuna para sustento dos pobres, e entregue meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitaria..." [1 Coríntios 13:3]

Em suma, a nossa insaciedade e cobiça é comparada no texto bíblico à cobiça e insaciedade do próprio inferno [isto é, esses maus sentimentos e desejos são como demônios em nossa alma, a ponto de sempre arrogarmos para nós mesmos mais e mais - como disse certo poeta, "o que é demais nunca é o bastante"] e, por outro lado, podemos praticar atos exteriormente admiráveis e bondosos, mas sem amor [de modo que amor, então, é muito mais que ter as "atitudes certas" assim como é mais que mero sentimentalismo], o que torna nossas pretensiosas "virtudes visíveis" absolutamente abomináveis em si mesmas e, especialmente, detestáveis e desprezíveis diante dos olhos Daquele que é Amor, mas que também é santo e, por isso, verdadeiramente temível


Mas ainda podemos relutar... será que há tanta maldade assim em nós?
Sim, há - e digo mais, somos mais maus do que podemos perceber e, principalmente, maus de maneira tal que não podemos fazer nada para nos livrarmos disso.

A esse respeito, o poeta da música acima conseguiu transmitir tudo que eu jamais sintetizaria em apenas duas frases, nas quais é dito que "com os 'demônios bons' em nossos ombros, nós afastamos os 'outros'...". Ou seja, a perversidade e corrupção inerentes a nossa natureza são tão desesperadoras que, ao olharmos para nossos próprios vícios, pecados, motivações erradas, intenções impuras e anseios egoístas, damos um sorriso cínico pra eles por acharmos beleza onde só há podridão e sujeira, além de acharmos que "já que temos 'vícios bons' e 'pecados bem intencionados'", fomos capazes de "afastar as coisas ruins para longe...". Mentira pura! Petulância descabida! No tocante a isso, outros escritos sagrados afirmam:

Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? [Jeremias 17, vs. 9]

Quem poderá dizer: purifiquei o coração, e estou livre do meu pecado? [Provérbios 20, vs. 9] 

Ou, nas palavras aterradoras de Jesus Cristo - sim, Aquele que andava com pecadores, prostitutas, acolhendo os pobres e indignos para Si, disse o seguinte:

Pois do coração do homem procedem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfêmias. São essas coisas que contaminam o homem... [Evangelho de Mateus, cap. 15, vs. 19-20a]


Resumidamente, Jesus não cita nenhuma virtude, bondade ou atitude digna em si mesma como procedente do coração do homem, o que implica o fato de que qualquer ser humano, por mais íntegro que seja aos nossos olhos, não pode fazer nada de bom por si mesmo, pois em outro lugar Jesus disse que "...a Luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, por que as suas obras eram más... Quem pratica o mal odeia a Luz, e não vem para a Luz, para que as suas obras não sejam reprovadas... Mas quem pratica a verdade vem para a Luz, a fim de que suas obras sejam manifestas, porque são feitas por intermédio de Deus..." [João 3, vs. 19-21]. Isto é, se por um lado os homens amam mais as trevas do que a Luz [ou amam mais a maldade, o erro e o pecado do que a Deus], só é possível fazer algo verdadeiramente bom se for feito em Deus, pois somente Nele há bondade e virtude e, desse modo, as demais coisas só podem expressar beleza e dignidade se Deus concede de Si mesmo a beleza e a dignidade de que essas coisas necessitam. Logo, faço dos versos de uma bela canção nordestina a minha oração: 

"Deus me proteja de mim
E da 'maldade de gente boa'
Da 'bondade da pessoa ruim'
Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim..."

Mas o que isso tem a ver com minhas últimas experiências? Tudo.


Nas últimas duas semanas, eu tive de "enumerar os meus próprios demônios" de forma latente e em aflição de alma, pois algo aconteceu a meu redor que me fez ver o quanto que "determinadas motivações exteriormente justas" que eu estava nutrindo eram, na verdade, puro egoísmo, orgulho e individualismo. Assim como na canção, eu olhava para os "'bons demônios' em meus ombros" e os ostentava como virtudes a serem exibidas, quando em contrapartida tudo configurava e testificava a corrupção de meu coração - ora, o que é mau é mau a despeito do que eu sinto e penso a respeito, de forma que não tem como ficar "com os 'bons demônios' em nossos ombros e mandar os 'outros' embora...", pois toda a maldade continuará lá, presente. Ninguém pode se libertar desses "demônios" sozinho, pois está escrito que "...Quem pode discernir os próprios erros? Expurga-me também daqueles que me são ocultos..."  [Salmo 19, vs. 12]. Nesse caso, eu não posso nem entender meus erros e pecados, quanto mais me libertar deles, uma vez que alguns (muitos, eu diria) estão ocultos a meus olhos, de maneira que apenas Aquele que conhece todas as coisas e tem todo o poder nos céus e na terra é capaz de fazer aquilo que nenhum de nós pode fazer. 

Em outros termos, conforme o título deste texto, "everything is not post" - nem tudo está "postado", pois certas coisas são tão vergonhosas para nós que até pensarmos nelas já é ofensivo e constrangedor demais para serem "postadas". No entanto, apesar de toda a condição desfavorável na qual me enxerguei - a muito custo, é verdade, pois é nessas horas que vejo o quanto sou orgulhoso e "autojustificador" - , eu sei que "nem tudo está perdido". Se você, porventura, ao ler esse texto, se identificou comigo quanto à total impossibilidade do homem salvar a si mesmo de si mesmo, nem tudo está perdido pra você também


No final da canção, são cantados os seguintes versos:

Cause my head just aches when I'm think of
The things I shouldn't have done
But live is for living, we all know
And I don't want to live it alone...

Ou:

Porque minha cabeça dói quando eu penso
Nas coisas que não deveria ter feito
Mas a vida é para se viver, nós todos sabemos
E eu não quero vivê-la sozinho...

Não viver a vida sozinho.

O dilema da canção é o de ter que lidar com esses "demônios diários" em meio à esperança de que nem tudo esteja perdido até que, finalmente, vem o peso por causa dos erros cometidos ao mesmo tempo que o desejo de vida, uma vida não solitária. Nesse sentido, os textos sagrados dizem que "...a tristeza segundo Deus produz arrependimento, que leva à salvação; mas a tristeza do mundo produz morte..." [2 Coríntios 7, vs. 10] - ou seja, nem sempre "Deus nos quer sorrindo", pois Ele deseja nos fazer tristes por causa dos nossos pecados, para que haja arrependimento e, por fim, o próprio Deus nos salve. Você já se entristeceu pelos seus pecados alguma vez na vida, ou acha que eles são "tão naturais" que podem ser tratados como "algo de estimação"? Jesus disse que, "se todos de igual modo não se arrependerem, todos igualmente perecerão" [Lucas 13, vs. 5].

Mas existe uma boa notícia.

A boa notícia é que Deus já fez tudo o que foi necessário para que sejamos salvos de todos esses "demônios" citados aqui - Ele deu o Seu Filho, o Único e Amado Filho, para "salvar o Seu povo dos pecados deles" [Mateus 1:21], provando "o Seu amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" [Romanos 5:8], para "nos libertar do presente século mau" [Gálatas 1:4], para "nos remir de toda iniquidade, a fim de purificar para Si mesmo um povo Seu especial, zeloso de boas obras" [Tito 2:14], se "fazendo pecado por nós, para que nEle fôssemos justiça de Deus" [2 Coríntios 5:21]. Em outras palavras, a "vida que é para ser vivida" é a vida que somente Ele pode nos dar, a própria vida de Deus, pois Ele habita em todos os que Nele confiam como Salvador e que O reconhecem como Senhor, de forma que não haverá mais desamparo ou abandono, por mais que haja dores e aflições - está escrito que Ele nunca nos deixará, nem jamais nos abandonará


E então? Será que todos nós já paramos para "enumerar os nossos demônios" com tristeza na alma?
Ou ainda estamos tão firmados em nós mesmos a ponto de vermos "virtude" naquilo que para Deus é abominável?

A nossa única alternativa é olhar para Jesus Cristo - olhar para Aquele que "veio buscar e salvar o que se havia perdido", que "veio ao mundo para salvar os pecadores", "que veio como Luz ao mundo, para que todo aquele que Nele crer não permaneça nas trevas" - totalmente sem confiança em nós mesmos, e crer nEle. Diante Dele, nada está perdido, pois Ele é "Aquele que fala com retidão, poderoso para salvar", poderoso para salvar o pior dentre nós, a fim de que cada um possa dizer: "...eu estava morto, mas revivi; estava perdido, mas fui achado"





Porque tudo que está perdido pode ser achado Nele,




Soli Deo Gloria!

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