segunda-feira, 14 de abril de 2025

Sobre preços altos, pecados e a Vida "vivida outra vez"...

Após alguns meses de ausência, estamos de volta por aqui.

Diferentemente do texto anterior, esse deverá ser mais extenso - pois creio ter mais a escrever agora! - e, por isso, peço aos poucos leitores que tenham comigo a paciência que (ainda) me falta

Logo, sem perda de tempo, vamos ao que interessa - mesmo que não seja a muita gente! 


Esse texto pretende ser um "mosaico" baseado nos seguintes temas: 1) uma breve abordagem do momento atual do Brasil, onde o "preço de quase tudo" está "alto demais" (o nosso café de cada dia que o diga!), incluindo 2) breves comentários de trechos de uma música chamada "O Preço" (da banda de rock Engenheiros do Hawaii), de tal modo a fazer conexões com certas situações (no mínimo!) lamentáveis envolvendo o meio cristão e, finalmente, com a época do ano em que estamos - a saber, a Quaresma e a Páscoa. Isto dito, que "tudo dê certo" no final, assim como aconteceu com o Corinthians nas palavras de seu camisa 8, o argentino Rodrigo Garro - a propósito, "gracias por ser diferente, hermano"!


Primeiramente, com relação à realidade presente do Brasil, dentre os incontáveis problemas existentes - p. ex., a tirania do poder judiciário contra cidadãos inocentes em conluio com comunistas e elites internacionais, a decadência intelectual, ética e espiritual do "brasileiro médio" (incluindo os que, curiosamente, ocupam a "classe falante" ou dos "formadores de opinião"), a "quasi-onipresença" do crime organizado como um "poder paralelo" (paralelo ou aliado?) ao governo etc. -, um se tornou mais evidente: a desordem fiscal e o aumento do custo de vida para o povo, em níveis piores até mesmo em relação ao período da famigerada "pandemia". Dos ovos ao arroz, do azeite de oliva ao café ou das frutas à carne vermelha (basta lembrarmos que "a picanha virou abóbora" em poucos meses), o que se vê é que "tudo está mais caro", a tal ponto que os brasileiros, com seu humor característico, têm buscado "zombar de seu próprio infortúnio" através de piadas e memes nos quais o café é um "símbolo de ostentação" e a abóbora "vai para o espeto" como o "prato principal" do churrasco com os amigos. 

Se pensarmos de modo honesto, é preciso admitir que "determinados preços" que podem ser "altos" para alguns podem ser "baixos" para outros - o que não anula a gravidade da situação econômica do país em questão, visto que o ideal é que uma nação seja próspera a fim de que a pobreza e a miséria sejam reduzidas. Entretanto, essa dinâmica é diretamente afetada pelas ações concretas daqueles que ocupam o poder e, por isso, a depender de quais objetivos estejam em jogo, o país será mais livre e rico ou, ao contrário, será mais carente (ou mesmo miserável) e sem liberdade. Infelizmente, no caso do Brasil, quem possui o mínimo de sensatez e (acima de tudo) de vergonha na cara sabe muito bem quais são os interesses dos "poderosos" (tanto nacionais como internacionais), de tal maneira que a seguinte (pará)frase atribuída a Nietzsche é como uma "mão na luva", a qual diz: "...só se vence aquilo que se substitui...". Assim, sem a "substituição" desses "maus poderosos" por homens íntegros e capazes, não se pode esperar por nenhuma mudança - a não ser para pior. 

Mudando um pouco de assunto, o que os "preços altos" da cesta básica do Brasil, agravados por políticas econômicas irresponsáveis/criminosas e por uma carga tributária abusiva e progressiva (ou seria progressista?), teriam a ver com os Engenheiros do Hawaii, com "tretas" do contexto dito "cristão" e com as estações litúrgicas da Quaresma e da Páscoa? Se você não ler até o fim, você jamais saberá! Portanto, "keep going and stand with us"! 


Portanto, com respeito aos "engenheiros", os versos iniciais da música "O Preço" dizem:

"...O preço que se paga, às vezes, é alto demais
É alta madrugada, já é tarde demais
Pra pedir perdão
Pra fingir que não foi mal..."

Assim, diferentemente do caso anterior, o "preço alto" mencionado na canção não se refere a itens de subsistência, mas a perdas sofridas numa determinada relação (possivelmente amorosa), uma vez que existe um tom de lamento expresso na frase "...já é tarde demais para pedir perdão..." - o que aponta para um mal que não pode ser "apagado" ou remediado. Contudo, tanto com respeito à "cesta básica" do brasileiro quanto com relação às desilusões com outras pessoas, algo se repete: o 'consumidor' e o 'compositor' assumem um custo acima de suas condições individuais e, como bem sabemos, quem acaba por pagar "mais do que pode" sofrerá, em algum momento, prejuízos com os quais não gostaria de lidar

Nesse sentido, não são apenas as relações amorosas, tão comuns nos versos dos poetas e nos romances, que são marcadas, muitas vezes, por danos irreparáveis e/ou males irremediáveis. Numa breve digressão, é preciso destacar que, embora inimizades e contendas existam "desde que o mundo é mundo", o advento das redes sociais e o acesso imediato à informação (quase que) ilimitada têm potencializado o poder devastador e pernicioso da tendência humana para o partidarismo, o "assassinato de reputação" e a desumanização dos outros "que não sejam como nós". Na verdade, todos somos suscetíveis a tais práticas e, por isso, não poderia haver advertência mais eficaz do que a denúncia contra a presença dessas coisas no ambiente onde elas jamais deveriam ser vistas (nem mesmo sob suspeita): a comunidade cristã e, em particular, o meio "protestante/reformado"


Para quem acompanha os diferentes "nichos" religiosos que se destacam na internet, embates entre 1) protestantes e católicos (e.g., romanistas) bem como 2) envolvendo "cristãos conservadores" e "cristãos progressistas" - a propósito, isso existe? - têm sido muito comuns nos últimos anos, tendo em vista o "fim da hegemonia" da esquerda sobre a cultura e a ação dos cristãos na esfera pública, as controvérsias referentes às "conversões ao catolicismo romano" e a subsequente reação apologética dos evangélicos

Entretanto, o que gostaria de salientar aqui nem se pode chamar de um "embate sério", uma vez que é tão-somente um "circo sectário de horrores", no qual "blasfeminions", "hereggianos" e demais "ortodoxos-iníquos" fingem defender a "doutrina certa" enquanto "...amaldiçoam seus semelhantes feitos à imagem de Deus..." (vide Tiago 3, vs. 9) e, mais do que isso, cometem o mesmo pecado do qual Jesus diz "...não haver perdão, nem neste mundo nem no futuro..." (vide Mateus 12, vs. 32). Ora, aquele que chama o "Espírito de Deus", o "Espírito Santo", o "Consolador", o "Espírito de Cristo", o "Espírito da Verdade" de "demônio" não é outra coisa senão um "blasfemador" e, por isso, não deve ser tratado com misericórdia, como está escrito:

"...Todo homem que amaldiçoar o seu Deus sofrerá por causa do seu pecado... Aquele que blasfemar contra o nome do Senhor certamente será morto; toda a comunidade o apedrejará..."
[Levítico 24, vs. 15-16a]

Desse modo, a "sorte" desses "pseudo-teólogos soberbinhos" da internet é que, na Igreja de Cristo, não existe uma "lei civil" como no antigo Israel - porém, se assim o fosse, eu queria ter o prazer de "atirar a primeira pedra" na boca e nos dentes de qualquer um que, em sua empáfia e arrogância, viesse a maldizer a Deus ao "confundi-Lo com o (verdadeiro) pai deles". Todavia, como Deus é mais justo e compassivo do que eu sou (e seria), a recompensa final dos blasfemadores e escarnecedores do Deus Altíssimo, o Senhor dos Exércitos, já está determinada e - graças a Deus! - não tarda. Por tudo isso, todos esses que causam vergonha e maculam a dignidade dos "cristãos reformados" com seu sectarismo malicioso e sua "aparência de piedade" ímpia receberão de Deus, o Inimigo deles e de todos os hipócritas e facciosos, o que bem merecem. De fato, esse é o tipo de gente pela qual "...não se deve orar, nem levantar clamor ou oração em seu favor..." (ver Jeremias 7, vs. 16) - a não ser que seja uma "oração imprecatória"


Por outro lado, qual seria a conexão entre todos esses tópicos e a época da Quaresma e da Páscoa? A resposta a essa pergunta começará com os seguintes versos da música "O Preço":

"...E agora eu pago os meus pecados
Por ter acreditado
Que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade
Mas, na verdade, 
Eram as grades da prisão..."

Como se sabe, o período da Quaresma/Páscoa é de particular importância para uma grande parte da comunidade cristã no mundo e, particularmente, para católicos, ortodoxos e alguns segmentos protestantes (p. ex., luteranos e anglicanos). Assim, essa estação litúrgica está especialmente vinculada a dois dos elementos mais importantes da fé católico-romana, a saber: o "sacramento da penitência" associado à "cooperação na obra de justificação", os quais diferem radicalmente da compreensão protestante/evangélica de "vida de arrependimento" e de "responsabilidade na santificação" (distinção que não será explicada aqui). Dessa forma, o excerto mencionado mostra alguém dizendo que "...paga os seus pecados..." - o que remete à ideia de "compensação" presente nos conceitos de "penitência" e do próprio "purgatório" - por ter acreditado "...que só se vive uma vez...", de maneira que a "liberdade" para se aproveitar ao máximo a "única vida possível" era, na verdade, uma "prisão" para o poeta iludido em seu autoengano. 

Nesse contexto, não é apenas o personagem da música que está sujeito a "mentir para si mesmo" e, como resultado, ter de arcar com as consequências de mentiras que podem custar "alto demais" - seja o preço de um relacionamento quebrado, seja o de uma "vida desprezada e não vivida". Diante disso, o autoengano apresentado nestes versos é um tipo de ilusão "par excellence" comum a todos nós e, curiosamente, o "combo Quaresma + Páscoa" acaba por ser, no fim das contas, o seu (único) "antídoto", visto que os significados de ambas as estações/épocas se referem, respectivamente, à 1) identificação com Jesus Cristo, cuja vida de abnegação e sacrifício é a fonte da salvação dos que creem Nele e O seguem e 2) ao triunfo definitivo de Cristo sobre a morte com a subsequente esperança de uma (nova) vida sem fim. Portanto, em certo sentido, todos os que "acreditam que só se vive uma vez" estão "enganando a si mesmos" e, um dia, "pagarão um preço alto demais" - i.e., a eterna punição pelos pecados sob a ira de Deus - caso permaneçam em seu estado de rebelião e ignorância. Logo, a atitude de se viver "como se Deus não existisse" é, como diz a música, "uma liberdade que aprisiona", cujas "grades" só podem ser "arrancadas" por Aquele que, ao libertar alguém, "o faz verdadeiramente livre" (vide João 8, vs. 36). 


Por essa razão, é importante ressaltar que certas tradições religiosas - como a "guarda de dias, meses, tempos e anos" (ver Gálatas 4, vs. 10-11) - não são uma prescrição pertencente à prática cristã no Novo Testamento (muito embora tais elementos tenham sido ordenados por Deus ao Israel do Antigo Testamento e, portanto, não são reprováveis em si próprios), de tal maneira que, por exemplo, seguir ou não o "calendário cristão" não é uma conditio sine qua non para uma vida de piedade genuína. No entanto, caso alguém decida incluir esse "calendário" em suas disciplinas espirituais diárias ou na vida da igreja local, é imprescindível discernir com clareza quais aspectos podem/devem ser admitidos e quais devem ser rejeitados

Dessa forma, a adoção de alguns costumes (p. ex., o de se abster de carne vermelha na Quaresma e, em particular, na Semana Santa) a fim de se alcançar alguma "graça especial" da parte de Deus são inúteis - que o digam Zwínglio e seus amigos, que durante um jejum de Quaresma em 1522 defenderam a liberdade de se comer salsichas publicamente em protesto! Em contrapartida, se o uso privado ou comunitário do "calendário litúrgico" promover uma melhor compreensão das obras de Deus para salvar o Seu povo e de como isso molda a nossa compreensão de todas as outras coisas, não há pecado em se adotar essa prática. Em suma, a legítima fé cristã possui catolicidade e, ao mesmo tempo, é fundamentalmente bíblica, de sorte que nem tudo o que é "coisa de católico" é totalmente ruim - bem como as "coisas de arminianos" e de "pentecostais" -, tendo em vista que não são as tradições religiosas (incluindo as reformadas!) que definem o que procede ou não de Deus, mas é Ele quem define quais tradições são válidas e quais são descartáveis. Ora, se o cristianismo tem cerca de dois mil anos (e, particularmente, o protestantismo tem pouco mais de 500 anos, ao menos como movimento histórico), não se pode JAMAIS confundi-lo com "seitas pseudo-ortodoxas" de internet (p. ex., o "badinismo" e o "hereggianismo"), sobretudo pelo fato de que está escrito:

"...Não há árvore boa que dê fruto mau, nem árvore má que dê fruto bom.
Toda árvore é conhecida pelo seu fruto. [...]
O homem bom tira o bem do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira o mal do seu mau tesouro; pois a boca fala do que o coração está cheio..."
- Lucas 6, vs. 43, 44a e 45

Esses versos são "mais claros do que o mar das praias da Sardegna ou do Caribe" - isto é, eles querem dizer o que dizem e dizem o que querem dizer, a saber: o que fazemos e o que falamos evidencia aquilo que somos, por mais que tentemos fingir e esconder nossa maldade para os outros. Assim, se as nossas ações são ímpias e se as nossas palavras são frívolas e maliciosas, o que nos aguarda é o juízo divino, no qual "...toda árvore que não produz bom fruto será cortada e lançada ao fogo..." (vide Mateus 7, vs. 19). 


Finalmente, não há como se falar de "preço alto a ser pago" e de "Quaresma" sem se considerar mais a fundo o que será chamado aqui de "custo do discipulado" (lançando mão do título de um dos livros do pastor Jonas Madureira) - ou seja, o que seguir a Cristo requer de todos os Seus discípulos e até que ponto estamos dispostos a ir em nossa devoção e obediência a Ele. Mas qual seria a relação entre essas coisas? E onde os Engenheiros do Hawaii e a Páscoa entrariam nisso? Continuem firmes na leitura, pois "...se depender de mim, vocês irão até o fim..."! 

Considerando o que já foi dito sobre o "ethos da Quaresma", as seguintes palavras são mais do que pertinentes:

 "...Se alguém vem a Mim e não Me ama mais do que ama o seu pai, a sua mãe, a sua mulher, os seus filhos, os seus irmãos, as suas irmãs e até a sua própria vida, não pode ser Meu discípulo
E quem não tomar a sua cruz e (não) vier após mim não pode ser Meu discípulo..."
(Evangelho segundo Lucas, cap. 14, vs. 26-27)

Estas palavras de Jesus são tão autoexplicativas que não é preciso acrescentar nada a elas. Ou seja, o que este texto ensina é que ninguém deve ser mais (e nem melhor) amado pelos seres humanos do que Cristo e, nesse sentido, esse amor implica preferir a Cristo a qualquer outra coisa ou pessoa - incluindo aquelas que nos são mais preciosas. No mais, nota-se que essa "vida" de devoção e amor significa "morte", pois todos os que O seguem devem "tomar a própria cruz", cuja imagem comunica/expressa abnegação e humilhação "até as últimas consequências". Portanto, talvez ninguém resumiu melhor essa ideia do que o teólogo/pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, quando afirmou: "...quando Cristo chama um homem, Ele o convida a vir e morrer...". 

Para reforçar a realidade do "custo do discipulado", Jesus acrescenta duas ilustrações: 1) um homem que deseja edificar uma torre e faz todos os cálculos necessários antes de iniciar a construção e 2) um rei que, ao vislumbrar um conflito contra um exército duas vezes maior, avalia se pode enfrentá-lo ou se é melhor adotar uma "solução diplomática". Dessa maneira, caso o construtor não soubesse o real custo de seu empreendimento, ele não concluiria a obra e teria de enfrentar a zombaria dos outros e, com respeito ao rei, pode-se afirmar que sua obstinação em ir a uma guerra sem recursos suficientes provavelmente o conduziria à ruína. Por tudo isso, ser um verdadeiro discípulo de Cristo é uma dádiva divina mas, ao mesmo tempo, custa tudo, de modo que todos os que querem trilhar esse caminho devem estar cientes do "preço alto a ser pago"


É necessário ressaltar, porém, que o "custo do discipulado" não se refere, em nenhum aspecto, a méritos para aquisição (ou manutenção) da salvação - a qual é obra exclusiva de Deus, por Sua graça somente e em Cristo somente -, mas à manifestação da "vida de Cristo" naqueles pelos quais Ele morreu e que igualmente morreram com Ele, o que é simbolizado no batismo (por imersão e somente de crentes professos, é claro! - vide Romanos 6, vs. 4 e 2 Coríntios 4, vs. 10-11). Isto é, apenas quem já nasceu de novo e, por isso, foi convertido/converteu-se genuinamente a Deus pode ser um discípulo de Jesus Cristo e, como resultado de sua nova vida, ele tem consciência do que é requerido de um seguidor de Cristo bem como tem o poder de fazer o que lhe seria naturalmente impossível

Logo, "andar como Cristo andou" é uma característica exclusiva daqueles que "estão Nele" - ou, conforme a primeira das 95 Teses de Martinho Lutero, "...dizendo o nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, 'arrependei-vos', Ele quis que toda a vida dos fiéis fosse de [contínuo] arrependimento...". Desse modo, os que não manifestam esse "caráter arrependido" se darão conta, tarde demais, de que serão "banidos da presença de Cristo devido à prática da iniquidade" (e.g., Mateus 7, vs. 21-23) ou, semelhantemente ao personagem da música, perceberão que "haviam se enganado outra vez" e que, ao final de tudo, lhes restará "só solidão", com muito "...choro e ranger de dentes..." (vide Mateus 8, vs. 12; cap. 13, vs. 42 e 50; cap. 22, vs. 13; cap. 24, vs. 51; cap. 25, vs. 30 etc.).  

Além disso, vale a pena relembrar que, nos dias que antecederam a morte de Jesus - e, em especial, na chamada "Semana Santa" -, ocorreram alguns episódios que envolveram "preço" ou "custo", como 1) a armadilha da (i)licitude do pagamento do imposto a César (ver Marcos 12, vs. 13-17), 2) a "oferta sacrificial" da viúva pobre em contraste com as "ofertas das sobras" dos ricos (e.g., Marcos 12, vs. 41-44)  e, sobretudo, 3) a própria traição de Jesus por Judas Iscariotes em troca de 30 moedas de prata, cujo valor viria a custar "caro demais" para o próprio Judas que, com/por remorso, acabaria por tirar a própria vida (vide Mateus 27, vs. 3-5 e Atos dos Apóstolos 1, vs. 16-18). Assim, todos esses "preços" anteriormente citados podem servir para salientar o fato de que "outro preço", mais alto do que qualquer outro antes ou depois dele, estava para ser pago por Alguém que fora vendido "por um dos seus escolhidos" pelo valor usual de um escravo - como o fora José pelos seus irmãos, que o venderam por 20 moedas de prata -, o que reitera a extensão da humilhação de Cristo em prol da redenção de todos os que Lhe pertencem. 

Entretanto, uma pergunta permanece: em que momento a Páscoa entra nessa história? Permaneça aqui e você verá!


A Páscoa, como sabemos, é uma das comemorações religiosas mais importantes da história, uma vez que une, em diversos aspectos, cristãos e judeus - embora também haja diferenças substanciais entre os modos como ambos a celebram. Suas raízes remontam ao período por volta dos séculos XV-XIV a.C. (durante o êxodo do povo hebreu do Egito após uma longa e cruel escravidão) e seu significado aponta para a intervenção divina em favor da futura nação de Israel, a qual foi poupada durante a "morte dos primogênitos" por ocasião da "passagem" do Anjo Destruidor "para além/por cima" das casas marcadas com o "sangue do cordeiro". Assim, a Páscoa (heb. "Pessach" - port. "passar por cima, passar para além de") recorda a libertação do povo escolhido por Deus para herdar a "Terra Prometida" e, devido à sua tamanha importância, deveria ser festejada por todo o povo de Israel "como um estatuto perpétuo"

Por outro lado, a Páscoa no Cristianismo adquire um significado mais abrangente, pois ela tanto reflete elementos presentes na celebração judaica (p. ex., a noção de libertação, a imagem de um "cordeiro sacrificado" etc.) quanto amplia o seu alcance, uma vez que não seria mais necessário "sacrificar cordeiros" após a ocorrência de um "sacrifício definitivo", pelo qual não apenas israelitas seriam libertados de uma escravidão social mas "homens de toda tribo, língua, povo e nação" seriam redimidos de uma escravidão espiritual (Apocalipse 5, vs. 9-10) e, no fim, toda a Criação viesse/venha a ser resgatada de sua própria decadência (vide Romanos 8, vs. 19-23). Dessa forma, a "páscoa cristã" está centrada em "promessas melhores", pelas quais a herança de "uma terra que mana leite e mel" se torna a herança dos "novos céus e nova terra", cujo fundamento está na pessoa de Jesus Cristo, o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo", e a Sua obra redentora

Nesse ínterim, quando o compositor de "O Preço" fala sobre "pagar os pecados por se ter acreditado que só se vive uma vez", pode-se ver uma "menção indireta" à Páscoa, tendo em vista que o seu clímax não é (nem mesmo) a morte de Cristo como o "cordeiro pascal", mas a sua ressurreição - a qual testifica, de modo inequívoco, que "viver outra vez" não é só possível, porém factível, concreto e real. A esse respeito, vale citar as contundentes palavras do apóstolo Paulo:

"...Se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou
E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação e também é vã a fé de vocês
[...] E, se Cristo não ressuscitou... vocês ainda permanecem em seus pecados,
E também os que morreram em Cristo estão perdidos.
Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. 
Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que morreram..."
(1a Epístola aos Coríntios 15, vs. 14-15, 17-20) 


Semelhantemente às palavras de Jesus sobre o "preço do discipulado", o trecho acima é "tão claro quanto a luz do meio-dia" e nos mostra, antes de tudo, que "a ressurreição de mortos" é uma realidade incontestável provada pela ressurreição do próprio Jesus, pois "...se os mortos não ressuscitassem, nem Cristo teria ressuscitado...". Consequentemente, se a ressurreição de Cristo não fosse um fato, todo o edifício do Cristianismo desmoronaria, posto que sem ela "a pregação cristã seria inútil bem como a fé professada nela" e, como resultado, os "crentes" vivos ainda "permaneceriam em seus pecados" - isto é, eles não teriam sido perdoados - e os que já morreram "já estão perdidos", de modo que "seríamos os mais miseráveis de todos os homens". 

Diante de declarações tão aterradoras, a única conclusão razoável é que a ressurreição de Jesus é o sustentáculo supremo da fé cristã, a qual só faz sentido porque Jesus também morreu e foi sepultado - o que, obviamente, não teria acontecido se não houvesse a Encarnação. Ou seja, a "história da redenção" é como uma "obra de tapeçaria", onde os traçados e fios estão devidamente entrelaçados, dentre os quais podemos destacar três momentos: o Natal (a história do "Verbo se fazendo carne/pessoa"), a Semana Santa (os dias que relatam a morte do Filho de Deus) e a Páscoa (a celebração do Messias vitorioso sobre a morte e todos os Seus demais inimigos). Desse modo, os Engenheiros do Hawaii poderiam ser considerados, ainda que de forma pitoresca e até despretensiosa, os "Evangelistas do Hawaii", pois a realidade é que, em última análise, "quem não acredita que não se vive mais de uma vez" vai, inevitavelmente, "pagar pelos próprios pecados" - mas com uma grande diferença: tal preço será "alto demais", tão alto ao ponto de que não haverá como quitá-lo, nem mesmo durante toda uma eternidade. 

Logo, se não desejamos arcar com esse "custo" incalculável, a única alternativa é confessar todos os nossos "crimes inafiançáveis" e "pecados hediondos" - p. ex., soberba espiritual e "vaidade virtual", espírito contencioso e maledicência, blasfêmias e impropérios, mentira e incredulidade etc. - enquanto direcionamos nosso olhar para Aquele "que deixou a segurança de Seu mundo por amor" (como diz outra canção de rock) para assumir a nossa natureza e, assim, humilhar-Se até a morte e morte de cruz (ver Filipenses 2, vs. 6-8), mediante a qual "...o escrito de dívida que nos era contrário foi cancelado..." (vide Colossenses 2, vs. 14) e "...principados e potestades foram despojados e feitos um espetáculo público..." (e.g., vs. 15). Em suma, Cristo já "pagou o alto preço" que nenhum de nós poderia, restando-nos apenas depositar nossa confiança inteira e exclusivamente Nele para que sejamos redimidos de nossos pecados, dos outros males decorrentes dele - seja a culpa e a condenação, a sua influência e poder e, finalmente, a sua presença - e, por fim, derrotar todos os nossos adversários. Por tudo isso, a síntese de todo esse argumento é esta: Cristo é a nossa Páscoa (ver 1 Coríntios 5, vs. 7). 


Portanto, ainda que não seja tão famoso quanto os Engenheiros do Hawaii, eu me atrevo a endossar o que eles, provavelmente sem intenção, acabaram por expressar, visto que, se todos nós pudéssemos "viver só uma única vez", aqueles que reconhecem/proclamam a Páscoa como a celebração da ressurreição de Jesus Cristo seriam mentirosas e, consequentemente, o próprio Deus igualmente o seria, pois estaríamos "...testemunhando contra Ele que Cristo ressuscitou dentre os mortos, embora os mortos não ressuscitem..." (1 Coríntios 15, vs. 16). Entretanto, considerando que já existem muitos "lobos em pele de cordeiro" ultrajando a glória de Deus com suas blasfêmias, picuinhas, maledicências e palavras arrogantes (sobretudo no "tribunal da internet", onde todos somente "julgam e cancelam", nos quais tanto os "dons" quanto o "fruto do Espírito" parecem ter "cessado" - se é que um dia existiram!), eu apenas desejo ser o que diz o título de certo livro do escritor/teólogo Micheal Horton: simplesmente um crente, cuja vida seja um testemunho de que "cada um de nós não é nada" mas somente "Cristo é tudo em todos".  

Diante de tudo isso, fica a pergunta: como você "passará" por essa Páscoa?

Caso você se veja como um "seguidor de Jesus Cristo", você entendeu que "foi chamado para ir e morrer" ou, como os construtores da torre de Babel, vive para "fazer um nome para si" - seja virtualmente, seja "presencialmente"? 

Nesse sentido, você já calculou o preço de "trilhar o caminho da cruz" ou, ao contrário, acredita que ignorar o "custo do discipulado" não te custará muito mais no fim da jornada da vida?

Por outro lado, se você é daqueles que "vive como se Deus não existisse" ou mesmo é um "religioso social", quando se dará conta do fato de que as boas tradições cristãs não são "costumes vazios" mas holofotes para a "Grande História" - i.e., a história de Deus e de Seu Filho?

Finalmente, o que você fará com o "preço alto demais" pago pelo "Deus que se fez homem" numa semana como esta? Agirá com desprezo e ignorará o terrível fim que aguarda a todos que assim procedem ou, arrependido, receberá a dádiva gratuita da "vida sem fim" conquistada por Ele?


Pela alegria de ter sido "comprado por um alto preço",




Soli Deo Gloria!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O paradoxo do "Infinito-Contido": uma imprecação de Natal

Embora, ó Deus, eu não seja poeta
- E, muito menos, um profeta -,
A Ti ouso dirigir estas palavras
Que, desprovidas da apropriada erudição,
Talvez nem devessem ser publicadas.
Contudo, consciente do que me é devido,
Arrisco-me a registrá-las nesta imprecação,
A qual, advinda de santa indignação,
 Possa ser útil aos angustiados e contritos .
Sê servido, pois, em usares tais "linhas mal traçadas"
E, assim, o "vento não as levará embora". 


Com mais um ano chegando ao seu final
- Do qual muitos podem se declarar "sobreviventes" -,
Somos cercados, repentina e simultaneamente,
Pela curiosa e famigerada "magia do Natal"
Das cidades iluminadas, confraternizações e presentes,
Às viagens, decorações e ritos religiosos,
São todos emblemas de nossos grandes anseios,
Os quais não podem ser, por nós mesmos, satisfeitos,
Visto que expressam uma realidade sobrenatural. 
Infelizes, portanto, são aqueles cujos olhos
Estão apenas no que é fugaz e transitório,
De forma que ignoram o "maior dos paradoxos",
No qual "Aquele que os céus não podem conter"
Fez-se "contido" sob a terna forma de um bebê

Tal mistério é, na verdade, história bem antiga,
Cujo enredo foi, passo a passo, revelado
Em figuras, símbolos, oráculos e profecias
Até que o "caminho reto" fosse, enfim, preparado.
Para isso um precursor havia de ser enviado,
A fim de converter os corações desobedientes,
Os quais, assim, seriam conduzidos à sabedoria
Que, encarnada, em breve se manifestaria.
Nascida, então, a "Voz que clamaria no deserto",
Ouviu-se o louvor de quem estivera mudo,
Em cujas palavras a "velha esperança" foi cantada -
Lá do alto, o "Sol Nascente" nos visitaria
Bendito, pois, seja Aquele que assim prometera
E, em Sua fidelidade, cumpriria a Sua palavra


Na plenitude dos tempos, como fora determinado,
O Redentor prometido havia, enfim, chegado -
Nascido de uma virgem, sob a vigência da Lei divina,
Com o fim de salvar aos que debaixo dela estavam
Para que, por livre graça, fossem por Deus adotados.
Seu nascimento, pois, tinha em vista a Sua morte,
A qual seria revertida por triunfante ressurreição
E, após subir ao céus para estar à destra de Seu Pai,
Hoje aguarda o dia em que subjugará Seus inimigos
Uma vez que a Ele foi dado todo o juízo.
Logo, o Natal traz tanto "a melhor das boas notícias"
Quanto "a mais implacável de todas as sentenças",
Pois o Menino-Deus, o Verbo Encarnado,
Seria causa de exaltação e de abatimento,
Assim como um "sinal de contradição" para Seu povo
Para que dos corações fossem manifestos os pensamentos. 

Até quando, todavia, teremos de esperar pelo momento 
Em que todo o mal será, finalmente, vencido,
Visto que os soberbos caminham por toda a parte
Na medida em que a vileza entre nós é elogiada?
O salário dos pobres é retido com fraude
E criminosos são "eleitos" para governar nações;
Invasores bárbaros são chamados de "refugiados"
E assassinar bebês se tornou "questão de saúde pública";
Uma sanha genocida é alardeada como "resistência"
E a extinção de uma etnia virou "reparação histórica".
Mas que tipo de "reparo" causa tão-somente miséria?
Como um "direito reprodutivo" interrompe uma vida?
Quem "faz resistência" através do terror e do extermínio?
E que democracia pode ser preservada por bandidos cínicos?
Atenta, ó Deus, para o nosso estado de humilhação
Como fizeste outrora, nos dias acima mencionados,
Para que cantemos o Teu amor firme e fiel,
O qual durará para sempre, por dias infindos. 


Enquanto esperamos, inspira-nos uma serena confiança
De que "cada dia a mais é um dia a menos"
Para os malfeitores e suas "artimanhas",
Pois aquele que conhece o Teu Santo Livro
Sabe que, no fim, "tudo vai terminar bem".
Contudo, ó Senhor Deus dos indignados,
Não tardes em consumar os Teus desígnios,
Para a perpétua felicidade de Teus filhos
E a devida justiça contra todos os impenitentes.
Assim, que as luzes de Natal em nossas cidades
Sejam um alento em meio ao "faroeste caboclo"
Que, passo a passo, se faz mais "onipresente"
A tal ponto que "fotografias em família"
Podem se transformar em "atestados de óbito".
Que o brilho delas, pois, nos remeta à Verdadeira Luz
Que, ao vir ao mundo, a todo homem ilumina,
Para que, assim, conheçamos os caminhos da vida

Não permitas, igualmente, ó Doador de todo bem,
Que sejamos enredados pelos "feitiços de Mamom"
E, assim, distraídos pelo consumismo e "glamour",
Nos esqueçamos da Dádiva que Tu dás (e és)
Substituindo-Te pelo que é vazio e inútil.
Ao contrário, ensina-nos que os "presentes trocados"
São "vislumbres" Daquele que por Ti nos foi dado,
Como prova inequívoca de um amor sem medida
Do qual nenhum dos Teus poderá ser separado.
Assim, dos centros comerciais bem enfeitados
Aos icônicos "mercados de Natal" europeus 
- Agora profanados por "inimigos de Cristo"
E até atacados por terroristas cruéis e assassinos -,
Sejam eles holofotes para o Deus que se fez homem,
Para que estes sejam a Deus reconduzidos.  


Esperaremos, pois, em Ti, pois assim nos ordenaste,
Como as sentinelas aguardam pelo romper da manhã,
Uma vez que "a noite vai alta e o dia já vem"
Clareando, cuja luz dissipa as trevas ainda restantes
Até que nenhuma sombra de morte, enfim, se ache

Por isso Te invocamos, ó Sabedoria Eterna,
Para que por Ti sejamos libertados da ignorância
E aprendamos o caminho da prudência;
Senhor e Guia nosso, que outrora Te revelaste com poder,
Manifesta-Te, neste tempo, em nosso favor
E, assim, seremos resgatados com braço forte;
Tu, que estás erguido como Estandarte dos povos,
Faze calar os soberbos que contra Ti se levantam
E não demores em salvar os que em Ti confiam;
A Ti, que tens a Chave e o Cetro nas mãos,
Suplicamos: redime da prisão os que são cativos,
Pois para isso foste, por Deus, ungido;
Ó Estrela do Nascente, cujo brilho ofusca o sol,
Resplandece a Tua face sorridente sobre nós
Para que todos os que Te virem sejam salvos;
Rei das nações, por Quem todos os homens anseiam,
Reúne Teus escolhidos em uma nova humanidade
E salva aqueles que, um dia, do pó da terra formaste.

Vem, pois, ó Emanuel,
Que és verdadeiro Homem e verdadeiro Deus,
E assumiste, em humilhação, a nossa natureza,
Para nunca mais deixar de ser como um de nós -
Vem outra vez e habita em nosso meio,
Pois assim nos prometeste em Tua eterna aliança,
A fim de que todas as lágrimas sejam enxugadas
E toda justa vingança seja por Ti executada.

Tu nos estenderás o Teu amor e a Tua salvação,
Pois és o nosso Rei, Legislador e Juiz,
Esperança de Israel e de todos os gentios
De modo que todos os povos Te louvarão
Tomarás, ao fim, a primazia que só a Ti é devida,
Pois o Natal - bem como todas as coisas - são Tuas,
Para que por todos os homens sejas temido
E os Teus filhos dispersos sejam, finalmente, reunidos
Para a glória e louvor de Teu Amado Filho.  




Soli Deo Gloria!

terça-feira, 29 de outubro de 2024

De herdeiros e arautos da verdadeira "Chama Imperecível"...

Após alguns meses sem tempo (e, sobretudo, sem qualquer inspiração), estou aqui novamente! 

Ora, como dizem os italianos, "chi non muore, si rivede" - ou, em bom português, "quem é vivo sempre aparece"!

Desse modo, visto que eu acredito que a "inspiração" para escrever não tenha chegado até agora - a qual, usualmente, vem apenas quando estou indignado ou furioso -, prefiro não perder mais tempo com palavras dispensáveis e ir ao que realmente interessa (ou não): o texto de hoje. Logo, espero que o resultado final desse esforço seja proveitoso. Sigamos!


Nos últimos meses, tenho estado bastante atarefado com o trabalho de professor de duas disciplinas e de gerenciar um pequeno projeto de empreendedorismo (sem contar demais atribuições pessoais), de forma que este blog pareça ter sido "deixado às traças"... mas não é o caso, como se pode ver! Assim, dentre as várias ocupações deste período, uma delas foi a de estudar mais a fundo "O Senhor dos Anéis", a principal obra de J. R. R. Tolkien, cujo impacto no imaginário de seus leitores e admiradores é quase imensurável. Como resultado, obtive a grata surpresa de perceber as diversas conexões entre certos personagens da trama e Jesus Cristo, destacando-se os aspectos profético, sacerdotal e régio (referente à realeza) - o que, na teologia, é chamado de "Tríplice Ofício de Cristo". Nesse sentido, não poderia haver circunstância mais adequada para este texto do que este mês de outubro de 2024, quando muitos recordarão, mais uma vez, o episódio que mudaria para sempre a Civilização Ocidental (a despeito dos chiliques dos "chatólicos de rede social"): a Reforma Protestante

Todavia... o que "O Senhor dos Anéis" (uma obra escrita por um devotado católico-romano) teria a ver com a celebração do movimento religioso mais antagônico à religião de seu autor? Além disso, o que faz do momento atual de nossa civilização a ocasião mais auspiciosa para tais (possíveis) correlações? Embora creia estar sendo bastante ousado, pretendo responder a essas perguntas até o final e, de preferência, com muitas doses daquele "santo sarcasmo" que tanto aprecio. Seja Deus, pois, a minha fonte de senso de humor, verdade e perspicácia!


Primeiramente, ao se observar mais de perto os personagens principais de O Senhor dos Anéis (daqui em diante, LoTR - sigla em inglês), gostaria de destacar um deles, conhecido como o "mago mais amado de toda a Terra Média": Mithrandir, ou Gandalf, o Cinzento, ou mesmo "Gandalf, o Cavaleiro Branco", feito "...mais poderoso do que os nove cavaleiros do Senhor do Escuro...". Para quem não conhece bem LoTR, Gandalf é um "Maiar" (e.g., uma estirpe de criaturas muito poderosas, embora tivessem sido criadas para serem servas de Eru Ilúvatar, a "divindade suprema da Terra Média" e do universo em que a saga ocorre). Nesse contexto, Ilúvatar é o "Possuidor do Fogo Imperecível", o "Detentor da Chama de Anor", o/a qual pode ser concedido(a) somente se Eru, o Seu dono, assim o quiser - o que, na história, aconteceu exatamente com o nosso velho mago "...de ira fácil e riso bom...", cujas palavras "...eram sempre sábias e cheias de esperança...". 

Nesse ínterim, não se deve deixar de mencionar a emblemática batalha entre Gandalf e o temível Balrog, em Minas Moria, quando o mago cinzento se põe em combate para proteger seus "amigos tolos" da "Sociedade do Anel" até que, no clímax da luta, ele diz: 

"...Eu sou servo do Fogo Secreto, portador da Chama de Anor...
O "fogo escuro" não vos servirá, Chama de Udûn...
Volte para a Sombra... VOCÊ NÃO PASSARÁ! (eng., YOU SHALL NOT PASS!)..."


No fim das contas, Gandalf consegue "vencer" o Balrog (mas não totalmente) pois, como que por um "capricho irônico", o terrível dragão enlaça sua cauda nas pernas do mago e, em seguida, a ponte de Khazâd-Dum se parte e ambos caem num abismo para nunca mais serem vistos - pelo menos um deles, uma vez que, algum tempo depois, o outrora "Cinzento" reapareceria como "Gandalf, o Branco", confirmando a vitória da "Chama Imperecível" contra o "Fogo Escuro"

À parte tudo isso, você pode dizer que "as perguntas anteriores ainda continuam sem respostas" - o que é verdade até o momento -, mas tenham paciência! Se ficarem até o final, poderão verificar se as respostas foram satisfatórias ou, ao contrário, terão condições de criticarem o que for preciso! Por isso, não sejam como a maioria dentre nós, que "fazem da ignorância uma fonte de autoridade intelectual" e, por isso mesmo, falam do que não entendem e desprezam o que não são capazes de assimilar por serem exatamente como são: orgulhosos de sua mediocridade. 

Feitas essas observações, respondamos à primeira pergunta: que relação haveria entre LoTR e a Reforma Protestante - no tocante aos seus fundamentos e confissão?

Considerando-se que, em textos anteriores, o tema da Reforma Protestante foi abordado sob variados aspectos, não é necessário apresentá-lo de forma mais detalhada, mas tão-somente ressaltar que este movimento possui como marca primordial o retorno à fé apostólica - i.e., à doutrina de Jesus Cristo, confirmada pela Lei e pelos antigos Profetas - em oposição ao "cristianismo à moda papista", no qual as tradições humanas haviam suplantado a Palavra de Deus e, com isso, feito surgir uma espécie de religião que era qualquer coisa, menos cristã. Desse modo, surgem outras perguntas: em que consiste a fé apostólica? Quais são os reais ensinos de Jesus Cristo? Como as Escrituras hebraicas (i.e., o chamado "Antigo Testamento") ratificam essas doutrinas? Como distinguir o que é "...de acordo com a verdade em Jesus..." do que é "...doutrina de demônios..."? Muito embora os questionamentos sejam muitos, há apenas um único caminho seguro para se chegar a todas as respostas almejadas: o testemunho que o próprio Deus dá acerca de Si mesmo, o qual pode ser conhecido 1) na realidade criada, 2) na consciência humana e, acima desses instrumentos, 3) nas Sagradas Escrituras e 4) em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne e que nos faz conhecer a Deus, uma vez que "...quem vê o Filho, vê o Pai..." [João 14, vs. 9]. 


Nesse sentido, é importante esclarecer que nem a realidade criada nem a consciência são, em última análise, meios totalmente confiáveis ou suficientes para nos conduzirem a um conhecimento seguro de Deus, de tal sorte que uma intervenção especial da parte de Deus em favor de suas criaturas (a saber, os humanos) é absolutamente necessária, a fim de que Ele mesmo, por Sua livre graça, se dê a conhecer aos homens para que estes possam encontrá-Lo. 

Por tudo isso, Deus decidiu, ao longo da história e em Sua providência, 1) fazer com que Sua revelação (seja de Suas palavras, seja de Suas obras) fosse escrita - para que o Seu conhecimento fosse claro e acessível a quem pudesse e quisesse ouvir/ver/ler - e, de maneira ainda mais evidente, 2) resolveu assumir a própria natureza humana, por obra do Espirito Santo no ventre de uma jovem virgem judia chamada Maria, cujo "menino" seria chamado "Filho do Altíssimo", a Quem "...seria dado o trono de Davi...", para que um dia "...reinasse para sempre sobre a casa de Jacó/Israel..." num "...reino que jamais teria fim..." [Lucas 1, vs. 32-33]. Em suma, sem as sãs palavras das Sagradas Escrituras (e.g., da Bíblia) e sem Jesus Cristo - de fato, onde falta uma dessas coisas, certamente faltará a outra - ninguém pode conhecer verdadeiramente ao Deus verdadeiro e, consequentemente, toda forma de religião daí decorrente será, na melhor das hipóteses, apenas uma tentativa frustrada de se "achar Deus" como que "tateando no escuro" ou, na pior delas, uma "abominação desoladora", uma "operação do erro", uma "aparência de piedade diabólica"

Portanto, os agentes do que denominamos "Reforma Protestante" possuíam, como objetivo central, o resgate de um cristianismo genuinamente apostólico para o mundo de sua época (em particular, a Europa Ocidental), até então sepultado sob os "entulhos da religião romanista", de modo que todos os seus bons frutos - teológicos, eclesiológicos, sociais, políticos, culturais, intelectuais etc. - são advindos de uma mesma fonte: a ação de Deus por meio da Palavra de Deus, mais especificamente por meio do Evangelho, pelo Qual Deus se revela plena e definitivamente aos homens na pessoa de Seu Filho, enviado ao mundo para salvar os pecadores, o Qual morreu, foi sepultado e ressuscitou dos mortos, tendo subido aos céus até que, no dia determinado, regresse ao mundo a fim de julgar os vivos e os mortos com justiça e equidade. A 
propósito, vale lembrar que parte dessas últimas linhas são cláusulas do famoso "Credo dos Apóstolos" (e.g., Credo Niceno-Constantinopolitano), símbolo de fé adotado tanto por católicos quanto por protestantes mas que, na prática, parecia esquecido pela "Igreja da História", de forma que um "pastor alemão" precisou "fazer muito barulho" e, assim, "transtornar o mundo". 


Consequentemente, estes que "transtornariam o mundo" seriam, fundamentalmente, homens e mulheres (tanto jovens como mais maduros, indoutos e eruditos, pobres ou ricos etc.) que levantariam o "estandarte da Palavra de Deus" por onde quer que andassem - à semelhança dos atletas que levam a tocha/chama olímpica até o local onde o fogo deve queimar do início ao fim dos Jogos - e, por isso mesmo, podem ser descritos como "portadores de um Fogo Imperecível" que, embora tivesse sido "ocultado" ou "escondido" em grande medida, não poderia ser contido indefinidamente (como numa erupção vulcânica). 

De fato, tais "labaredas divinas" já estavam chamuscando o solo da Europa (e de muitas partes do mundo antigo, como o norte da África, Oriente Médio e até mais ao leste da Ásia) desde os primeiros séculos, porém a partir da metade do período medieval (sobretudo na chamada "Baixa Idade Média", dos séculos XI-XV) essas "chamas" se tornaram cada vez mais incontidas e se espalharam pelo sudeste da França e norte da Itália (e.g., os Valdenses), chegando às Ilhas Britânicas (com o testemunho de John Wycliffe e seus seguidores, os lolardos) e à Europa Central (com Jan Huss na atual República Tcheca, a partir de quem surgiram os hussitas) até que, após pouco mais de 400 anos, coube à Alemanha ser o palco do "incêndio final", o qual fora possivelmente "profetizado", numa santa ironia, por um dos personagens citados acima enquanto este era martirizado numa fogueira, conforme as seguintes palavras:

"...Hoje vocês assarão um ganso magro
Mas em cem anos ouvirão um cisne cantar;
Vocês não serão capazes de assá-lo 
E nenhuma armadilha ou rede poderá segurá-lo..."

- Palavras atribuídas a Jan Huss enquanto era queimado na fogueira, em 1415, na cidade de Praga 


Apesar de tal declaração ser objeto de controvérsia - de um lado, muitos romanistas afirmam que esse episódio é um mito e que o "arqui-herege Huss" nunca disse isso e, de outro, protestantes que viveram 1-2 séculos depois de Huss defendem a probabilidade dessa "profecia" -, uma coisa é verdade: se Huss disse isso, independentemente de ter sido ou não "intencional", ele acabou "acertando", pois 102 anos depois, na cidade de Wittemberg, surgiu um "cisne alemão" que, diferentemente do poder de gelo do Cavaleiro Hyoga, "lançou fogo sobre a Europa" ao ousar colocar sob questionamento diversas práticas e doutrinas da Igreja Romana - se você ainda não sabe, as 95 Teses de Martinho Lutero compunham uma proposta de debate mais acadêmico e não eram, ao contrário do que afirmam os seus caluniadores, uma espécie de "minuta de um golpe eclesiástico". Ora, os brasileiros que possuem ao menos 2 neurônios saudáveis e o mínimo de decência entendem bem que "minutas de golpe" podem ser somente um "conto do vigário" espalhado (ou melhor, "noticiado") para enganar "idiotas úteis" e, no caso das 95 Teses, diversos "contos do vigário" têm sido propagandeados como se fossem "fatos" - na verdade, será que essa não seria uma das especialidades dos pseudointelectuais seguidores da "religião dos vigários"? Seja Deus o juiz entre mim e quem se encaixar nessa provocação, pois assim haverá justiça. 

Resumidamente, o erguimento do "Estandarte das Sagradas Escrituras" ao longo de todos os séculos da Era Cristã (especialmente no contexto aqui abordado) foi acompanhado do martírio de seus detentores, muitos dos quais selaram seu testemunho com sangue enquanto "ardiam como tochas" diante de seus carrascos (como o próprio Huss, os bispos ingleses Hugh Latimer e Nicholas Ridley, os huguenotes franceses e até "protestantes italianos" etc.), de modo que vale destacar um breve diálogo entre dois desses "portadores do verdadeiro Fogo Imperecível":

[Ridley]: "...Tenha bom coração, irmão,
Pois Deus amenizará a fúria da chama
Ou, então, nos fortalecerá para suportá-la..."

[Latimer]: "...Tenha bom ânimo, Mestre Ridley,
E faça o papel de um homem;
Acenderemos hoje uma vela, pela graça de Deus, na Inglaterra,
Que espero que jamais seja apagada..."

- Trecho de diálogo entre Nicholas Ridley e Hugh Latimer, enquanto eram martirizados vivos na fogueira em 1555, em Oxford, por ordens da rainha católica Mary, a "sanguinária" 

Assim, embora a Inglaterra que sucedeu a Ridley e Latimer tenha sido, de fato, invadida pelas "chamas imperecíveis" da verdade de Deus, hoje a situação é bem diferente - não apenas na Inglaterra, mas em toda a sociedade ocidental - e, por isso, mais do que nunca, é necessário que surjam novos "Gandalfs" entre os que confessam a Jesus Cristo para que, com coragem e firmeza, ajam como "servos da Palavra que é fogo" e, no poder do Espírito (que também é associado ao fogo, por ocasião do Pentecostes), derrotem os "balrogs" que estão assolando a igreja e pervertendo o mundo. 


Assim, retomamos a segunda pergunta: o que torna o momento atual de nossa sociedade a melhor ocasião para relacionarmos a Reforma Protestante ao "Fogo Imperecível" de LoTR? 

Uma análise simples e atenta de nossa época nos permitirá ver que, com respeito a Deus e Sua vontade revelada, pode-se ousar dizer que, talvez, estejamos em um dos momentos mais decadentes de toda a história, apesar de que, como disse certo rei sábio, "...não é inteligente afirmar que os dias passados foram melhores que os atuais..." [vide Eclesiastes 7:10, parafraseado]. Portanto, partindo-se de um fundamento equilibrado e lúcido, nota-se que a facilidade de acesso à informação e ao conhecimento (o que inclui as Sagradas Escrituras, boa teologia etc.) não tem, necessariamente, se refletido em homens e mulheres mais civilizados e tementes a Deus mas, pelo contrário, a proliferação do mal por toda parte parece paulatinamente irreversível. De fato, o próprio Cristo havia predito que "...por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará...", indicando categoricamente que o mal se espalharia em duas frentes: 1) de modo ativo, através dos que vivem na prática da maldade e 2) de modo passivo, por meio do endurecimento dos corações que, cansados da prevalência da impiedade, acabariam por ser afetados por ela. 

Sendo mais direto, pensar nessas coisas me faz, acima de tudo, olhar para mim mesmo e notar que nenhum de nós (começando por este que vos escreve), por mais que tenha conhecimento de Deus e deseje agradá-Lo de forma íntegra, está totalmente imune à "multiplicação da maldade" (especialmente em seu "aspecto passivo"), uma vez que o "mal externo" sempre é uma "extensão do mal interno" e, por isso, quem o pratica está tão-somente demonstrando um pouco de sua natureza, ao passo que quem o vê com reprovação pode, igualmente, ser instigado a tentar "resolver o problema do mal com o mal"

Logo, apenas para dar um exemplo real, quando vemos diariamente hordas de estudantes em países de 1º mundo defendendo publicamente o extermínio de um povo inteiro através do terrorismo (cujo crime é chamado de "resistência") e, aliada a tal imundície, a ação coordenada de autoridades e demais poderosos para a destruição de nações inteiras por meio da "substituição demográfica" (mediante a qual os nativos civilizados são dominados por invasores bárbaros que não desejam nada além do "dinheiro do estado para mantê-los" e "de liberdade para cometer crimes impunemente"), normalmente perguntamos "até quando isso vai durar?" ou nos indignamos (no meu caso, não falta indignação) com a ausência da devida justiça contra tais criminosos e delinquentes. Por tudo isso, o exemplo do velho Mithrandir - que se permitiu ser arrastado pelo Balrog até as chamas de Minas Moria para salvar seus amigos da "Fellowship" (i.e., a "Sociedade/Irmandade do Anel"), enquanto lançava mão do poder do "Fogo de Anor" para derrotá-lo - nos lembra que os "herdeiros da verdadeira Chama Imperecível" (ou "Inextinguível") foram convocados a "...dar lugar à ira de Deus em vez de se vingar..." bem como a "...perder a vida para encontrá-la..." e, nessa jornada de abnegação, devem estar cientes de que seu "testemunho" sempre pode terminar em "martírio" (quem lê, entenda), o qual será recompensado no tempo determinado.


Por outro lado, não é apenas fora dos ambientes e contextos cristãos que a iniquidade tem mostrado a sua cara (e até mesmo se multiplicado) mas, lamentavelmente, os diversos pecados e escândalos existentes na chamada "cristandade", não importando qual o seu matiz/segmento, têm sido mais um dos pretextos usados pelos "inimigos da cruz de Cristo" para que "...o nome de Deus seja blasfemado entre eles..." - e isso "para vergonha nossa". 

Nesse sentido, nos últimos dias, dentre todos os maus exemplos que poderia citar, o que mais tem me entristecido (e também enfurecido) é a atitude negligente e (por vezes) leviana de certas pessoas que se declaram/são reconhecidos como "mestres", os quais, embora até ensinem em suas "comunidades locais" ou produzam conteúdo religioso/teológico (livros, sites, canais etc.) para além delas, a) não demonstram o zelo necessário com o dever de transmitir fielmente "...todo o conselho de Deus...", b) falam do que não entendem, enquanto tentam mascarar a própria ignorância ou ainda c) agem de modo intencionalmente corrupto, tratando o "Deus verdadeiro" como se Ele fosse um ente grotesco e desprezível, cuja imagem nada mais é do que o reflexo do que ELES realmente são. Logo, o correto conhecimento do Ser de Deus, ao qual Cristo se referiu como sendo "a vida eterna" [vide João 17:3], é vilipendiado nas palavras e nos escritos daqueles que nem deveriam "ousar falar das palavras divinas" - como dissera Hugo de São Vítor - mas, como afirmara o apóstolo Paulo, precisam "...ser silenciados, visto que ensinam o que não devem...", dos quais se pode dizer com toda a segurança: "...mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos..." [vide Tito 1, vs. 11-12]. 

Há muitos exemplos que poderiam ser citados para ilustrar esse argumento, mas um só é suficiente: recentemente eu li um artigo por recomendação de um amigo muito estimado (com o qual tenho poucas discordâncias teológicas mais acirradas, mas não tão graves ao ponto de nos "excomungarmos mutuamente") no qual o autor procura, por meio de numerosas citações das Escrituras, provar que o "calvinismo" (nos termos do artigo) exemplifica perfeitamente a afirmação de Jesus aos fariseus, que diz: "...vocês coam um mosquito e engolem um camelo...". Após uma leitura cuidadosa e paciente do texto - na verdade, nem tão paciente assim, para quem me conhece -, o resultado almejado pelo autor (e, provavelmente, por aquele amigo) não foi atingido mas, como já "estava predestinado", eu me tornei ainda mais firme em minhas convicções. Portanto, tendo em vista a recordação da Reforma Protestante durante esse mês e a relevância do "calvinismo" para os desdobramentos dela, é necessário "colocar alguns pingos nos i's" e, assim, mostrar quem de fato tem "coado mosquitos e engolido camelos" com suas falácias e astúcias. 


Inicialmente, deve-se ressaltar que, segundo as Escrituras, a salvação de qualquer pessoa vem unicamente de Deus, por Sua graça e mediante a fé em Jesus Cristo, pois "...ao Senhor pertence a salvação..." bem como "...o justo viverá pela fé..." [vide Jonas 2:9b e Romanos 1:17b]. Logo, não é a "precisão teológica" ou a adoção de uma determinada "linha de pensamento doutrinária" que definirá, em última análise, a salvação de alguém, muito embora o zelo pela verdade divina seja um aspecto fundamental da vida de quem teme verdadeiramente a Deus. Portanto, não cabe a nenhum de nós dar um "veredicto de condenação" a ninguém que pense diferente com relação a certos pontos teológicos (incluindo alguns que nos sejam caros) e, dessa forma, o argumento a ser desenvolvido a seguir parte desse princípio: Deus conhece os que são Dele e, por isso, "...cada um Lhe dará contas de si mesmo..." [e.g., Romanos 14:12].  

Feito esse esclarecimento, coloquemos os "pingos nos i's": em primeiro lugar, pode-se perceber que ainda existe muita ignorância quanto ao que seja "calvinismo" - normalmente, esse termo é usado para se referir à "crença na predestinação" ou, mais amplamente, nos chamados "5 pontos" ou "Doutrinas da Graça" (o que não é de todo errado, mas bastante reducionista). Na verdade, diferentes correntes teológicas, até fora do protestantismo, crêem na predestinação (como os católicos mais agostinianos e tomistas, por exemplo) e, além disso, os chamados "5 Pontos do Calvinismo" (decorrentes dos Cânones de Dort, documento produzido por um sínodo no séc. XVII nos Países Baixos) são apenas uma parte de todo o seu escopo doutrinal, o qual é muito mais abrangente e perpassa a vida cristã como um todo, de forma integral - mas, por favor, não confundam tal afirmação com a "teologia da missão integral", pois isso seria um sacrilégio tão grande quanto a missa! Por tudo isso, ao se tratar de temas dessa seriedade e importância, quem se intitula mestre e se propõe a ensinar temas teológicos/religiosos deve "...tirar as sandálias dos pés..." e ter noção de que "...o lugar em que se está é terreno santo..." e, tendo essa consciência, encarar tais assuntos com humildade, honestidade intelectual, amabilidade e mansidão - o que é cada vez mais difícil de se encontrar, mas não tanto quanto o pseudo-mundial de clubes daquele time verde da capital paulista. 

Em segundo lugar, a leitura do artigo em questão revela seu tom acintoso e soberbo - salientado inclusive por quem o havia recomendado a mim e a outros amigos em comum -, o qual, aliado a sucessivas falhas de interpretação do texto bíblico resultantes de uma busca inglória para "refutar o calvinismo", me levou a reafirmar, com mais veemência que outrora, as velhas convicções igualmente sustentadas por tantos reformadores e respectivos sucessores ao longo da história, a saber: 

a) o pecado atingiu o homem em todo o seu ser, de maneira mortal e radical, de forma que com relação a Deus e a Sua salvação, ele é ignorante, incapaz e obstinado em sua rebelião; 

b) assim, se Deus não tivesse decidido desde a eternidade, por Sua livre graça e vontade, salvar dentre os homens perdidos em seus pecados um povo para Si mesmo, ninguém seria salvo, de maneira que a salvação não é o "pagamento de uma dívida", mas a "concessão de uma dádiva"

c)  logo, para que essa obra de salvação fosse eficiente, eficaz e definitivamente realizada, Deus precisou assumir a nossa natureza e, ao viver a vida que deveríamos viver, morrer a morte que merecíamos morrer, ressuscitar e subir aos céus em glória, obteve eterna redenção a todos os que Lhe pertencem;

d) todavia, para que os benefícios dessa redenção sejam apropriados por nós, pecadores, é preciso que Deus vença a nossa resistência a Ele de tal modo que, quando Ele nos "vence", somos atraídos a Cristo pela ação do Espírito Santo e confiamos tão-somente Nele para nossa salvação;

e) e, por fim, uma vez que Deus Pai, por meio de Cristo e no poder de Seu Espírito, o Deus trino, realiza tamanha obra, ao custo do sangue de Seu Filho e sob o empenho da Sua Palavra, não há possibilidade de que essa redenção seja revogada ou invalidada, mas Deus conserva os Seus filhos seguros, até o fim, para a Sua glória. 


Diante disso, eu bem quisera colocar todos os textos das Escrituras que me viessem à mente para basear todas essas afirmações, porém o espaço é curto (e a paciência dos leitores também!) e ainda precisamos concluir o argumento. Nesse sentido, de forma resumida, eu me recuso a crer num ser, ao qual muitas pessoas se atrevem a dar o nome "Deus", que hipoteticamente "...decide ter, por vezes, a Sua vontade frustrada..." para que a "liberdade da vontade humana" (sic) seja "respeitada" - de fato, um ente como esse é mais fraco que um poodle, pois até esses cães branquinhos e peludos fazem valer sua vontade com os donos à revelia do desejo destes - e, por causa dessa recusa, jamais respeitarei qualquer "mestre/escritor/teólogo" que não exalte, em seus escritos e palavras, o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, o Rei soberano acima de todos os "deuses", que "...faz tudo quanto Lhe agrada..." segundo o "...beneplácito de Sua vontade..." [vide Efésios 1, vs. 5, 11 e 17, Salmo 95, vs. 3 e Salmo 115, vs. 3]. 

À parte isso, não apenas a própria Palavra de Deus é "fogo" (conforme escreveu o profeta Jeremias), mas o próprio Deus é "...fogo consumidor...", de tal sorte que todos os que são chamados pelo Seu nome devem ser "...arautos dessa Chama Imperecível..." a fim de que os que a contemplarem creiam nela (e, consequentemente, Nele) e não sejam lançados nas trevas, onde também há "...fogo inextinguível e ranger de dentes..." [e.g., Mateus 3:12b e 13:50b], visto que "...terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo..." [Hebreus 10, vs. 31]. 

Finalmente, além de todas essas questões, celebrar o aniversário do "pontapé inicial" da Reforma Protestante deve nos levar a refletir em mais uma coisa: embora seja correto e justo mencionar os grandes homens e mulheres, anônimos e famosos, que fazem parte dessa história e legado, é mais que indispensável ratificar que o/a "personagem principal" da Reforma não é Lutero, nem Calvino, nem Zwinglio ou qualquer outro que os antecedeu (como valdenses, lolardos e hussitas e/ou sucedeu (puritanos, não-conformistas etc.), mas a Palavra de Deus, uma vez que "...enquanto Lutero dormia ou se confraternizava com seus amigos em Wittemberg, a Palavra enfraqueceu o papado de um modo que nenhum príncipe ou imperador faria... Ele nada fez; a Palavra fez tudo...". Nesse caso, não somente a Bíblia como revelação escrita merece maior honra, mas sobretudo a Palavra Viva, O Verbo Encarnado, de Quem todas as Escrituras testificam e, por isso mesmo, não se poderia (e jamais se poderá) comemorar quaisquer outros "Dias da Reforma" sem que Jesus Cristo, o Redentor de todos os que Nele crêem, seja "...tudo em todos...", recebendo assim toda a glória que somente a Ele é devida. Assim, vale mencionar um último trecho das Escrituras, onde se lê:

"...Isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito por meio do profeta Isaías:
'Eis o meu Servo, a Quem escolhi; o meu Amado, em Quem tenho prazer.
Porei sobre Ele o Meu Espírito, e Ele anunciará justiça às nações.
Não discutirá, nem gritará; ninguém ouvirá a Sua voz nas ruas.
Não esmagará o caniço ferido, nem apagará o pavio fumegante,
Até que faça vencedor o juízo. E em Seu nome as nações porão sua esperança'..." 
[Evangelho segundo Mateus, cap. 12, vs. 17-21]


No contexto dessa passagem, Jesus soube que religiosos fariseus e outros poderosos queriam destruí-Lo (matá-Lo) e, por isso, sai do lugar onde estava. Ao se dirigir para longe dali, muitos O seguiram e Jesus curou os doentes que estavam no meio deles. Nesse contexto, Ele adverte a todos que não contassem nada a Seu respeito de modo mais público e, por isso, Mateus lança mão da profecia de Isaías para mostrar o seu cumprimento no ministério de Jesus. Assim, dentre toda a riqueza presente nesse oráculo, gostaria de destacar apenas uma: o Servo do Senhor mencionado por Isaías - isto é, o Messias - seria um Rei gentil e bondoso, cheio de compaixão e de benignidade para com os fracos e arruinados, de modo que as imagens do "caniço ferido/cana quebrada que não é esmagado(a)" e do "pavio fumegante que não é apagado" são emblemas do "jeito de ser de Jesus" que, embora poderoso e soberano sobre tudo e todos, não abusa de Seu poder com os que estão quebrados (como um caniço rachado) e exaustos (como um pavio sem chamas), mas, ao contrário, "...salva os de espírito abatido..." e "...dá forças ao cansado..." [Salmo 34, vs. 18 e Isaías 40, vs. 29]. 

Por isso, a lição principal desse trecho dos evangelhos é que todos nós, invariavelmente, somos "canas quebradas/caniços feridos" e/ou "pavios fumegantes" de tal modo que, se não fosse a misericórdia do Servo do Senhor - o Salvador Gentil, o Rei Humilde, o Messias de Israel e Esperança dos Povos -, todos nós estaríamos perdidos, pois "se Deus fosse contra nós", não adiantaria possuirmos tudo o mais "ao nosso favor", já que ninguém pode (ou poderia) prevalecer contra Ele. No entanto, para nosso consolo e esperança, a realidade é que "...Deus é por nós..." se nos vemos como Ele diz que somos e, conscientes de nossa própria necessidade e miséria, recorremos apenas a Ele para "...recebermos Dele o que nos falta...". Logo, os que confiam/crêem no Servo do Senhor podem estar certos de que o Seu Redentor é bom - "...perigosíssimo, mas bom...", como o Leão Aslam - e que, por isso mesmo, sempre poderão contar com Seu perdão e benevolência, seja quando se virem angustiados em pecados, seja em razão das demais aflições da vida. 

Por fim, a figura do "pavio fumegante que não se apaga" é muito pertinente para todo este texto, de tal sorte que a "atual fraqueza" - ou mesmo o "quase sumiço" - da "...chama da Palavra de Deus..." em nossos dias não nos deve ser um motivo para desânimo ou, como se diz na Itália, "gettare la spugna" (i.e., "jogar a toalha"), pois Cristo, que disse "...edificarei a Minha igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela..." [Mateus 16, vs. 18b], é Quem conservará esse pavio aceso até o fim e, dessa maneira, é Ele que torna tal chama uma "...Chama Imperecível...". Portanto, que Deus nos envie o Seu Espírito e nos renove a fim de que esse "Fogo Secreto" nunca pare de arder e iluminar e, como fruto disso, andemos por toda a parte (até pelas pontes e montanhas mais inóspitas) para "combater o bom combate", erguendo nossas espadas (ou cajados mágicos!) inflamadas pela verdade e, se for preciso "dar a vida em meio às chamas ou à pólvora", que Ele nos ajude - ora, no fim de tudo, o que está por vir é a ressurreição e, com ela, glória e bem-aventurança eternas


E quanto a você? 

Você é um servo da "chama de Udûn" ou já foi atingido pelo "incêndio das chamas de Anor" - e, assim, passou a ser um "servo do verdadeiro Fogo Secreto e Imperecível"?

Você ainda acredita em "falsários de internet" que, por serem militantes da "falsa religião dos vigários", pervertem a história e fazem de uma "marca de sabonete" um "argumento para se vencer debates sem ter razão" (como dizia Schopenhauer)? Ou, em contrapartida, você "busca a verdade com calma" e, sem birra, consegue discernir o erro do caminho certo?

Além disso, você tem estado atento à "multiplicação da maldade" ao ponto de repudiar o mal tanto "do lado de fora" quanto "do lado de dentro"

Por fim, você reconhece a sua real condição de "caniço quebrado" e, assim, percebe que sua maior necessidade é que o Deus encarnado não te esmague com justa ira mas, em misericórdia, te salve para Ele? No mais, se você teme a Deus e está inquieto e aflito por qualquer razão, já se lembrou de que "...não tem para Quem ir...", visto que "...só Ele tem as palavras de vida eterna..."? 



Pela convicção de ser um "caniço ferido" iluminado pela "Chama Imperecível",



Soli Deo Gloria!