quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Das modernas "feiras de vaidade" e de "invasões verticais"...

O ano está perto do fim, mas ainda há tempo para voltar a escrever. 

A propósito, visto que este blog quase não tem leitores assíduos, tudo o que é escrito nele não diz respeito, primordialmente, a terceiros que poderão acessá-lo, mas antes a quem escreve e, sobretudo, Àquele diante de quem todos estamos, ainda que muitos não se dêem conta disso. 

Portanto, os principais objetivos de cada frase ou palavra são a) registrar as reflexões e convicções de seu autor, de modo que estas sejam devidamente 'entesouradas' por ele (na medida em que tenham valor, obviamente) e b) conduzir a todos os que lêem, em tudo e acima de tudo, a 'entesourarem' Aquele para Quem tudo foi criado e em Quem todas as coisas subsistem.

Assim, sigamos em frente - antes que o ano termine!


Primeiramente, o título dado a este texto está baseado em duas grandes obras da literatura ocidental. A primeira é o "The Pilgrim's Progress" (port. = "O progresso do Peregrino" ou, simplesmente, "O Peregrino"), um clássico da literatura cristã reformada do século XVII escrito pelo puritano batista John Bunyan, no qual cada capítulo apresenta um momento ou desafio da jornada do personagem "Cristão" desde sua saída da "Cidade da Destruição" até sua chegada à "Cidade Celestial". A outra obra é essencialmente filosófica e se chama "Invasão Vertical dos Bárbaros" (do grande pensador brasileiro Mário Ferreira dos Santos), na qual ele descreve a decadência da sociedade moderna nos termos de uma invasão de "novos bárbaros" que, de modo análogo ao contexto da queda do outrora glorioso Império Romano, se insurgem como que "de baixo para cima" (o que pode evocar sua vileza e mediocridade) e implodem a civilização em que vivem, causando sua destruição. 

Desse modo, o texto destacará o relato da "feira da vaidade" presente em O Peregrino (local que simboliza as ofertas de prazeres e distrações que seduzem seus visitantes para que desistam de seguir sua jornada) juntamente com a idéia de "invasão vertical", relacionando as imagens e conceitos correspondentes e aplicando-os à realidade vigente e ao contexto dos períodos do Advento e do Natal, as duas estações litúrgicas rememoradas por muitos cristãos ao redor do mundo a partir do fim de novembro até o início do próximo ano. 

Que a missão seja cumprida até o fim deste post, com a destreza e a dose de sarcasmo que me são devidas!  


A Vaidade e suas "feiras modernas".

"Inanzitutto" (ou "primeiramente"), vale a pena relembrar os diversos conceitos do termo "vaidade" para compreendermos mais claramente o argumento que será desenvolvido aqui. Dito isso, a palavra "vaidade" é usualmente relacionada ao que é "vão", "vazio", "fugaz" e "transitório" (como no pensamento hebraico, sendo expressa no vocábulo "hebel/hevel", cujo significado é "fumaça", "vapor", "sopro" etc.), ou ainda a algo "sem subsistência ou substância" bem como "fútil" ou apenas de "valor aparente e exterior". Conseqüentemente, a "Feira da Vaidade" mostrada na obra 'O Peregrino' é uma espécie de mercado em modo 24/7 (i.e., que sempre está aberto a quem quiser visitar) no qual todo tipo de mercadoria, bem material, riqueza ou futilidade pode ser adquirido(a) e onde os deleites, a ostentação e a "dolce vita" parecem ser permanentes, de tal modo que todos os que aproveitassem o que a "feira" tem para oferecer gozariam desses privilégios, ao passo que os que resistissem às suas ofertas sofreriam escárnio, desprezo ou mesmo a morte - como no exemplo do personagem Fiel, o qual é martirizado por não ceder às tentações circundantes a fim de permanecer inabalável em razão de suas convicções. 

Além disso, embora as "feiras da vaidade" não sejam uma 'coisa nova' (como o próprio livro afirma), os produtos e bens contidos e vendidos nelas têm assumido "novas molduras" ou "formas atualizadas", conquanto ainda preservem sua essência característica. Isto é, assim como na Antiguidade existia a "Ágora" - a "praça dos eruditos e sábios" da Grécia - e, na Idade Média, os teólogos e mestres publicavam suas teses e questionamentos nas portas das catedrais, paróquias e murais de universidades a fim de promover debates e discussões intelectuais, atualmente temos uma nova "Ágora" - em versão digital, virtual, na palma de nossa mão -, em cujos murais (ou "feeds", ou "timelines") todos publicam suas idéias, teses, opiniões e convicções sobre o que bem entendem (ou melhor, sobre o que não entendem e acreditam que entendem, na maioria dos casos). Dessa forma, o "multiverso das redes sociais" se tornou a nova "Cidade da Vaidade", na qual todas as modalidades de prazer, benesses e produtos são oferecidos a todos (e por muitos) que, inevitavelmente, transitam por suas "vias algorítmicas" e, semelhantemente à Feira visitada por Cristão e Fiel, também humilha, calunia ou mesmo "cancela" a qualquer que não se ajusta às "diretrizes da comunidade" e "ousa ser firme" diante de seus opressores "pseudo-oprimidos". 


Dentre os aspectos mencionados acima, este texto buscará destacar um fenômeno bastante recente e que pode ser considerado como o principal "cartão de visitas" das "ágoras" de nosso tempo: a multiplicação desordenada e desenfreada dos autoproclamados "influenciadores", cujas publicações, vídeos, carrosséis de "perguntas respondidas" e demais conteúdos constituem, sem sombra de dúvida, as novas "feiras da vaidade", nas quais são mercadejados diferentes simulacros de prazer e realização pessoal bem como incontáveis frivolidades. Embora deva-se ressaltar, de fato, a existência de muitos veículos e espaços digitais que promovem, por exemplo, a) um conhecimento de excelência para uma subsequente formação intelectual/espiritual, b) arte de qualidade (o que é mais raro que um torcedor do Santos feliz com seu time!) ou mesmo c) informações de utilidade pública para o cotidiano e a vida comum, é inegável que o acesso facilitado aos ambientes das mídias sociais associado à ausência de referenciais éticos e morais adequados têm se refletido nesse abrangente "comércio virtual", em que o que mais importa é "parecer inteligente", esculachar os outros para "mostrar erudição", exibir a "família feliz, numerosa e 'anti-moderna'", "propagandear modéstia" para disfarçar a soberba interior e, finalmente, convencer os clientes ao dizer: 

"...Se você quer resgatar a família brasileira/criar machos e mulheres de verdade/formar sua personalidade acima da 'camada 4D' ou qualquer outra coisa que pareça "virtuosa" aos olhos dos outros, clique em 'saiba mais' ou no 'link da Bio' e faça o meu curso X ou Y..."! 

Desse modo, não custa nada relembrar aos que lêem este blog que o seu autor é, fundamentalmente, "um homem cuja alma pertence a algum momento entre os séculos XI e XVII" e, por isso, é "anti-moderno" - i.e., opositor de todo mínimo traço de mentalidade revolucionária e "progressista" e apreciador de tudo o que o mundo (ocidental) atual despreza/odeia, a exemplo da beleza, a verdadeira ciência, uma vida sem ostentações, a magnanimidade e a nobreza de caráter, a verdade e a coragem etc. Conseqüentemente, não se deve concluir que há incoerência na argumentação apresentada, tendo em vista que até as atitudes e motivações mais admiráveis possuem suas máculas e, por isso, confirma-se o antigo ensino do "Livro sagrado de capa preta": não há quem seja justo e não peque, uma vez que a 'serpente do pecado' espalhou sua peçonha por todas as dimensões da realidade criada e, assim, tudo o que existe foi mortalmente contaminado

Em suma, o que está em causa é: os "donos das bancas" das modernas "feiras de vaidade" são, em grande parte, vendedores que desejam "lucrar" com a nossa ignorância e falta de discernimento, sendo ávidos pela "vanglória" (ou "glória vã") advinda dos "likes", "visualizações" e "comentários positivos" e, como resultado, "percorrem todos os aplicativos vizinhos" para fazerem seus "prosélitos" tornando-os, quase sempre, "duas vezes mais filhos do inferno" do que eles próprios o são. Com toda a franqueza, se há algo do qual eu quero (e lutarei para manter) a mais absoluta distância - e de que eu não tenho a menor necessidade! - é de supostos "gurus salvadores da Civilização Ocidental" (ou da "Igreja Ocidental"), nem de "pseudointelectuais puristas" que julgam ser aptos para censurar os "estrangeirismos na linguagem" ou a posição das conjunções em orações subordinadas e, por fim, de quaisquer cursos que prometam a "minha vida virtuosa aqui e agora" ou que expliquem "todos os mistérios da alma humana em 15 aulas". Ora, se nem Dostoievski, Shakespeare, Santo Agostinho ou o Rei Salomão foram capazes disso, não será qualquer "blogueirinha" ou "intelectual de Instagram ou Youtube" que poderia (por si mesmo/a) sê-lo, visto que maior razão tem quem disse que "o mundo seria um lugar bem melhor se não houvesse tanta gente prometendo melhorá-lo". 


A invasão vertical dos "novos bárbaros"

Enquanto o protagonismo nas modernas "feiras de vaidade" pode ser consideravelmente associado aos que se declaram (ou são reconhecidos) "conservadores"/"tradicionalistas" - com os quais igualmente me identifico -, há outro tipo de protagonistas que deve ser destacado, uma vez que têm influenciado (ou desviado) o curso da sociedade moderna nos últimos séculos, não obstante serem o exato oposto daqueles: refiro-me aos "novos bárbaros" que vêm "invadindo a terra" em sentido ascendente, cuja ação organizada tem sido semelhante a um mecanismo de implosão, pelo qual grandes construções são derrubadas através de sua estrutura interna em poucos instantes. Tais invasores são, essencialmente, o que posso definir como "camaleônicos", visto que não lhes falta expertise e sagacidade em sua estratégia de "ocupação de espaços", a exemplo da mídia, das escolas e universidades, das cortes judiciais, das instituições religiosas e militares (de forma mais sorrateira e dissimulada) bem como de propriedades agrícolas, repartições públicas, residências e condomínios e até acampamentos no meio do deserto (nesse caso, o cinismo normalmente é explícito e a perfídia, escancarada). Em outras palavras, a depender da conveniência e dos meios de ação disponíveis, os "novos bárbaros" podem agir "dentro da lei", por "vias democráticas" e usando de camuflagem entre aqueles que desejam aniquilar e, simultaneamente, se insurgirem armados até os dentes, assassinando inocentes a sangue frio e com requintes de crueldade, expulsando famílias de seus lares e terras, destruindo plantações e ambientes de pesquisa e trazendo ruína em cada metro quadrado que pisam. 

Portanto, embora seja evidente, para quem tem poucos neurônios em funcionamento e conhece um pouco da realidade atual, a que grupo estou me referindo, creio que devo ser ainda mais claro: os "novos bárbaros" são popularmente conhecidos por ostentarem o "vermelho" em seus símbolos, apesar de que, no caso do Brasil, outras tonalidades - como o azul/amarelo - também têm estado presentes. Todavia, nas últimas décadas, não somente o "vermelho" tem sido visto nos locais onde os "novos bárbaros" têm se infiltrado, mas semelhantemente o "verde" (quem lê, entenda) e, concomitantemente, um verdadeiro "chiasso di colori" (como diriam os italianos!) expresso em bandeiras dos mais variados tipos (ou "gêneros", sic), cujos significados são impossíveis de decorar (se é que há algum sentido em tal insanidade!) e que servem exatamente para fazer de uma "histeria psicótica minoritária" a "normalidade" de toda a sociedade - i.e., o "novo normal" humano (e.g., anti-humano). 

Nesse ínterim, é importante ressaltar que estes "bárbaros" também estão nas "ágoras digitais" e, dessa maneira, a sua psicopatia totalitária tem caracterizado o comércio nas respectivas "feiras de vaidade", seja promovendo toda espécie de mercadoria estragada e prejudicial, seja buscando impedir que qualquer iniciativa benéfica tenha alcance e relevância. Dessa forma, multiplicam-se os defensores de terroristas (a saber, os verdadeiros "neonazistas" ou "islamonazistas") que incineram bebês em micro-ondas, estupram mulheres mortas e/ou cortadas em pedaços e enforcam homossexuais em praça pública, erguem-se altivos os que desejam censurar (e até matar, sempre que for necessário/der mais prazer) em nome da "normalidade democrática", amotinam-se os que concordam com "anistia" para criminosos e a sonegam a presos políticos inocentes e, finalmente, conspiram em conjunto tantos que alardeiam ser tolerantes aos que são "diferentes" - contanto que estes sejam iguais a eles. Ou seja, a mais recente "invasão vertical dos bárbaros" não é apenas uma das causas determinantes da deterioração do tecido social (e da própria natureza humana), mas igualmente um sintoma indelével dessa mesma decadência


Por tudo isso, há dois males em evidência aqui: de um lado, destacam-se as pitadas de soberba e oportunismo de muitos que têm méritos reais (por causa de seu trabalho e legado), mas que maculam a si mesmos em razão de seu esnobismo e vaidade - o que pode ser descrito como a "maldade de gente boa", segundo os versos da canção "Deus me proteja" - e, por outro, a malícia e a impiedade inescrupulosa de tantos outros, cujos méritos se restringem à capacidade de ludibriar e mentir bem como de tornar todo tipo de atrocidade que lhes seja útil um "bem necessário" e "louvável" - i.e., a "bondade da pessoa ruim", nas palavras da mesma canção citada. Entretanto, a existência de ambos os males é, acima de tudo, um testemunho inequívoco da realidade da natureza humana (a qual todos partilhamos) e, conseqüentemente, cada um de nós pode ser (e muitas vezes é) a "pessoa boa" que age com maldade ou a "pessoa má" que dissimula uma bondade fictícia. Dessa maneira, tanto os "inteligentinhos e virtuosos da internet" (que querem nos persuadir de que somente eles "sabem das coisas" e usam até o nome de Deus para maquiar a própria empáfia) quanto os "novos bárbaros" (os quais possuem o "toque de Midas" às avessas, uma vez que deterioram tudo o que tocam) - e, finalmente, nós mesmos - precisam(os) reconhecer qual a sua/nossa verdadeira condição e, à luz desse diagnóstico (um diagnóstico calamitoso e terminal, por assim dizer), buscar a solução apropriada, a qual não está (e nem poderia estar!) em nós e nem nos outros. 

A primeira "Grande Invasão Vertical" da história

Os estudiosos e amantes da história humana (seja da disciplina escolar/acadêmica, seja da coisa em si/na prática) certamente se deparam, em seus estudos, com inúmeros relatos de incursões e invasões de vários povos a muitos outros, sobretudo com objetivos militares (para o fortalecimento do exército e das fronteiras, a segurança do próprio povo etc.), econômicos (para aquisição de espólios de guerra, o direito a explorar riquezas do território conquistado etc.) e políticos (visando alianças de paz por meio de casamentos, ações de inteligência e espionagem etc.). Além disso, os que possuem o hábito de ler obras épicas ou de literatura fantástica também vêem, não raras vezes, relatos de batalhas heróicas e/ou de vitórias a priori inalcançáveis, as quais são, em muitos casos, cumprimentos de profecias pertencentes àquele mundo em que as estórias acontecem, assim como refletem, em última análise, o anseio humano pelo "triunfo do bem contra o mal", pelo "final feliz após uma jornada de angústia e aflição" ou "por um descanso permanente, num lugar onde a justiça e a paz se encontrem". 

Ou seja, os acontecimentos históricos, assim como os clássicos da literatura (desde a Antiguidade até dias mais recentes), ambos apontam para uma realidade que chamarei aqui de "a Primeira Grande Invasão Vertical", mediante a qual um único "Supremo Invasor" (inclusas as devidas adequações quanto ao uso desta expressão) adentrou, em movimento descendente, a dimensão material da vida - embora já existisse "desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade". Há cerca de 2 mil anos, numa pequena aldeia no atual estado israelense (outrora chamada "Judéia", termo relativo à tribo de Judá) chamada "Belém", ocorreria a "invasão vertical da Encarnação", na qual o "Eterno entraria no tempo" a "Divindade assumiria a natureza da humanidade", conforme centenas de profecias e figuras já haviam dito a Seu respeito, cujo cumprimento selou a velha esperança de que o mal que, no princípio, invadira o cosmos como resultado da sagacidade da Antiga Serpente e da desobediência humana, seria derrotado, assim como lemos em "O Senhor dos Anéis" pelos lábios de Samwise Gamgee, o Sam: "...até a escuridão deve passar, e um novo dia chegará; e, quando o Sol brilhar, ele brilhará mais claro...". Eis a "raison d'être" do Natal!


Nesse sentido, ao trazermos à tona esse significado, devemos nos recordar de que, algum tempo após o nascimento de Jesus Cristo, magos/sábios do Oriente (possivelmente da Mesopotâmia ou da Pérsia, estudiosos de uma "astronomia/astrologia antiga" e, talvez, ligados ao Zoroastrismo, embora também tivessem conhecimento de profecias referentes aos judeus e ao Messias) vão a Jerusalém, até o rei Herodes (o Grande), para saber "onde estava Aquele que era nascido Rei dos Judeus". Logo em seguida, Herodes fica alarmado/indignado com a informação (certamente por achar que seu poder estaria sob ameaça) e, de forma ardilosa e dissimulada, procura saber a respeito do assunto com os sacerdotes e mestres da Lei, os quais confirmaram que o Messias deveria nascer em Belém, conforme os profetas haviam anunciado (vide Mateus 2:1-6 e Miquéias 5:2). Assim, Herodes pede aos magos que se informem com precisão sobre o tempo de aparição da estrela que os acompanhara até ali e diz que queria "visitar o menino para adorá-Lo" - mas aqueles viajantes estrangeiros não fizeram nada disso! Em contrapartida, após a estrela lhes aparecer novamente, eles se alegraram com intenso júbilo, se dirigiram ao lugar onde Jesus estava com Maria e José (nesse caso, Jesus já devia ser um bebê maior, com idade entre 1-2 anos) e O reverenciaram, entregando a Ele seus bens mais valiosos (ouro, incenso e mirra), o que também aponta para profecias antigas a respeito do Rei que viria da linhagem de Davi (a saber, o Cristo - ver Salmo 72 e Mateus 2:7-12). Finalmente, os magos foram alertados em sonho para não voltarem a Herodes e, por isso, retornaram à sua terra secretamente - porém, o rei soube disso e sua ira o levou a realizar uma verdadeira "barbaridade", no sentido pleno da palavra. 

A esse respeito, semelhantemente aos dias em que nasceu Moisés (nos quais o Faraó havia determinado a morte de todos os meninos hebreus para impedir que o povo crescesse em número e, assim, pudesse se revoltar contra os egípcios e buscar a liberdade), Herodes mandou matar todos os bebês de dois anos para baixo em Belém e arredores, a fim de eliminar esse "suposto rei recém-nascido" e consolidar o seu poder de forma incontestável. Tal episódio foi uma carnificina de impiedade, visto que criaturas completamente indefesas foram massacradas por soldados romanos armados, sem chance de escape ou julgamento, a tal ponto que o evangelista Mateus aplica a seguinte profecia de Jeremias ao que é chamado na tradição cristã de "O Massacre dos Santos Inocentes":

"...Ouviu-se uma voz em Ramá, choro e grande lamentação; é Raquel que chora por seus filhos e que recusa ser consolada, porque já não existem..."
- Mateus 2, vs. 18 (vide Jeremias 31.15)


Fica evidente, portanto, a partir dessas passagens das Escrituras, que sempre houve "bárbaros" ao longo da história, e que nem mesmo Jesus, o Deus encarnado, o Filho Unigênito do Pai, passou incólume à sanha assassina e iníqua deles, pois, muito embora Ele tenha escapado do massacre citado ao fugir para o Egito (o que chega a ser curiosamente irônico!) quando criança, viria o tempo em que Ele mesmo, de livre e espontânea vontade, entregaria a Si mesmo, daria a Sua vida, se deixaria ser escarnecido, ultrajado, aviltado, humilhado, agredido e morto da forma mais vergonhosa e fisicamente insuportável que poderia existir: a morte por crucificação. Curiosamente, assim como não se pode conceber a Jesus como Aquele que "morreu por nós, sendo nós ainda pecadores" e que "ressuscitou para nossa justificação" sem a "invasão vertical da Encarnação", a razão última e principal do Natal é a "Semana Santa", sobretudo o período entre a quinta-feira e o domingo, no qual Jesus completaria a missão que lhe fora dada pelo Pai. Destarte, o "barbarismo" dos que conspiraram contra Jesus, O traíram e, finalmente, O mataram pelas mãos dos "bárbaros romanos" (por assim dizer), por mais horrendo que tenha sido, também não seria capaz de impedir que Deus cumprisse Seus planos; na verdade, Ele os cumpriu através da maldade de Seus próprios inimigos. Ó profundidade da riqueza! 

Finalmente, resta um último aspecto a ser destacado (ou uma inquirição a ser feita): você sabia que ainda haverá uma "Segunda Grande Invasão Vertical"? Se sua resposta foi negativa, continue aqui até o fim e, assim, você saberá.

A derradeira "Grande Invasão Vertical" da história

Como consta no início do texto, o argumento a ser desenvolvido aqui culminaria em conexões com os períodos do Advento e do Natal, os quais estão intimamente relacionados, embora sejam distintos entre si. Dessa forma, se a "Estação do Natal" serve para rememorar o cumprimento da promessa messiânica por meio da Encarnação da Segunda Pessoa da Trindade, o Deus Filho, no homem Jesus de Nazaré (o que, segundo a tradição cristã, é conhecido como "Primeira Vinda" ou "Primeiro Advento"), a "Estação do Advento" (que antecede o Natal) tem como objetivo recordar aos que crêem em Jesus, o Verbo encarnado, que o mesmo Deus que cumpriu fielmente as promessas referentes ao Primeiro Advento também cumprirá as promessas referentes ao Segundo Advento, a saber, "a última grande invasão vertical" da história. Isto é, do mesmo modo que aqueles que possuíam a expectativa da chegada do "Descendente da Mulher", da linhagem de Abraão, Isaque, Jacó, Judá e Davi (em particular, os  israelitas/judeus do passado) tiveram de aguardar muitos anos, em meio a desolações, sofrimentos e aflições, que essa promessa se cumprisse, todos os que têm crido no Deus de Israel (e em Seu Messias) dentre todos os povos também têm aguardado com paciência, através de perseguições atrozes, calamidades e diversas oposições, pelas promessas futuras nos últimos dois mil anos até este exato instante. Todavia, virá o dia em que essa espera não mais será necessária, pois "ainda um pouquinho de tempo, e o que há de vir virá, e não tardará". 


Entretanto, "nel frattempo" (ou "enquanto isso"), dentre os variados males e angústias que têm sido prevalentes nesse mundo caído, o crescimento do escárnio e da zombaria para com Deus e em relação à Sua Palavra merece destaque, conforme as palavras do apóstolo Pedro, que escreveu:

"....Saibam que, nos últimos dias, surgirão escarnecedores que seguirão suas próprias paixões, os quais dirão: 'o que houve com a promessa da Sua vinda? Pois, desde que os antepassados morreram, tudo continua como desde o princípio da Criação'. [...]
Porém, não se esqueçam disso, amados: para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. O Senhor não retarda a Sua promessa, ainda que alguns a julguem demorada... Contudo, o Dia do Senhor virá como ladrão..." [2 Pedro 3, vs. 3-4, 8-9a e 10a] 

Resumidamente, o trecho bíblico acima mostra que uma das marcas dos últimos dias (período que já está em curso, segundo as Escrituras) seria a proliferação de homens maus, soberbos e cínicos, escravos de suas próprias inclinações, os quais ergueriam seus punhos aos céus (talvez não haja figura mais oportuna - quem vê, entenda) e blasfemariam contra Deus e Sua Palavra, dando a entender que Ele não cumprirá o que disse ter prometido e, por isso, aqueles que crêem nas Suas promessas seriam tolos e iludidos. No entanto, o apóstolo quer reacender a esperança dos irmãos destinatários da carta ao afirmar que o "calendário divino" não é como o nosso, que Deus "nunca está atrasado, mas sempre chega no tempo certo" (assim como o mago Gandalf dissera acerca de si mesmo ao hobbit Bilbo) e, finalmente, que o "Dia do Senhor" (expressão bíblica que, nesse texto, se refere ao Segundo Advento) virá como ladrão - i.e., de forma inesperada, surpreendente, sem aviso prévio, de tal maneira que todos os que outrora zombavam e escarneciam serão tomados de pavor, uma vez que terão de encarar Aquele que desprezaram se manifestando visivelmente, vindo com "poder e grande glória". 

Quanto a esse dia singular, o mesmo Pedro diz que "os céus desaparecerão com grande estrondo e serão desfeitos pelo fogo", que "os elementos, ardendo, se dissolverão" e que "a terra e as obras que nela há serão desnudadas" (ver vs. 10 e 12), cujas imagens superam qualquer bom enredo de ficção científica e compõem uma coleção de fatos espantosos para todos os químicos e astrofísicos que se interessam pelos fenômenos espaciais. Assim, diante de acontecimentos tão grandiosamente aterradores, o que restará aos "virtuosos" que desfilam nas "feiras de vaidade virtuais"? Um novo curso sobre a "a vida intelectual num universo pós-planeta Terra"? Ou algum "instagrammer" ousará explicar os episódios mencionados numa story de 1 min ao responder as perguntas da caixinha - sem usar anglicismos, é claro?! Pondo à parte tais especulações irônicas, a única certeza razoável que permanece é: no Segundo Advento, a "Grande Invasão Vertical" que ainda está por vir (pois, dessa vez, o Deus que desceu a nós para se fazer homem voltará, rasgando os céus do Oriente ao Ocidente), todos os "mercadores das feiras de vaidade", quaisquer que sejam, serão desfeitos como um vapor (refletindo a própria vida inútil e frívola que viveram) e, igualmente, todos os bárbaros, outrora altivos em sua impiedade e pecado, serão humilhados e envergonhados, pois na presença do Cristo, o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, todos inevitavelmente se renderão, tendo em vista que "o Senhor se ri dos ímpios, pois sabe que o dia deles está chegando" (ver Salmo 37:13).  


Em contrapartida, o Segundo Advento, a "Divina Invasão Vertical Final", o mesmo "Dia do Senhor" - que será de 'trevas e não de luz', de 'terror e não de descanso', de 'destruição e não de redenção' para todos os que não amam nem obedecem Àquele que haverá de vir neste Dia - será o momento mais glorioso para todos os que, por ora, sofrem com a "espera aparentemente longa" e o subseqüente escárnio do mundo, com a hostilidade e os ataques ardilosos de satanás e seus demônios e, mais intimamente, com as angústias decorrentes do pecado remanescente - o qual, embora não exerça mais domínio sobre os que pertencem a Deus, ainda é suficientemente poderoso para causar muitos males e danos a eles. A partir de então, com a vinda do "Desejado das Nações", Daquele a quem "todos os reinos do mundo um dia pertencerão" completa e concretamente, a peregrinação dos fiéis vivos estará concluída e o "estado de glória parcial" dos que aguardam a ressurreição do corpo para a "vida imortal" também chegará a seu fim, pois o reino "preparado desde a fundação do mundo" será entregue a seus herdeiros, a terra será "cheia do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar", os "homens não mais aprenderão a guerrear, pois suas armas serão convertidas em instrumentos de trabalho", os povos "afluirão ao monte do Senhor para aprender Suas leis e ouvir Sua Palavra" e, com a derrota final de satanás e o Juízo Final, virão novos céus e nova terra, nos quais haverá "alegria eterna, sem mais lágrimas" e onde "nem choro se ouvirá"

Porém, melhor do que todas essas realidades é a "visão beatífica", estar para sempre Coram Deo (e.g., diante da face de Deus), posto que "quando Ele se manifestar, seremos como Ele é", de tal sorte que todas as alegrias mencionadas são apenas holofotes que direcionam nossa atenção para a "Alegria Soberana e Verdadeira", aquela que jamais pode nos ser tirada (visto que não é fugaz e/ou transitória) e que será nosso "Sumo Bono" para sempre, visto que extirpará todo vestígio de "barbarismo" e impiedade.

E quanto a você? 

É facilmente seduzido pelas ofertas das "feiras de vaidade", tanto convencionais quanto virtuais? 
Por outro lado, você tem sido um "comerciante de coisas inúteis", mercadejando o que é sem valor mas usando de disfarces para enganar os outros e se aproveitar deles?

No mais, você enxerga em você o mesmo sentimento e atitude dos "novos bárbaros"? Você tem desejado perverter sorrateiramente o que acredita ser um "empecilho ao progresso humano" e, ao mesmo tempo, se julga no direito de destruir cruelmente tudo o que odeia? 

Em último lugar, você já se deu conta das duas "grandes invasões verticais" apresentadas aqui, a saber: a primeira, na qual Deus veio até nós em forma de homem para ser o nosso Redentor e, por fim, a segunda, na qual Ele virá como "juiz dos vivos e dos mortos", de tal modo que ninguém poderá escapar Dele? 

O que você fará diante disso? Invocará o Seu nome para que Ele "invada o seu interior" e te resgate ou, ao contrário, O desprezará até que não haja mais salvação?




Pela viva esperança de que Ele invadirá novamente a história,




Soli Deo Gloria!

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

"Upterranean Homesick Alien" - uma oração

 Deus onipotente, a Quem é devido o temor,
Nenhum de nós sabe orar como convém.

Todavia, ouso falar-Te, confiado em Teu amor,
O qual provaste na pessoa de Teu Filho,
Enviado ao mundo por nós e para nossa salvação,
Garantida para sempre a todos que nEle crêem.

Sei que tais palavras podem ser repetitivas,
Contudo "elas são uma segurança para mim",
Visto que, lá fora, a maldade se multiplica,
E, aqui dentro, ainda insiste em existir.
Há inocentes sequestrados e até bebês decapitados
Pela espada iníqua de homens abomináveis,
Apoiados por hordas de "democratas desprezíveis",
Cuja existência é, em si mesma, um "atentado"
A todos os que amam o bem e a justiça,
A qual está, há tempos, de todo pervertida,
Pelas mãos e mentes de poderosos depravados


Embora fale com tal dureza e severidade
De alguns dentre nós que "respiram maldade",
Todos devemos reconhecer nossa real condição,
Herdada por solidariedade com o "primeiro Adão".
Logo, não há quem seja justo e nunca peque,
Ainda que, na prática, não sejamos igualmente maus,
De modo que, se a Tua graça não estiver em ação,
Todos nos destruiremos mutuamente.
Levanta-Te, ó Senhor, Deus dos Exércitos,
O Único cujas guerras são, de fato, justas,
Vem e defende os que não podem se proteger
Dos assassinos das "hadiths" e das "sunas" -
Bem como de todos os que são como eles.
Não Te esqueças, também, Deus misericordioso,
De livrar-nos de nossa remanescente corrupção,
A fim de conformar-nos à imagem de Teu Filho,
Que virá a Sião para consumar a salvação.

Assim, permaneço ante Tua face, ó Deus fiel,
Pois Te deste a conhecer às Tuas criaturas,
Seja no "livro da Natureza", seja nas "Santas Escrituras",
Cujos oráculos foram dados aos filhos de Israel.
Tu não és como nenhum de nós, fracos e inconstantes,
Visto que manténs Tuas promessas para sempre 
E, tendo concedido dons que são irrevogáveis,
És digno da confiança daqueles que Te temem.
Assim, não permitas que nos ensoberbeçamos
Para com aqueles que outrora separaste,
Mas faz-nos, por Teu favor, humildes e gratos,
Sabendo que os ramos são, pela raiz, sustentados,
Até que se complete o "enxerto dos silvestres"
E venha, por fim, a redenção dos que foram cortados


Tu nos fizeste para Ti, ó Rei soberano,
Porém nós, de livre vontade, contra Ti nos rebelamos
E, assim, nos expulsaste de nossa morada original,
Fechando-nos o caminho para a "árvore da vida"
Após preferirmos o "conhecimento do bem e do mal"
Desde então, por meio de cidades, reinos e impérios, 
Buscamos construir, inutilmente, nossos próprios "paraísos",
Mostrando, então, a "saudade de um lugar perdido",
Marca indelével de nosso "senso do eterno".  
Portanto, todos vivemos como que "alienados",
De forma que, para longe de Tivagamos desorientados
À procura de uma "terra" para chamar de "nossa",
Na qual obteríamos o descanso desejado. 

Por isso, formaste no passado um povo para Ti
E lhe prometeste herança à vista das nações,
A qual lhe deste após muitas jornadas e batalhas,
Vencidas com o auxílio de Teu braço forte.
Vindo, porém, a desobediência e a obstinação,
Tu os exilaste entre os seus inimigos,
Os quais destruíram tudo que lhes era valioso
Para que as Tuas palavras se cumprissem
Tu, entretanto, os trouxeste de volta ao seu lugar
E também julgaste aos que lhes maltrataram,
De modo que a Tua justiça fosse reconhecida
E o Teu nome, devidamente temido.

É tempo de agires novamente, ó Guarda de Israel,
Pois muitos continuam a desprezar a Tua Lei,
Posto que cobiçam o que nunca lhes pertenceu
A fim de exterminarem Teus antigos escolhidos.  


Afirmo, pois, juntamente com Teus santos profetas,
A Tua fidelidade aos que, de antemão, conheceste,
Os quais, agora, estão em parte endurecidos,
Enquanto não se consumam Teus eternos desígnios.
Estende, assim, o Teu reino por entre os povos,
Visto que desejas que todos Te louvem,
A fim de que Teus filhos dispersos sejam reunidos
E, tendo sobre eles um só Pastor, o Teu Ungido,
Sejas misericordioso com as demais "ovelhas perdidas". 
Por isso, em Ti firmamos nossa confiança,
Ainda que, por um pouco, triunfem o terror e a matança,
Até que destruas o ímpio, dando fim à impunidade,
- Para que nada mais se ache de sua impiedade -
E salves o justo, conduzindo-o à eterna bem-aventurança.

Até quando, pois, nos veremos de todo assediados
Por inimigos cruéis, mais fortes e articulados,
Os quais nos 'perseguem com fúria pertinaz'
Cercando-nos e vigiando-nos por todos os lados?
Sei que 'a esperança adiada adoece o coração'
Bem como que 'não se espera aquilo que já se vê' -
Ajuda-nos, então, a seguir 'vivendo por fé',
Acolhendo os 'paradoxos' que nos deixam inquietos
Mas que, em Ti, encontram o seu sentido certo.
Guarda-nos de sermos 'abduzidos' pela dúvida
E protege-nos de nos afastarmos da verdade,
Para que nossos pés andem no caminho da paz
[Sob a luz do Sol que já nasceu e hoje brilha]
Até que cheguemos, seguros, à nossa Terra Prometida.


Desde o princípio, quando criaste tudo quanto existe,
Estabeleceste para cada um o seu devido lugar,
De tal modo que nos espalhaste por toda a terra
Para que, tateando, viéssemos a Te encontrar.
Logo, embora todos tenhamos nossa própria "pátria",
Com sua cultura, língua, história e tradição,
Nenhuma delas é a nossa 'residência final'
[Por mais que as amemos com todo o coração],
Tendo em vista que esta vida é temporal.
De fato, todos somos, em algum grau, peregrinos,
Seja nas mudanças de país, estado ou cidade,
Seja quando nos sentimos como "estranhos no ninho" -
A diferença, pois, está em como seguimos a jornada
E em que nossos olhos estão fixados,
De forma que, se estiverem para Ti direcionados,
Tu nos livrarás de toda armadilha do mal.  

Eu sou um 'forasteiro' com saudades de uma cidade que vem do alto.

Enquanto estivermos encarcerados em um mundo caído,
Haverá roubos, invasões, "hijras" e extermínios,
Tanto em nome de falsos deuses e seus "mensageiros"
Quanto de ideologias totalitárias e do "progresso político" -
Os quais, muitas vezes, estão trabalhando "bem unidos".
Contudo, o fim do "teatro das tesouras" se aproxima,
Em cujo Dia o Diretor da peça subirá ao palco
Para decretar, sobre todas as coisas, um ultimato,
Pelo qual concederá vida eterna aos Seus justificados
E, ao mesmo tempo, ira e indignação aos reprovados.
Eis o fim que é só o começo do verdadeiro espetáculo:
O Grande Rei virá à Sua cidade para assumir Seu trono,
E, assim, homens de todos os povos a Ele afluirão,
Até o "gran finale", no qual o Enganador será atormentado
Para que, finalmente, apareça a Nova Criação

Eu aguardo uma "cidade que tem fundamentos",
Cujo Arquiteto é a Fonte da perfeita Beleza;
Dela sou saudosista, embora jamais a tenha visto,
Não obstante saiba que em breve ela descerá.
Ali habitarão todos os que por Ti foram comprados,
Judeus e gentios, ricos e pobres, livres e escravos,
Entre os quais não mais haverá guerras nem inimizade
Visto que o amor permanecerá por toda a eternidade.
A fé, enfim, vencerá o mundo, a Graça superabundará,
O Mediador estará entre nós e a Escritura se cumprirá.
Glória, pois, somente Àquele que reinará!




Soli Deo Gloria!

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

A "santa ignorância" do pau oco...

Após mais um período ausente, creio que é hora de escrever novamente.

Os últimos meses têm sido muito atarefados por ocasião do encerramento do doutorado (que já está quase concluído, excetuando alguns trâmites burocráticos) e do trabalho. Todavia, não há como conter certas indignações, como os poucos que lêem este blog bem sabem. Assim, visto que não posso (e nem devo) agir do modo que muitas vezes eu gostaria, eu prefiro escrever - ora, não há necessidade de se consertar os dentes após a leitura de um texto, mesmo o mais duro e contundente deles.

Portanto, sigamos em frente e que uma justa medida de amabilidade me ajude até o fim. 


Ignorância.

A palavra ignorância deriva do termo latino "ignorantia" (que está associado ao verbo "ignorare" - i.e., "não saber"), sendo formada pelo prefixo "i-" (que indica uma negação) e a terminação "-gnarus" (e.g., "sabedor", "que domina um assunto"). Logo, a ignorância se refere, primordialmente, a "não possuir o correto conhecimento sobre algo" ou "não estar ciente de alguma coisa", embora seja também usualmente relacionada a uma atitude/um comportamento áspero e destemperado. 

Os "santos do pau oco".

Por outro lado, a expressão "santo do pau oco" se tornou popular no contexto brasileiro em virtude de relatos segundo os quais imagens de madeira de santos católicos eram usadas como uma "embalagem falsa" para se guardar/transportar diferentes tipos de bens e riquezas de modo ilícito. Nesse caso, tais imagens não seriam maciças em sua constituição mais interna - não obstante tivessem a mesma "aparência" de uma imagem comum - e, por isso, serviam como um "disfarce perfeito" para que os itens de interesse de quem as utilizava fossem armazenados "acima de qualquer suspeita". Isto é, por fora o "santo" parecia "de verdade", mas por dentro ele era "oco", sem substância ou consistência, servindo apenas para "simular" algo exteriormente respeitável (a exemplo de um ícone religioso) enquanto, na realidade, era tão-somente um embuste engendrado para se esconder furtos e outros delitos semelhantes. Vale salientar, por fim, que não posso afirmar em quais proporções esses relatos seriam verdadeiros ou inverídicos; todavia, isso não irá alterar a argumentação a ser desenvolvida no texto.


Desse modo, o que seria uma "santa ignorância do pau oco"?

Considerando-se que todo o conteúdo deste post será para responder a essa pergunta e trazer a solução para o problema que ela representa, não será possível fazer isso num único parágrafo. Contudo, um bom resumo do que seria essa "santa ignorância" é: a atitude hipócrita e dissimulada de querer se mostrar virtuoso/justo e que se baseia na mentira/calúnia, a qual se expressa freqüentemente por meio de outras mentiras e calúnias e está normalmente permeada de orgulho e obstinação. Nesse sentido, é provável que a maioria de nós já tenha ouvido, em alguma situação ou contexto particular, que "a ignorância é uma bênção", porém eu espero que depois desse texto você deixe de acreditar nessa idiotice - se esse for o seu caso. Portanto, este que vos escreve estas linhas terá uma árdua missão daqui em diante: ser inflexível com os males decorrentes dessa "santa ignorância" (seja nele próprio, seja nos outros) sem agir, no entanto, com aquela "ignorância" mais ríspida (o que, admito, não será fácil!). Seja Deus o meu Mestre e Ajudador, visto que Ele é "justo em Suas palavras" e "puro em Seus juízos". 


Primeiramente, esse texto é dirigido a cristãos (especialmente a evangélicos/protestantes). Entretanto, se algum leitor que não professa a fé cristã (independentemente de seu segmento) ou qualquer outra religião se interessar em continuar a leitura, fique à vontade - espero, assim, contribuir com algo útil e proveitoso para todos os que dedicarem um tempo para este texto, sejam quais forem suas convicções religiosas ou valores pessoais. 

Portanto, muito embora o que está sendo tratado aqui não seja uma novidade (uma vez que, "desde que o mundo é mundo", a hipocrisia, a soberba e a insensatez existem entre os seres humanos), as mudanças históricas, sociais e culturais mais recentes têm possibilitado que tais pecados se expressem sob diferentes formas e matizes. Por exemplo, apesar de que a história humana apresenta diferentes relatos de povos que maltratavam e desprezavam outros (como os egípcios aos hebreus, ou os caldeus aos medo-persas), as categorias pelas quais muitos de nós descreveríamos esse desprezo não existiam na Antiguidade, de modo que uma análise precipitada dessas relações sociais do mundo antigo seriam facilmente anacrônicas. Desse modo, considerando-se que a nossa sociedade está testemunhando mudanças cada vez mais instantâneas, drásticas e em grande número, creio ser possível afirmar que nunca fomos tão "criativos", por assim dizer, em "emoldurar a multiforme desgraça" decorrente de nossos pecados, cujos quadros conseguem ser muito piores do que as "grandes obras da 'arte' moderna".


Semelhantemente, ao considerar o contexto religioso/cristão em particular (como dito acima), tenho observado a presença desses mesmos pecados em suas múltiplas manifestações e anacronismos e, nesse caso, abordarei a atitude de estupidez intelectual de certa parcela dos cristãos atuais com relação à sua própria história e identidade, incluindo as conseqüências desastrosas advindas dessa postura. Em contrapartida, pretendo apresentar a resposta para o problema da 
"santa ignorânciae como (ou melhor, em Quem) tal solução pode ser encontrada.

Como todos sabem (ou, ao menos, deveriam), a história do Cristianismo começa concretamente no século I, em Jerusalém, a partir dos primeiros seguidores de Jesus que O reconheceram e O confessaram como o Messias/o Cristo, o Ungido de Deus, o Rei, Profeta e Sacerdote que havia sido anunciado desde as primeiras páginas do Antigo Testamento (o Tanach dos judeus/israelitas). Tais seguidores, sobretudo os 12 apóstolos (com exceção de Judas Iscariotes, o traidor), conviveram com Jesus mais de perto durante os anos de Seu ministério (Galiléia, Judéia e territórios vizinhos) e, após a Sua morte, ressurreição e ascensão, passaram a proclamá-Lo como Filho de Deus e Salvador de todos os que Nele cressem. Após ferrenha oposição de parte da elite político-religiosa judaica, houve grande dispersão dos primeiros cristãos (chamados de 'seguidores do Caminho') tanto para as fronteiras da Judéia quanto para outras partes do mundo de modo que, nos primeiros 3-4 séculos, eles já estavam presentes em todo o Império Romano, na África Setentrional, no mundo persa/árabe e, provavelmente, até em regiões orientais mais distantes. 

Nesse sentido, após o episódio associado ao famoso Édito de Milão (anos 312-313 d.C), a prática da religião cristã passou a ser salvaguardada, juntamente com os demais cultos existentes, pelo imperador Constantino, fato que conferiu aos cristãos uma medida de liberdade religiosa após séculos de perseguição atroz por parte do Império Romano e de outros opositores. Com o tempo, a religião cristã passou a gozar de maior prestígio perante os olhos do imperador, o que posteriormente conduziria à adoção do cristianismo com a "religião oficial/principal" do Império. Desde então, a despeito de diversos elementos e episódios positivos e notáveis que se seguiram - p. ex., os concílios ecumênicos e os grandes Credos antigos, o surgimento de teólogos admiráveis e de grandes pensadores, a vasta produção de conhecimento em diversas áreas etc. -, a genuína fé cristã foi sendo misturada com "várias doutrinas estranhas" ao cristianismo primitivo/à confissão dos pais da Igreja e, durante a Baixa Idade Média, o estado de desvio já era grave, o que despertou o surgimento de movimentos como o dos "cristãos valdenses" (na França, Itália e Suíça) e de personagens emblemáticos como John Wycliff (Oxford), Jan Huss (Praga) e Girolamo Savonarola (Florença), os quais foram severamente perseguidos pelos católicos-romanos e pagaram com a vida por desafiarem a autoridade e a idoneidade da Igreja de Roma com suas pregações ousadas e eloqüentes. Contudo, seria apenas algum tempo depois que aconteceria o maior dos rompimentos, de tal modo que um monge agostiniano, um verdadeiro "pastor-alemão" em todos os sentidos, apareceria para instilar o movimento que mudaria a história do Ocidente.   


Conseqüentemente, como resultado da Reforma Protestante (se algum "Zé Cruzadinha" vier dizer que é "revolução", aconselho que estude o tema calado e com seriedade e, só depois, ouse falar algo decente) - que foi, na verdade, um movimento multifacetado, embora tivesse um cerne comum bastante definido -, diversos segmentos cristãos surgiriam na Europa Ocidental: o luteranismo, o calvinismo (que se tornou mais influente/espalhado posteriormente), o anglicanismo (calvinista em sua confissão, porém liturgicamente distinto das igrejas reformadas continentais), o anabatismo e outros grupos minoritários (jansenistas, menonitas etc.). Nesse contexto, vale ressaltar dois acontecimentos essenciais que determinarão, a partir do século XVII, todo o curso do cristianismo chamado "protestante": a) a controvérsia ocorrida nos Países Baixos/Holanda entre a Igreja Reformada (i.e., calvinista) e os remonstrantes (discípulos, em sua maioria, de Jacó Armínio (de onde vem o nome arminianismo) e b) o nascimento do movimento puritano (e.g., puritanismo) nas Ilhas Britânicas, o qual foi caracterizado por um interesse mais ávido por uma "reforma total" da Igreja inglesa e que influenciaria de modo duradouro os congregacionais, os presbiterianos (em particular), os batistas (aos quais pertenço) e até mesmo muitos anglicanos. Assim, após todo esse pano de fundo, podemos seguir para o tema central deste texto: a exposição da "santa ignorância do pau oco" e como ela pode ser substituída por uma "santa sabedoria sem fingimento", como diria o meio-irmão de Jesus na epístola de Tiago.

Dessa forma, farei um recorte dentre os grupos protestantes mencionados acima e considerarei mais especificamente o segmento batista, visto que o conheço por experiência e, dado o meu grande apreço por minhas raízes, sinto-me no dever de lutar em favor delas. 

No tocante à sua história, tem sido dito que os batistas possuem 1) origens remotas, tão remotas que alguns ousam afirmar que há uma espécie de "linhagem" que tem sido conservada desde João Batista até hoje - tal hipótese não goza de qualquer fundamento sólido e, a meu ver, parece uma versão não-católica da "sucessão apostólica" -, ou que 2) sua origem está exclusivamente associada aos anabatistas (às vezes chamados de "biblicistas"), que foram protagonistas da denominada "Reforma Radical" e que, embora tenham sido também perseguidos por outros protestantes, defendiam algumas doutrinas estranhas e até mesmo místicas/gnósticas, ou ainda que 3) se originaram a partir de dois grupos teologicamente distintos: os "batistas gerais" e os "batistas particulares". Os "batistas gerais" fundaram sua primeira igreja no início do séc. XVII (1609-1610), sendo adeptos de uma confissão mais alinhada ao pensamento remonstrante/arminiano e com certas influências anabatistas e, por outro lado, os "batistas particulares", de confissão reformada/calvinista, fundaram sua primeira igreja alguns anos depois - neste caso, ambos os movimentos se organizaram na Holanda e, sobretudo, na Inglaterra. Portanto, dentre as únicas opções viáveis para a origem dos cristãos batistas, restam somente a posição 2 e/ou a posição 3, de tal modo que os defensores da posição 2 tendem a ser bastante opositores da fé reformada (sobretudo do calvinismo), ao passo que os que adotam a posição 3 demonstram uma compreensão mais honesta e abrangente da identidade batista, levando em conta tanto seus elementos anabatistas, arminianos e, em particular, sua notável base calvinista, visto que os "batistas particulares" se tornariam o segmento mais forte, duradouro e de confessionalidade mais fundamentada


Desse modo, o grande problema em questão aqui é: em grande medida, os cristãos batistas dos dias atuais desconhecem quase que totalmente a sua real identidade e, como resultado de variadas concepções equivocadas, falaciosas e destituídas de fundamentação histórica, desprezam com infeliz ignorância muito do que há de mais belo em suas raízes. Para exemplificar isso, posso citar dois momentos nos quais vi esse problema de forma explícita.

Numa dessas ocasiões, durante uma pregação de domingo, o pastor afirmou, com convicção, que "os batistas não são protestantes, mas surgiram a partir dos 'anabatistas biblicistas'" (o que não é verdade - já que os próprios anabatistas eram "reformados" em algum sentido - e, por isso mesmo, tal afirmação jamais deveria ter sido dita num culto solene). Na outra, durante um encontro de "Escola Bíblica Dominical" (o nome que se dá, em muitas igrejas evangélicas, ao tempo de estudo mais detalhado da doutrina cristã que ocorre aos domingos) sobre os temas "salvação e eleição", diversos impropérios e calúnias foram proferidos a respeito do conhecido teólogo francês João Calvino logo após o tema "eleição" ser mencionado e, mesmo que tenha havido intervenções que salientaram a necessidade de seriedade e humildade ao se tratar de temas difíceis e de fatos/personagens históricos distantes de nossa época, possivelmente tais idéias distorcidas e inverídicas continuaram na mente de muitos que ali estavam. Assim, é exatamente pelo fato de que eu amo a igreja (i.e., amo os que professam a mesma fé que a minha) e, especialmente, os meus irmãos batistasque fico extremamente indignado e, ao mesmo tempo, triste, pois sei que tal sentimento não é apenas meu e, nos casos em que isso ocorra em nossas próprias comunidades de fé, a raiva e a tristeza se unem à sensação de impotência, visto que muitos desses conceitos errados já se tornaram "verdades inquestionáveis", a tal ponto que nem mesmo o testemunho das Escrituras parece trazer o devido convencimento desses pecados. Logo, se este for o caso, talvez tais corações possam estar seriamente endurecidos e, infelizmente, a apostasia pode estar bem próxima, às portas.

Contudo, todos nós sabemos que um único pecado nunca é, em última análise, um "único pecado" - ele sempre traz outros 'minions' ou 'comparsas' consigo e, desse modo, o mal que foi desencadeado a partir de "palavras frívolas" ou "irrefletidas" se torna uma faísca acesa no meio de uma grande floresta, cujos incêndios de pecados adicionais se espalham por toda parte e, finalmente, o mal inicial piora até o ponto em que se torna incontrolável. Ora, o mesmo Tiago afirmou isso em sua epístola divinamente inspirada, onde se diz:

<<...A língua é um pequeno órgão do corpo, mas se vangloria de grandes coisas. Vejam como um grande bosque é incendiado por uma simples fagulha!
Assim também, a língua é um fogo; é um mundo de iniquidade. Colocada entre os membros do nosso corpo, contamina a pessoa por inteiro, incendeia todo o curso de sua vida, sendo ela mesma inflamada pelo inferno...>> [Tiago 3, vs. 5-6]


O texto bíblico acima está situado num contexto de advertência contra o "desejo de se tornar mestre", visto que os que almejam tais posições serão julgados de modo mais severo (Tg. 3, vs. 1). Portanto, a mensagem que se segue é adequadamente aplicada aos que usam do púlpito para ensinar/pregar bem como aos que estão responsáveis pelo ensino religioso (catequese/discipulado). Dessa forma, é primordialmente a essas pessoas que o autor divinamente inspirado dirige algumas das palavras mais ásperas e implacáveis de toda a Escritura, as quais devem perturbar a todos os que levam Deus a sério. Ora, o texto mostra que o homem é capaz de domar os cavalos com freios (bem como todos os demais animais), conduzir grandes navios usando um pequeno leme (ou "timão", para homenagear o Corinthians!), todavia nenhum homem, por mais eloqüente e temperante que seja, é capaz de domar a língua, a qual é chamada de "mal irrefreável" e está "cheia de veneno mortífero", visto que com ela "bendizemos a Deus, o Pai" e, simultaneamente, "amaldiçoamos os homens, feitos à imagem de Deus" (vs. 3-4 e 7-9). 

Isto é, nós carregamos conosco uma arma mais destrutiva do que bombas nucleares, ou quaisquer "vírus criados em laboratório" para promover pandemias (ou "fraudemias", ou "plandemias", como vimos nos últimos anos) e até mesmo do que exércitos de máquinas assassinas e, por isso mesmo, deveríamos ser "prontos a ouvir e tardios para falar", conforme disse o rei-sábio: "...você viu alguém que é precipitado em suas palavras? Há mais esperança para um tolo do que para ele..." (Provérbios 29, vs. 20). Nesse ínterim, maior peso possuem as seguintes palavras do próprio Cristo, que afirmou: "...Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas? Pois a boca fala do que está cheio o coração... E eu digo que, no Dia do Juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado..." (Mateus 12, vs. 34 e 36). 

Diante disso, que fim nos aguarda se usamos nossa língua de forma leviana e maliciosa, embora aparentemos santidade e zelo doutrinário? Uma leitura cuidadosa dos Salmos (do qual muitos pensam ser um "livro-amuleto" para se deixar aberto na sala, enquanto a realidade é bem diferente) mostra, com clareza, que Deus é implacavelmente "intolerante" com tais pecados (Salmo 12:3-4; Salmo 50:16-21; Salmo 52:4-5; Salmo 55:9; Salmo 59:5, 7-8, 10-13; Salmo 64:7-8 etc.). Além disso, até quando muitos dentre nós se vangloriarão da própria imbecilidade ou má formação intelectual por preguiça de estudar a história (sobretudo a nossa história, as nossas origens e identidade - falo aos cristãos batistas) ou teimosia em abrir mão de idéias mentirosas sobre Deus, a Bíblia, a salvação, a teologia e os personagens da História Eclesiástica? De fato, desde que o pecado entrou no mundo, a ignorância e a insensatez são o nosso "cartão de visitas", porém a exibição da histeria e da burrice como virtudes se tornou quase que onipresente em nossos dias (sobretudo por causa do acesso imediato à informação e à internet), o que infelizmente não deixou as igrejas incólumes. Logo, o que mais necessitamos é de "libertação de uma falsa piedade" por meio do "conhecimento da verdade" (tanto nas Escrituras, quanto por meio de outras fontes documentais), pois é Cristo que diz: "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (João 8, vs. 32). 


Dito isso, como os "santos ignorantes do pau oco" aqui mencionados podem ser libertados, na prática, da condição em que se encontram?

De um lado, é preciso reconhecer que o Cristianismo não surgiu a partir das denominações cristãs mais recentes (nos últimos 50-100 anos), nem há 500 anos (por mais que o bom legado da Reforma deva ser devidamente celebrado) ou mesmo na Idade Média, o que mostra que Deus tem conduzido o Seu povo e preservado a Sua verdade ao longo do tempo sem precisar de nenhuma ajuda nossa (pelo menos até a nossa época). Desse modo, deve-se também compreender que muitas das verdades e princípios inegociáveis de fé que professamos (como protestantes/evangélicos) também foram consolidados muitos antes de qualquer um de nós nascer - ora, será que doutrinas como a da Trindade e a de Jesus Cristo como plenamente Deus e plenamente homem foram definidas nas letras dos hinos do Cantor Cristão (ou na Confissão de Fé de Westminster)? Por tudo isso, um dos meios indispensáveis para vencer essa "santa ignorância" é estudar a história do Cristianismo por meio de fontes realmente confiáveis, levando sempre em conta que "os fatos não se importam com nossos sentimentos" e "não são flexíveis" - i.e., as verdades concernentes à história humana e, particularmente, à história da Igreja, são o que são e, por isso, não devem estar sujeitas a qualquer espécie de manipulação, seja de romanistas pseudo-intelectuais ou de batistas subjetivistas, tanto de reformados 'neopuritanos' quanto de arminianos libertários. Parafraseando C. S. Lewis, não é Deus que deveria estar no banco dos réus, mas unicamente aqueles que acham que tem algum direito ou prerrogativa diante Dele.  

Nesse sentido, é preciso que abandonemos, urgentemente, as noções erradas de que 1) "João Calvino matou Miguel Serveto" porque era o "ditador de Genebra", o "fanático que eliminava quem discordava dele" - na moral, de onde surgem idéias tão estúpidas e por que, mesmo sendo estúpidas, tais idéias acham terreno fértil na mente de cristãos sinceros? -, 2) a doutrina da eleição soberana faz do homem um robô autômato, que não tem vontade própria e, por isso, não pode ser responsabilizado pelos seus atos, 3) os batistas não têm nenhuma relação com a Reforma Protestante e 4) se "somente a Bíblia" é a nossa regra de fé e prática (e é mesmo!), nada que esteja fora dela é necessário para o crente, de modo que basta ele ter a Bíblia na mão e saber ler para interpretá-la corretamente (ou seja, a clássica confusão entre o "Sola Scriptura" e o "Nuda Scriptura"). 

Com respeito à citação 1, Calvino nunca teve status de cidadão genebrino até perto de sua morte, foi expulso da cidade por ser zeloso da pureza da igreja e da concessão da Ceia a não-convertidos e, mesmo após ter voltado à cidade, ele nunca foi "político" (sic) como já ouvi por aí (ah, só Deus para me dar paciência!) e, quanto a Serveto, até procurou fazer algo para atenuar a sua punição (vale lembrar que Serveto foi um herege e, naquele contexto, a heresia era um crime punido com a pena capital), a qual foi aplicada pelo conselho de Genebra e não por Calvino. No tocante à afirmação 2, embora seja uma discussão mais detalhada, a melhor resposta está no fato de que a Bíblia ensina tanto a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas (a qual se baseia em Seus decretos e em Sua providência) quanto à responsabilidade humana (ou arbítrio humano), de forma que as duas coisas coexistem sem que se anulem mutuamente - em outras palavras, nós nos movemos, vivemos e existimos, mas tudo isso é feito em Deus e por meio Dele (Atos 17, vs. 28). Por outro lado, a afirmação 3 já foi refutada acima no texto e, com relação à afirmação 4, é salutar esclarecer que o "Sola Scriptura" significa que "a Bíblia é a nossa única fonte de REVELAÇÃO e a nossa única autoridade INFALÍVEL, INERRANTE e FINAL", o que é diferente do "Nuda Scriptura", que significa que "nada além da Bíblia tem importância para o crente e, assim, deve ser ignorado no que se refere à fé e à conduta". De fato, muitos crentes (como os tais "santos ignorantes do pau oco") confundem o Sola Scriptura com o Nuda Scriptura e, desse modo, dão motivos para as acusações levianas de romanistas e, igualmente, deixam de desfrutar de uma herança rica e valiosa de credos, confissões, catecismos e demais escritos cristãos acumulados ao longo dos séculos. Isto é, o cristão evangélico/protestante de verdade deve olhar para toda a boa tradição cristã (a saber, aquela endossada pelas Escrituras) e dizer "eu tomo posse!" ou "essa herança é minha!", visto que o nosso amigo Tiago também disse que "toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em Quem não há mudança nem sombra de variação" (Tg. 1, vs. 17) bem como que "a sabedoria que vem do alto" é "cheia de bons frutos" (Tg. 3, vs. 17). 


Finalmente, vale reiterar que há algo mais importante do que conhecer as verdades sobre a história da igreja (e, em particular, do protestantismo e seus desdobramentos), a saber: conhecer as Escrituras e, por meio delas, Àquele que nelas é revelado/se revela. Sabendo-se que o ser humano sempre foi fascinado pelo conhecimento e pelo que ele permite alcançar (a propósito, o pecado original, no Éden, está essencialmente ligado a um desejo ilícito por conhecimento e poder), se faz necessário reafirmar que ninguém acha/achará favor ou graça diante de Deus pelo simples fato de "estudar a Patrística e a teologia histórica", ou por "desenvolver uma vida intelectual" e não ser um "analfabeto funcional", ou ainda por entender de "escolasticismo" (tanto medieval como protestante). Dessa forma, numa época em que hordas de "Enzos inteligentinhos" e demais "salvadores da Civilização Ocidental" infestam o mundo (especialmente a internet) e vomitam a sua empáfia e soberba para quem tem paciência de ver e ouvir (vide Salmo 12, vs. 8), os cristãos verdadeiros devem se lembrar do que Jesus Cristo disse certa vez: 

<<...Graças Te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, pois ocultaste estas coisas aos sábios e eruditos e as revelaste aos pequeninos; sim, ó Pai, porque assim o quiseste...>> [Lucas 10, vs. 21] 

Esse trecho das Escrituras apresenta um momento de exultação de Jesus, no qual Ele se alegrou intensamente no Espírito Santo, cujo contexto confere um significado ainda maior à Sua afirmação, tendo em vista que a razão do júbilo de Jesus estava na liberdade divina de dar a conhecer os mistérios e privilégios do reino de Deus a quem não tinha importância, nem erudição nem qualquer mérito próprio - tudo isso de modo soberano e gracioso. Na seqüência do texto isso é ratificado, pois Jesus afirma que "...ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar..." (vide vs. 22). Isto é, o genuíno conhecimento de Deus não é adquirido por meio de "cursos de vida virtuosa" no Instagram, ou pela mediação de um "magistério supostamente infalível" (sic) ou de "neo-templários que fedem a leite com pera", bem como não advém da "autonomia hermenêutica" (pela qual todos acham que podem interpretar as Escrituras sem respeitar o que elas de fato dizem) ou da mentalidade "nem Armínio nem Calvino estão na Bíblia", mas provém única e tão-somente de Deus, o Deus trino, o Pai-Filho-Espírito Santo, conforme nos foi revelado nas Sagradas Escrituras, as quais nos são desveladas pela ação do próprio Espírito, de tal modo que somos levados a ver o Filho e crer nEle para a vida eterna e, assim, somos reconciliados por meio Dele com o Pai, outrora nosso inimigo (João 6, vs. 44-45; João 6, vs. 40; Romanos 5, vs. 10-11). 

Portanto, se alguém aprender a respeito da história eclesiástica, do depositum fidei (o "depósito da fé", o acúmulo da tradição etc.), dos grandes credos, catecismos e confissões de fé e, mesmo assim, não experimentar a vida de Deus em seu ser, esse também será um "santo ignorante do pau oco", pois antes de tudo 1) não será, de fato, um santo, mas apenas terá uma "falsa aparência de santidade" e 2) por isso mesmo, será orgulhoso, desprezará os outros e se gloriará no que deve trazer vergonha (Filipenses 3, vs. 18-19). Que Deus me livre desse autoengano - ou melhor, nos livre! - ao me/nos levar aos pés dAquele que, da parte de Deus, foi feito para todos os que nEle crêem "sabedoria, justiça, santificação e redenção": o Cristo crucificado (1 Coríntios 10, vs. 30). 


E quanto a você? Você pode reconhecer em si algum comportamento ou postura que te faria comparável a um "santo do pau oco" - ou seja, algum tipo de "bondade aparente" que apenas esconde uma "maldade real"?

Se você se identifica como um evangélico/protestante (em particular, como batista): havia em você algum grau de ignorância com relação à sua própria identidade e, conseqüentemente, um desprezo ao que deve ser valorizado em nossa história?

Finalmente, em quem temos buscado o real conhecimento de Deus? Nos "instagrammers" de "vida perfeita" (com 12 filhos, que treinam todo dia às 5 da manhã, que sabem latim, grego e inglês antigo, que fazem aula de piano e canto gregoriano e lêem 257 livros clássicos por ano nas suas línguas originais)? Em nossos próprios achismos e especulações teológicas e interpretativas da Bíblia? Na idolatria de nossas tradições e confessionalidade? Ou já entendemos que só conheceremos a Deus verdadeiramente se Cristo O revelar para nós? 




Pelo privilégio de ser alvo da auto-revelação Dele, 




Soli Deo Gloria!