Após alguns meses sem tempo (e, sobretudo, sem qualquer inspiração), estou aqui novamente!
Ora, como dizem os italianos, "chi non muore, si rivede" - ou, em bom português, "quem é vivo sempre aparece"!
Desse modo, visto que eu acredito que a "inspiração" para escrever não tenha chegado até agora - a qual, usualmente, vem apenas quando estou indignado ou furioso -, prefiro não perder mais tempo com palavras dispensáveis e ir ao que realmente interessa (ou não): o texto de hoje. Logo, espero que o resultado final desse esforço seja proveitoso. Sigamos!
Nos últimos meses, tenho estado bastante atarefado com o trabalho de professor de duas disciplinas e de gerenciar um pequeno projeto de empreendedorismo (sem contar demais atribuições pessoais), de forma que este blog pareça ter sido "deixado às traças"... mas não é o caso, como se pode ver! Assim, dentre as várias ocupações deste período, uma delas foi a de estudar mais a fundo "O Senhor dos Anéis", a principal obra de J. R. R. Tolkien, cujo impacto no imaginário de seus leitores e admiradores é quase imensurável. Como resultado, obtive a grata surpresa de perceber as diversas conexões entre certos personagens da trama e Jesus Cristo, destacando-se os aspectos profético, sacerdotal e régio (referente à realeza) - o que, na teologia, é chamado de "Tríplice Ofício de Cristo". Nesse sentido, não poderia haver circunstância mais adequada para este texto do que este mês de outubro de 2024, quando muitos recordarão, mais uma vez, o episódio que mudaria para sempre a Civilização Ocidental (a despeito dos chiliques dos "chatólicos de rede social"): a Reforma Protestante.
Todavia... o que "O Senhor dos Anéis" (uma obra escrita por um devotado católico-romano) teria a ver com a celebração do movimento religioso mais antagônico à religião de seu autor? Além disso, o que faz do momento atual de nossa civilização a ocasião mais auspiciosa para tais (possíveis) correlações? Embora creia estar sendo bastante ousado, pretendo responder a essas perguntas até o final e, de preferência, com muitas doses daquele "santo sarcasmo" que tanto aprecio. Seja Deus, pois, a minha fonte de senso de humor, verdade e perspicácia!
Primeiramente, ao se observar mais de perto os personagens principais de O Senhor dos Anéis (daqui em diante, LoTR - sigla em inglês), gostaria de destacar um deles, conhecido como o "mago mais amado de toda a Terra Média": Mithrandir, ou Gandalf, o Cinzento, ou mesmo "Gandalf, o Cavaleiro Branco", feito "...mais poderoso do que os nove cavaleiros do Senhor do Escuro...". Para quem não conhece bem LoTR, Gandalf é um "Maiar" (e.g., uma estirpe de criaturas muito poderosas, embora tivessem sido criadas para serem servas de Eru Ilúvatar, a "divindade suprema da Terra Média" e do universo em que a saga ocorre). Nesse contexto, Ilúvatar é o "Possuidor do Fogo Imperecível", o "Detentor da Chama de Anor", o/a qual pode ser concedido(a) somente se Eru, o Seu dono, assim o quiser - o que, na história, aconteceu exatamente com o nosso velho mago "...de ira fácil e riso bom...", cujas palavras "...eram sempre sábias e cheias de esperança...".
Nesse ínterim, não se deve deixar de mencionar a emblemática batalha entre Gandalf e o temível Balrog, em Minas Moria, quando o mago cinzento se põe em combate para proteger seus "amigos tolos" da "Sociedade do Anel" até que, no clímax da luta, ele diz:
"...Eu sou servo do Fogo Secreto, portador da Chama de Anor...
O "fogo escuro" não vos servirá, Chama de Udûn...
Volte para a Sombra... VOCÊ NÃO PASSARÁ! (eng., YOU SHALL NOT PASS!)..."
No fim das contas, Gandalf consegue "vencer" o Balrog (mas não totalmente) pois, como que por um "capricho irônico", o terrível dragão enlaça sua cauda nas pernas do mago e, em seguida, a ponte de Khazâd-Dum se parte e ambos caem num abismo para nunca mais serem vistos - pelo menos um deles, uma vez que, algum tempo depois, o outrora "Cinzento" reapareceria como "Gandalf, o Branco", confirmando a vitória da "Chama Imperecível" contra o "Fogo Escuro".
À parte tudo isso, você pode dizer que "as perguntas anteriores ainda continuam sem respostas" - o que é verdade até o momento -, mas tenham paciência! Se ficarem até o final, poderão verificar se as respostas foram satisfatórias ou, ao contrário, terão condições de criticarem o que for preciso! Por isso, não sejam como a maioria dentre nós, que "fazem da ignorância uma fonte de autoridade intelectual" e, por isso mesmo, falam do que não entendem e desprezam o que não são capazes de assimilar por serem exatamente como são: orgulhosos de sua mediocridade.
Feitas essas observações, respondamos à primeira pergunta: que relação haveria entre LoTR e a Reforma Protestante - no tocante aos seus fundamentos e confissão?
Considerando-se que, em textos anteriores, o tema da Reforma Protestante foi abordado sob variados aspectos, não é necessário apresentá-lo de forma mais detalhada, mas tão-somente ressaltar que este movimento possui como marca primordial o retorno à fé apostólica - i.e., à doutrina de Jesus Cristo, confirmada pela Lei e pelos antigos Profetas - em oposição ao "cristianismo à moda papista", no qual as tradições humanas haviam suplantado a Palavra de Deus e, com isso, feito surgir uma espécie de religião que era qualquer coisa, menos cristã. Desse modo, surgem outras perguntas: em que consiste a fé apostólica? Quais são os reais ensinos de Jesus Cristo? Como as Escrituras hebraicas (i.e., o chamado "Antigo Testamento") ratificam essas doutrinas? Como distinguir o que é "...de acordo com a verdade em Jesus..." do que é "...doutrina de demônios..."? Muito embora os questionamentos sejam muitos, há apenas um único caminho seguro para se chegar a todas as respostas almejadas: o testemunho que o próprio Deus dá acerca de Si mesmo, o qual pode ser conhecido 1) na realidade criada, 2) na consciência humana e, acima desses instrumentos, 3) nas Sagradas Escrituras e 4) em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne e que nos faz conhecer a Deus, uma vez que "...quem vê o Filho, vê o Pai..." [João 14, vs. 9].
Nesse sentido, é importante esclarecer que nem a realidade criada nem a consciência são, em última análise, meios totalmente confiáveis ou suficientes para nos conduzirem a um conhecimento seguro de Deus, de tal sorte que uma intervenção especial da parte de Deus em favor de suas criaturas (a saber, os humanos) é absolutamente necessária, a fim de que Ele mesmo, por Sua livre graça, se dê a conhecer aos homens para que estes possam encontrá-Lo.
Por tudo isso, Deus decidiu, ao longo da história e em Sua providência, 1) fazer com que Sua revelação (seja de Suas palavras, seja de Suas obras) fosse escrita - para que o Seu conhecimento fosse claro e acessível a quem pudesse e quisesse ouvir/ver/ler - e, de maneira ainda mais evidente, 2) resolveu assumir a própria natureza humana, por obra do Espirito Santo no ventre de uma jovem virgem judia chamada Maria, cujo "menino" seria chamado "Filho do Altíssimo", a Quem "...seria dado o trono de Davi...", para que um dia "...reinasse para sempre sobre a casa de Jacó/Israel..." num "...reino que jamais teria fim..." [Lucas 1, vs. 32-33]. Em suma, sem as sãs palavras das Sagradas Escrituras (e.g., da Bíblia) e sem Jesus Cristo - de fato, onde falta uma dessas coisas, certamente faltará a outra - ninguém pode conhecer verdadeiramente ao Deus verdadeiro e, consequentemente, toda forma de religião daí decorrente será, na melhor das hipóteses, apenas uma tentativa frustrada de se "achar Deus" como que "tateando no escuro" ou, na pior delas, uma "abominação desoladora", uma "operação do erro", uma "aparência de piedade diabólica".
Portanto, os agentes do que denominamos "Reforma Protestante" possuíam, como objetivo central, o resgate de um cristianismo genuinamente apostólico para o mundo de sua época (em particular, a Europa Ocidental), até então sepultado sob os "entulhos da religião romanista", de modo que todos os seus bons frutos - teológicos, eclesiológicos, sociais, políticos, culturais, intelectuais etc. - são advindos de uma mesma fonte: a ação de Deus por meio da Palavra de Deus, mais especificamente por meio do Evangelho, pelo Qual Deus se revela plena e definitivamente aos homens na pessoa de Seu Filho, enviado ao mundo para salvar os pecadores, o Qual morreu, foi sepultado e ressuscitou dos mortos, tendo subido aos céus até que, no dia determinado, regresse ao mundo a fim de julgar os vivos e os mortos com justiça e equidade. A propósito, vale lembrar que parte dessas últimas linhas são cláusulas do famoso "Credo dos Apóstolos" (e.g., Credo Niceno-Constantinopolitano), símbolo de fé adotado tanto por católicos quanto por protestantes mas que, na prática, parecia esquecido pela "Igreja da História", de forma que um "pastor alemão" precisou "fazer muito barulho" e, assim, "transtornar o mundo".
Consequentemente, estes que "transtornariam o mundo" seriam, fundamentalmente, homens e mulheres (tanto jovens como mais maduros, indoutos e eruditos, pobres ou ricos etc.) que levantariam o "estandarte da Palavra de Deus" por onde quer que andassem - à semelhança dos atletas que levam a tocha/chama olímpica até o local onde o fogo deve queimar do início ao fim dos Jogos - e, por isso mesmo, podem ser descritos como "portadores de um Fogo Imperecível" que, embora tivesse sido "ocultado" ou "escondido" em grande medida, não poderia ser contido indefinidamente (como numa erupção vulcânica).
De fato, tais "labaredas divinas" já estavam chamuscando o solo da Europa (e de muitas partes do mundo antigo, como o norte da África, Oriente Médio e até mais ao leste da Ásia) desde os primeiros séculos, porém a partir da metade do período medieval (sobretudo na chamada "Baixa Idade Média", dos séculos XI-XV) essas "chamas" se tornaram cada vez mais incontidas e se espalharam pelo sudeste da França e norte da Itália (e.g., os Valdenses), chegando às Ilhas Britânicas (com o testemunho de John Wycliffe e seus seguidores, os lolardos) e à Europa Central (com Jan Huss na atual República Tcheca, a partir de quem surgiram os hussitas) até que, após pouco mais de 400 anos, coube à Alemanha ser o palco do "incêndio final", o qual fora possivelmente "profetizado", numa santa ironia, por um dos personagens citados acima enquanto este era martirizado numa fogueira, conforme as seguintes palavras:
"...Hoje vocês assarão um ganso magro,
Mas em cem anos ouvirão um cisne cantar;
Vocês não serão capazes de assá-lo
E nenhuma armadilha ou rede poderá segurá-lo..."
- Palavras atribuídas a Jan Huss enquanto era queimado na fogueira, em 1415, na cidade de Praga
Apesar de tal declaração ser objeto de controvérsia - de um lado, muitos romanistas afirmam que esse episódio é um mito e que o "arqui-herege Huss" nunca disse isso e, de outro, protestantes que viveram 1-2 séculos depois de Huss defendem a probabilidade dessa "profecia" -, uma coisa é verdade: se Huss disse isso, independentemente de ter sido ou não "intencional", ele acabou "acertando", pois 102 anos depois, na cidade de Wittemberg, surgiu um "cisne alemão" que, diferentemente do poder de gelo do Cavaleiro Hyoga, "lançou fogo sobre a Europa" ao ousar colocar sob questionamento diversas práticas e doutrinas da Igreja Romana - se você ainda não sabe, as 95 Teses de Martinho Lutero compunham uma proposta de debate mais acadêmico e não eram, ao contrário do que afirmam os seus caluniadores, uma espécie de "minuta de um golpe eclesiástico". Ora, os brasileiros que possuem ao menos 2 neurônios saudáveis e o mínimo de decência entendem bem que "minutas de golpe" podem ser somente um "conto do vigário" espalhado (ou melhor, "noticiado") para enganar "idiotas úteis" e, no caso das 95 Teses, diversos "contos do vigário" têm sido propagandeados como se fossem "fatos" - na verdade, será que essa não seria uma das especialidades dos pseudointelectuais seguidores da "religião dos vigários"? Seja Deus o juiz entre mim e quem se encaixar nessa provocação, pois assim haverá justiça.
Resumidamente, o erguimento do "Estandarte das Sagradas Escrituras" ao longo de todos os séculos da Era Cristã (especialmente no contexto aqui abordado) foi acompanhado do martírio de seus detentores, muitos dos quais selaram seu testemunho com sangue enquanto "ardiam como tochas" diante de seus carrascos (como o próprio Huss, os bispos ingleses Hugh Latimer e Nicholas Ridley, os huguenotes franceses e até "protestantes italianos" etc.), de modo que vale destacar um breve diálogo entre dois desses "portadores do verdadeiro Fogo Imperecível":
[Ridley]: "...Tenha bom coração, irmão,
Pois Deus amenizará a fúria da chama
Ou, então, nos fortalecerá para suportá-la..."
[Latimer]: "...Tenha bom ânimo, Mestre Ridley,
E faça o papel de um homem;
Acenderemos hoje uma vela, pela graça de Deus, na Inglaterra,
Que espero que jamais seja apagada..."
- Trecho de diálogo entre Nicholas Ridley e Hugh Latimer, enquanto eram martirizados vivos na fogueira em 1555, em Oxford, por ordens da rainha católica Mary, a "sanguinária"
Assim, embora a Inglaterra que sucedeu a Ridley e Latimer tenha sido, de fato, invadida pelas "chamas imperecíveis" da verdade de Deus, hoje a situação é bem diferente - não apenas na Inglaterra, mas em toda a sociedade ocidental - e, por isso, mais do que nunca, é necessário que surjam novos "Gandalfs" entre os que confessam a Jesus Cristo para que, com coragem e firmeza, ajam como "servos da Palavra que é fogo" e, no poder do Espírito (que também é associado ao fogo, por ocasião do Pentecostes), derrotem os "balrogs" que estão assolando a igreja e pervertendo o mundo.
Assim, retomamos a segunda pergunta: o que torna o momento atual de nossa sociedade a melhor ocasião para relacionarmos a Reforma Protestante ao "Fogo Imperecível" de LoTR?
Uma análise simples e atenta de nossa época nos permitirá ver que, com respeito a Deus e Sua vontade revelada, pode-se ousar dizer que, talvez, estejamos em um dos momentos mais decadentes de toda a história, apesar de que, como disse certo rei sábio, "...não é inteligente afirmar que os dias passados foram melhores que os atuais..." [vide Eclesiastes 7:10, parafraseado]. Portanto, partindo-se de um fundamento equilibrado e lúcido, nota-se que a facilidade de acesso à informação e ao conhecimento (o que inclui as Sagradas Escrituras, boa teologia etc.) não tem, necessariamente, se refletido em homens e mulheres mais civilizados e tementes a Deus mas, pelo contrário, a proliferação do mal por toda parte parece paulatinamente irreversível. De fato, o próprio Cristo havia predito que "...por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará...", indicando categoricamente que o mal se espalharia em duas frentes: 1) de modo ativo, através dos que vivem na prática da maldade e 2) de modo passivo, por meio do endurecimento dos corações que, cansados da prevalência da impiedade, acabariam por ser afetados por ela.
Sendo mais direto, pensar nessas coisas me faz, acima de tudo, olhar para mim mesmo e notar que nenhum de nós (começando por este que vos escreve), por mais que tenha conhecimento de Deus e deseje agradá-Lo de forma íntegra, está totalmente imune à "multiplicação da maldade" (especialmente em seu "aspecto passivo"), uma vez que o "mal externo" sempre é uma "extensão do mal interno" e, por isso, quem o pratica está tão-somente demonstrando um pouco de sua natureza, ao passo que quem o vê com reprovação pode, igualmente, ser instigado a tentar "resolver o problema do mal com o mal".
Logo, apenas para dar um exemplo real, quando vemos diariamente hordas de estudantes em países de 1º mundo defendendo publicamente o extermínio de um povo inteiro através do terrorismo (cujo crime é chamado de "resistência") e, aliada a tal imundície, a ação coordenada de autoridades e demais poderosos para a destruição de nações inteiras por meio da "substituição demográfica" (mediante a qual os nativos civilizados são dominados por invasores bárbaros que não desejam nada além do "dinheiro do estado para mantê-los" e "de liberdade para cometer crimes impunemente"), normalmente perguntamos "até quando isso vai durar?" ou nos indignamos (no meu caso, não falta indignação) com a ausência da devida justiça contra tais criminosos e delinquentes. Por tudo isso, o exemplo do velho Mithrandir - que se permitiu ser arrastado pelo Balrog até as chamas de Minas Moria para salvar seus amigos da "Fellowship" (i.e., a "Sociedade/Irmandade do Anel"), enquanto lançava mão do poder do "Fogo de Anor" para derrotá-lo - nos lembra que os "herdeiros da verdadeira Chama Imperecível" (ou "Inextinguível") foram convocados a "...dar lugar à ira de Deus em vez de se vingar..." bem como a "...perder a vida para encontrá-la..." e, nessa jornada de abnegação, devem estar cientes de que seu "testemunho" sempre pode terminar em "martírio" (quem lê, entenda), o qual será recompensado no tempo determinado.
Por outro lado, não é apenas fora dos ambientes e contextos cristãos que a iniquidade tem mostrado a sua cara (e até mesmo se multiplicado) mas, lamentavelmente, os diversos pecados e escândalos existentes na chamada "cristandade", não importando qual o seu matiz/segmento, têm sido mais um dos pretextos usados pelos "inimigos da cruz de Cristo" para que "...o nome de Deus seja blasfemado entre eles..." - e isso "para vergonha nossa".
Nesse sentido, nos últimos dias, dentre todos os maus exemplos que poderia citar, o que mais tem me entristecido (e também enfurecido) é a atitude negligente e (por vezes) leviana de certas pessoas que se declaram/são reconhecidos como "mestres", os quais, embora até ensinem em suas "comunidades locais" ou produzam conteúdo religioso/teológico (livros, sites, canais etc.) para além delas, a) não demonstram o zelo necessário com o dever de transmitir fielmente "...todo o conselho de Deus...", b) falam do que não entendem, enquanto tentam mascarar a própria ignorância ou ainda c) agem de modo intencionalmente corrupto, tratando o "Deus verdadeiro" como se Ele fosse um ente grotesco e desprezível, cuja imagem nada mais é do que o reflexo do que ELES realmente são. Logo, o correto conhecimento do Ser de Deus, ao qual Cristo se referiu como sendo "a vida eterna" [vide João 17:3], é vilipendiado nas palavras e nos escritos daqueles que nem deveriam "ousar falar das palavras divinas" - como dissera Hugo de São Vítor - mas, como afirmara o apóstolo Paulo, precisam "...ser silenciados, visto que ensinam o que não devem...", dos quais se pode dizer com toda a segurança: "...mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos..." [vide Tito 1, vs. 11-12].
Há muitos exemplos que poderiam ser citados para ilustrar esse argumento, mas um só é suficiente: recentemente eu li um artigo por recomendação de um amigo muito estimado (com o qual tenho poucas discordâncias teológicas mais acirradas, mas não tão graves ao ponto de nos "excomungarmos mutuamente") no qual o autor procura, por meio de numerosas citações das Escrituras, provar que o "calvinismo" (nos termos do artigo) exemplifica perfeitamente a afirmação de Jesus aos fariseus, que diz: "...vocês coam um mosquito e engolem um camelo...". Após uma leitura cuidadosa e paciente do texto - na verdade, nem tão paciente assim, para quem me conhece -, o resultado almejado pelo autor (e, provavelmente, por aquele amigo) não foi atingido mas, como já "estava predestinado", eu me tornei ainda mais firme em minhas convicções. Portanto, tendo em vista a recordação da Reforma Protestante durante esse mês e a relevância do "calvinismo" para os desdobramentos dela, é necessário "colocar alguns pingos nos i's" e, assim, mostrar quem de fato tem "coado mosquitos e engolido camelos" com suas falácias e astúcias.
Inicialmente, deve-se ressaltar que, segundo as Escrituras, a salvação de qualquer pessoa vem unicamente de Deus, por Sua graça e mediante a fé em Jesus Cristo, pois "...ao Senhor pertence a salvação..." bem como "...o justo viverá pela fé..." [vide Jonas 2:9b e Romanos 1:17b]. Logo, não é a "precisão teológica" ou a adoção de uma determinada "linha de pensamento doutrinária" que definirá, em última análise, a salvação de alguém, muito embora o zelo pela verdade divina seja um aspecto fundamental da vida de quem teme verdadeiramente a Deus. Portanto, não cabe a nenhum de nós dar um "veredicto de condenação" a ninguém que pense diferente com relação a certos pontos teológicos (incluindo alguns que nos sejam caros) e, dessa forma, o argumento a ser desenvolvido a seguir parte desse princípio: Deus conhece os que são Dele e, por isso, "...cada um Lhe dará contas de si mesmo..." [e.g., Romanos 14:12].
Feito esse esclarecimento, coloquemos os "pingos nos i's": em primeiro lugar, pode-se perceber que ainda existe muita ignorância quanto ao que seja "calvinismo" - normalmente, esse termo é usado para se referir à "crença na predestinação" ou, mais amplamente, nos chamados "5 pontos" ou "Doutrinas da Graça" (o que não é de todo errado, mas bastante reducionista). Na verdade, diferentes correntes teológicas, até fora do protestantismo, crêem na predestinação (como os católicos mais agostinianos e tomistas, por exemplo) e, além disso, os chamados "5 Pontos do Calvinismo" (decorrentes dos Cânones de Dort, documento produzido por um sínodo no séc. XVII nos Países Baixos) são apenas uma parte de todo o seu escopo doutrinal, o qual é muito mais abrangente e perpassa a vida cristã como um todo, de forma integral - mas, por favor, não confundam tal afirmação com a "teologia da missão integral", pois isso seria um sacrilégio tão grande quanto a missa! Por tudo isso, ao se tratar de temas dessa seriedade e importância, quem se intitula mestre e se propõe a ensinar temas teológicos/religiosos deve "...tirar as sandálias dos pés..." e ter noção de que "...o lugar em que se está é terreno santo..." e, tendo essa consciência, encarar tais assuntos com humildade, honestidade intelectual, amabilidade e mansidão - o que é cada vez mais difícil de se encontrar, mas não tanto quanto o pseudo-mundial de clubes daquele time verde da capital paulista.
Em segundo lugar, a leitura do artigo em questão revela seu tom acintoso e soberbo - salientado inclusive por quem o havia recomendado a mim e a outros amigos em comum -, o qual, aliado a sucessivas falhas de interpretação do texto bíblico resultantes de uma busca inglória para "refutar o calvinismo", me levou a reafirmar, com mais veemência que outrora, as velhas convicções igualmente sustentadas por tantos reformadores e respectivos sucessores ao longo da história, a saber:
a) o pecado atingiu o homem em todo o seu ser, de maneira mortal e radical, de forma que com relação a Deus e a Sua salvação, ele é ignorante, incapaz e obstinado em sua rebelião;
b) assim, se Deus não tivesse decidido desde a eternidade, por Sua livre graça e vontade, salvar dentre os homens perdidos em seus pecados um povo para Si mesmo, ninguém seria salvo, de maneira que a salvação não é o "pagamento de uma dívida", mas a "concessão de uma dádiva";
c) logo, para que essa obra de salvação fosse eficiente, eficaz e definitivamente realizada, Deus precisou assumir a nossa natureza e, ao viver a vida que deveríamos viver, morrer a morte que merecíamos morrer, ressuscitar e subir aos céus em glória, obteve eterna redenção a todos os que Lhe pertencem;
d) todavia, para que os benefícios dessa redenção sejam apropriados por nós, pecadores, é preciso que Deus vença a nossa resistência a Ele de tal modo que, quando Ele nos "vence", somos atraídos a Cristo pela ação do Espírito Santo e confiamos tão-somente Nele para nossa salvação;
e) e, por fim, uma vez que Deus Pai, por meio de Cristo e no poder de Seu Espírito, o Deus trino, realiza tamanha obra, ao custo do sangue de Seu Filho e sob o empenho da Sua Palavra, não há possibilidade de que essa redenção seja revogada ou invalidada, mas Deus conserva os Seus filhos seguros, até o fim, para a Sua glória.
Diante disso, eu bem quisera colocar todos os textos das Escrituras que me viessem à mente para basear todas essas afirmações, porém o espaço é curto (e a paciência dos leitores também!) e ainda precisamos concluir o argumento. Nesse sentido, de forma resumida, eu me recuso a crer num ser, ao qual muitas pessoas se atrevem a dar o nome "Deus", que hipoteticamente "...decide ter, por vezes, a Sua vontade frustrada..." para que a "liberdade da vontade humana" (sic) seja "respeitada" - de fato, um ente como esse é mais fraco que um poodle, pois até esses cães branquinhos e peludos fazem valer sua vontade com os donos à revelia do desejo destes - e, por causa dessa recusa, jamais respeitarei qualquer "mestre/escritor/teólogo" que não exalte, em seus escritos e palavras, o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, o Rei soberano acima de todos os "deuses", que "...faz tudo quanto Lhe agrada..." segundo o "...beneplácito de Sua vontade..." [vide Efésios 1, vs. 5, 11 e 17, Salmo 95, vs. 3 e Salmo 115, vs. 3].
À parte isso, não apenas a própria Palavra de Deus é "fogo" (conforme escreveu o profeta Jeremias), mas o próprio Deus é "...fogo consumidor...", de tal sorte que todos os que são chamados pelo Seu nome devem ser "...arautos dessa Chama Imperecível..." a fim de que os que a contemplarem creiam nela (e, consequentemente, Nele) e não sejam lançados nas trevas, onde também há "...fogo inextinguível e ranger de dentes..." [e.g., Mateus 3:12b e 13:50b], visto que "...terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo..." [Hebreus 10, vs. 31].
Finalmente, além de todas essas questões, celebrar o aniversário do "pontapé inicial" da Reforma Protestante deve nos levar a refletir em mais uma coisa: embora seja correto e justo mencionar os grandes homens e mulheres, anônimos e famosos, que fazem parte dessa história e legado, é mais que indispensável ratificar que o/a "personagem principal" da Reforma não é Lutero, nem Calvino, nem Zwinglio ou qualquer outro que os antecedeu (como valdenses, lolardos e hussitas e/ou sucedeu (puritanos, não-conformistas etc.), mas a Palavra de Deus, uma vez que "...enquanto Lutero dormia ou se confraternizava com seus amigos em Wittemberg, a Palavra enfraqueceu o papado de um modo que nenhum príncipe ou imperador faria... Ele nada fez; a Palavra fez tudo...". Nesse caso, não somente a Bíblia como revelação escrita merece maior honra, mas sobretudo a Palavra Viva, O Verbo Encarnado, de Quem todas as Escrituras testificam e, por isso mesmo, não se poderia (e jamais se poderá) comemorar quaisquer outros "Dias da Reforma" sem que Jesus Cristo, o Redentor de todos os que Nele crêem, seja "...tudo em todos...", recebendo assim toda a glória que somente a Ele é devida. Assim, vale mencionar um último trecho das Escrituras, onde se lê:
"...Isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito por meio do profeta Isaías:
'Eis o meu Servo, a Quem escolhi; o meu Amado, em Quem tenho prazer.
Porei sobre Ele o Meu Espírito, e Ele anunciará justiça às nações.
Não discutirá, nem gritará; ninguém ouvirá a Sua voz nas ruas.
Não esmagará o caniço ferido, nem apagará o pavio fumegante,
Até que faça vencedor o juízo. E em Seu nome as nações porão sua esperança'..."
[Evangelho segundo Mateus, cap. 12, vs. 17-21]
No contexto dessa passagem, Jesus soube que religiosos fariseus e outros poderosos queriam destruí-Lo (matá-Lo) e, por isso, sai do lugar onde estava. Ao se dirigir para longe dali, muitos O seguiram e Jesus curou os doentes que estavam no meio deles. Nesse contexto, Ele adverte a todos que não contassem nada a Seu respeito de modo mais público e, por isso, Mateus lança mão da profecia de Isaías para mostrar o seu cumprimento no ministério de Jesus. Assim, dentre toda a riqueza presente nesse oráculo, gostaria de destacar apenas uma: o Servo do Senhor mencionado por Isaías - isto é, o Messias - seria um Rei gentil e bondoso, cheio de compaixão e de benignidade para com os fracos e arruinados, de modo que as imagens do "caniço ferido/cana quebrada que não é esmagado(a)" e do "pavio fumegante que não é apagado" são emblemas do "jeito de ser de Jesus" que, embora poderoso e soberano sobre tudo e todos, não abusa de Seu poder com os que estão quebrados (como um caniço rachado) e exaustos (como um pavio sem chamas), mas, ao contrário, "...salva os de espírito abatido..." e "...dá forças ao cansado..." [Salmo 34, vs. 18 e Isaías 40, vs. 29].
Por isso, a lição principal desse trecho dos evangelhos é que todos nós, invariavelmente, somos "canas quebradas/caniços feridos" e/ou "pavios fumegantes" de tal modo que, se não fosse a misericórdia do Servo do Senhor - o Salvador Gentil, o Rei Humilde, o Messias de Israel e Esperança dos Povos -, todos nós estaríamos perdidos, pois "se Deus fosse contra nós", não adiantaria possuirmos tudo o mais "ao nosso favor", já que ninguém pode (ou poderia) prevalecer contra Ele. No entanto, para nosso consolo e esperança, a realidade é que "...Deus é por nós..." se nos vemos como Ele diz que somos e, conscientes de nossa própria necessidade e miséria, recorremos apenas a Ele para "...recebermos Dele o que nos falta...". Logo, os que confiam/crêem no Servo do Senhor podem estar certos de que o Seu Redentor é bom - "...perigosíssimo, mas bom...", como o Leão Aslam - e que, por isso mesmo, sempre poderão contar com Seu perdão e benevolência, seja quando se virem angustiados em pecados, seja em razão das demais aflições da vida.
Por fim, a figura do "pavio fumegante que não se apaga" é muito pertinente para todo este texto, de tal sorte que a "atual fraqueza" - ou mesmo o "quase sumiço" - da "...chama da Palavra de Deus..." em nossos dias não nos deve ser um motivo para desânimo ou, como se diz na Itália, "gettare la spugna" (i.e., "jogar a toalha"), pois Cristo, que disse "...edificarei a Minha igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela..." [Mateus 16, vs. 18b], é Quem conservará esse pavio aceso até o fim e, dessa maneira, é Ele que torna tal chama uma "...Chama Imperecível...". Portanto, que Deus nos envie o Seu Espírito e nos renove a fim de que esse "Fogo Secreto" nunca pare de arder e iluminar e, como fruto disso, andemos por toda a parte (até pelas pontes e montanhas mais inóspitas) para "combater o bom combate", erguendo nossas espadas (ou cajados mágicos!) inflamadas pela verdade e, se for preciso "dar a vida em meio às chamas ou à pólvora", que Ele nos ajude - ora, no fim de tudo, o que está por vir é a ressurreição e, com ela, glória e bem-aventurança eternas.
Você é um servo da "chama de Udûn" ou já foi atingido pelo "incêndio das chamas de Anor" - e, assim, passou a ser um "servo do verdadeiro Fogo Secreto e Imperecível"?
Você ainda acredita em "falsários de internet" que, por serem militantes da "falsa religião dos vigários", pervertem a história e fazem de uma "marca de sabonete" um "argumento para se vencer debates sem ter razão" (como dizia Schopenhauer)? Ou, em contrapartida, você "busca a verdade com calma" e, sem birra, consegue discernir o erro do caminho certo?
Além disso, você tem estado atento à "multiplicação da maldade" ao ponto de repudiar o mal tanto "do lado de fora" quanto "do lado de dentro"?
Por fim, você reconhece a sua real condição de "caniço quebrado" e, assim, percebe que sua maior necessidade é que o Deus encarnado não te esmague com justa ira mas, em misericórdia, te salve para Ele? No mais, se você teme a Deus e está inquieto e aflito por qualquer razão, já se lembrou de que "...não tem para Quem ir...", visto que "...só Ele tem as palavras de vida eterna..."?
Pela convicção de ser um "caniço ferido" iluminado pela "Chama Imperecível",
Soli Deo Gloria!
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