sábado, 14 de setembro de 2019

The "Love Delusion" and "Les Fleurs du Mal"...

Este é um texto escrito a duras penas.

De fato, em certas situações, tudo o que existe é o caos, a confusão e o desejo de fuga para qualquer lugar a fim de se achar alento - se é que esse tal lugar existe ou qualquer alento possa ser encontrado.  

Todavia, embora o que eu pretenda tratar neste post seja bastante árido e amargo (em muitos sentidos), espero ser hábil o suficiente para lançar algumas sementes de doçura e esperança a cada palavra que for escrita. 

Certa vez alguém disse: "...tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor..." - o que não deixa de ser uma verdade. Contudo, mesmo levando em conta a razoável precisão do poeta, eu me aproprio de algumas célebres palavras registradas no livro de Jó, onde se pode ler:

Bem-aventurado é o homem a quem Deus castiga; não despreze, portanto, a disciplina do Todo-poderoso. 
Pois Ele fere, mas trata do ferido; Ele machuca, mas as Suas mãos curam
[Jó 5, vs. 17-18]

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Dessa maneira, esse será um texto escrito sob a consciência da "ferida de Deus" [ferida que talvez demore em ser sarada], cujas flechas traspassaram a alma e cujas ondas submergiram o barco que outrora navegava seguro rumo ao cais

Agora não há mais barco, nem cais, nem mesmo navegantes

A tempestade é real, o terror e o desespero dominam os tripulantes até então concentrados na peregrinação e no porto almejado e, para completar a tragédia, um "pirata" [que parece não ser afetado pelo mar bravio] se aproveita da situação, saqueia os bens daquela pequena embarcação e os que ali estavam juntos se separam. De repente, um dos navegantes nota que aquela situação parece uma armadilha astutamente arquitetada, pois o seu antigo "companheiro de viagem" entra no navio pirata e se revela seu aliado. Diante disso, é oportuno destacar o episódio em que Jeú assume o trono de Israel ao matar o rei Jorão (e, posteriormente, sua mãe Jezabel), conforme está escrito:

Quando Jorão viu Jeú, perguntou: "Você vem em paz, Jeú?" Jeú respondeu: "Como pode haver paz, enquanto continuam toda a idolatria e as feitiçarias de sua mãe, Jezabel?"
Jorão deu meia-volta e fugiu, gritando para Acazias: "Traição, Acazias!
Então Jeú disparou seu arco com toda a força e atingiu Jorão nas costas. A flecha atravessou-lhe o coração e ele caiu morto. [2 Reis 9, vs. 22-24]

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Embora, nesse texto, Deus estava utilizando Jeú como um instrumento para dar fim à descendência do rei Acabe e para punir severamente a Jezabel - que trouxera ruína a Israel por meio da idolatria e de outros pecados, conforme as palavras do profeta Elias -, é pertinente salientar o aspecto de como o rei Jorão se sente "traído" quando se dá conta de que a vinda de Jeú não era de paz e sim de guerra. Conseqüentemente, o rei Jorão foge para tentar salvar-se, porém inutilmente - uma flecha traspassa o seu coração e ele morre. De maneira figurada, aquele que se enxerga como "traído" morre pouco tempo depois de compreender a sua condição após uma flechada que lhe perfura o coração, assim como alguém que experimenta a deslealdade ou o desprezo pode descrever a dor correspondente a essa experiência. Apesar de escrever dessa maneira, reitero meu desejo sincero de semear esperança e candura neste texto, tanto para o bem dos leitores (caso alguém se interesse na leitura) quanto para o meu próprio bem, visto que "...bom é ter esperança..." bem como que "...tudo aquilo que o homem semear, isso também ceifará...". Seja Deus o meu auxílio. 

O título dado a esse texto é uma combinação de duas referências: a primeira delas é uma alusão ao famoso título "The God Delusion" [traduzido em português por "Deus, um delírio"] do biólogo britânico ateu Richard Dawkins (da Universidade de Oxford) e a segunda é o livro "Les fleurs du mal" [trad. "As flores do mal"], escrito por Charles Baudelaire e que é um marco da poesia simbolista francesa. Isto posto, afirmo que o objetivo do texto não é fazer qualquer análise dos livros citados [uma vez que não os li até esse momento e, por isso, não é sábio ousar opinar sobre o que não se conhece devidamente] mas, lançando mão das idéias gerais expressas em ambas as obras, discorrer sobre o tema já introduzido: a percepção do que posso chamar de "açoite divino", a qual é acompanhada da perda temporária [embora seja quase que irreversível] de qualquer esperança de libertação ou alívio

Inicialmente, queria dar atenção à primeira parte do título - "The Love Delusion", que pode ser traduzido por "A desilusão do amor" ou mesmo "Amor, um delírio". Neste momento, em que estou a escrever este texto, uma convicção parece estar cada vez mais sedimentada e certa em minha mente: o amor é uma ilusão. Sim, é isso que você leu - não é mais razoável acreditar em "amor", em "mensagens de 'eu te amo' com emoticons legais" ou mesmo em declarações que nos fazem acreditar, equivocadamente, que "...nunca seremos deixados para trás..." ou que "...sempre teremos alguém a nosso lado 'fino alla fine'...". Todas essas coisas são passageiras, efêmeras, breves e transitórias, sendo firmes como uma teia de aranha ou, em outros termos, tem "data para vencer" - i.e., quando o prazo de validade de um determinado produto chega, o que se faz é trocar de produto (uma vez que aquele anterior "não serve mais") ou, mesmo que tal prazo não tenha chegado, basta o consumidor desejar ter algo novo, supostamente melhor e que satisfaça seus caprichos e comodidades para que a troca seja feita com a maior facilidade. Um poeta certa vez foi preciso em seus versos temperados de melancolia quando disse:

"Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que o 'pra sempre' sempre acaba?
[Renato Russo, música Por Enquanto, 1984]

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Mas, talvez, você pode estar pensando... Será que isso não é um exagero? 
Como assim "o amor é uma ilusão"? 
Talvez o autor deste blog possa estar deprimido ou está vivendo um dia em que tudo deu errado... Talvez? Será? 

O que está, de fato e de verdade, por trás de palavras tão amargas e severas?

Eis o momento de começar a esclarecer as coisas.

No que se refere ao livro de Dawkins, pode-se deduzir de seu título que o equívoco principal reside no fato de que o autor busca desmoralizar a crença em Deus [algo fundamentalmente metafísico e transcendente, ainda que também tenha um aspecto imanente] com base no naturalismo filosófico e em supostas "evidências científicas" incontestáveis, de tal modo a esconder os seus próprios pressupostos religiosos que, no fim das contas, expressam o seu desejo de que Deus não exista. Ou seja, com a suplantação da religião [mais particularmente, do cristianismo] pelo cientificismo como "novo paradigma de verdade" [ao menos nesse caso, uma vez que, por outro lado, o relativismo quase absoluto ou mesmo o "não-comprometimento intelectual" passam a constituir a nova "hegemonia do imaginário"], é suficiente disfarçar de "conhecimento científico" qualquer convicção filosófica/religiosa ou algum "gosto pessoal" para que surja uma nova "verdade" que não pode ser contestada. Em suma, assim como idéias equivocadas a respeito de Deus nos conduzem, inevitavelmente, ao auto-engano, à ilusão e à insensatez, são as idéias equivocadas a respeito do amor [e de como ele deve ser cultivado e praticado] que igualmente nos arrastam para muitas ilusões e para a loucura. Portanto, sabendo-se que o conhecimento correto e concreto de Deus é conditio sine qua non para se compreender e vivenciar adequada e plenamente todas as demais realidades da existência, é a "desilusão de Deus" [no sentido de "alienação" e "ignorância" em relação a Ele] que está na base de toda má concepção a respeito do amor ou, por assim dizer, de todo tipo de amor que não passa de delírio e nulidade. Qualquer tipo de "amor" que não esteja alicerçado em Deus [que é Amor em si mesmo] e que não reflita as características correspondentes ao Seu amor não merece, definitivamente, nenhuma confiança

Nesse sentido, creio ser sensato afirmar que, desde o surgimento das idéias que emergiram nos movimentos românticos do século XIX (especialmente na literatura, mas também em outras formas de arte e até mesmo na filosofia), a concepção correta do que seja o amor foi se perdendo [ou sendo corrompida] gradativamente até o nosso funesto estado atual, de modo que provavelmente não mais exista nenhum ambiente, contexto social, segmento intelectual ou comunidade religiosa em que esta já não esteja afetada. Por tudo isso, pode-se inferir a partir das obras produzidas por esses românticos [e por todos os que foram e são ainda hoje influenciados pelas suas idéias] que a marca distintiva deste pensamento é a supervalorização dos sentimentos em detrimento da realidade ou a compreensão equivocada ou mesmo doentia de que "tudo precisa fazer sentido" - sentido para um determinado indivíduo, obviamente - e, por isso, a busca desenfreada pelo prazer e auto-satisfação constantes associada à rejeição obstinada de toda e qualquer dor ou atitude de auto-sacrifício tem se tornado uma espécie de "idolatria emocional". Como resultado, temos sacrificado nos altares do "fazer sentido" ou das "relações ideais" não somente experiências enriquecedoras e que nos acrescentam maturidade e virtude mas também as próprias pessoas envolvidas nelas, à semelhança [de modo alegórico, no caso] de tantos cultos pagãos dos tempos bíblicos e que Deus severamente abominou [e abomina], a tal ponto de que povos inteiros que os praticavam foram dizimados por vontade expressa Dele e pelas mãos do povo de Israel, como durante a conquista da Terra Prometida. Queira Deus, em Sua misericórdia, poupar-nos de tal destino

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De fato, o sofrimento em si mesmo não é algo agradável nem digno de apreciação, mas é parte inevitável de nossa realidade [neste caso, um resultado direto do pecado e da subseqüente separação de Deus] e, por isso, não há como escapar dele - assim como não é possível escapar da luz do sol durante o dia num lugar a céu aberto. Logo, na medida em que as gerações dos últimos 2 séculos [e especialmente a minha própria] foram formadas de acordo com esses "novos paradigmas", nos tornamos homens e mulheres cada vez mais ensimesmados, cheios de autopiedade, tendenciosos à manipulação mediante chantagem, ávidos por autopreservação e indolentes para a doação em prol do próximo. Falando mais especificamente aos cristãos [ou aos que assim se declaram], temos nos esquecido de que as relações com os nossos semelhantes são um meio que Deus nos concedeu para que aprendamos a "sair de nós mesmos", uma vez que "o amor deve ser sem hipocrisia" [Romanos 12:9] a fim de que "prefiramos em honra uns aos outros" [Romanos 12:10] e "não atentemos apenas para o que é propriamente nosso, mas também para o que é dos outros" [Filipenses 2:4], visto que "nisto conhecemos o amor: Jesus Cristo deu a Sua vida por nós e nós devemos dar a vida pelos irmãos" [1 João 3:16].

Por outro lado, no tocante à obra de Baudelaire mencionada, me recordo de uma canção com o mesmo título cuja idéia central é relatar a brevidade das relações [neste caso, relações amorosas] devido a fatores como dissimulação, traição e mesmo mentiras, de sorte que o compositor até ousa dizer que a "indecência alheia não tem mais serventia" e que "tal pessoa ficou para trás" com "seu perfume barato e truques banais". O teor despudorado e sarcástico desses trechos [provavelmente também presente na obra original] demonstra claramente a extensão do estrago que tais comportamentos e traços de caráter podem causar, por exemplo, num namoro ou casamento. Ou seja, considerando que a literatura e a arte, de certo modo, tanto refletem as nossas experiências reais de vida como nos ajudam a compreender e assimilar essas mesmas experiências através da memória e da imaginação, muitos de nós talvez já ouvimos histórias semelhantes às da música ou mesmo as vivenciamos. Logo, quanto àqueles que, factualmente, "cultivaram 'flores do mal' em seus respectivos jardins" - as quais, em algum momento, os feriram com seus espinhos ou lhes inocularam algum tipo de veneno -, o que muitas vezes lhes resta [ou restará] é a dor intermitente de feridas que parecem incuráveis e a consciência (ou pavor) de que a sua vida será irremediavelmente solitária. Todavia, quanto a mim, faço coro com a seguinte citação de As Crônicas de Nárnia:

"Homens como eu, conhecedores da sabedoria oculta, 
Não estão presos a essas regras vulgares... do mesmo modo como estamos distanciados dos prazeres vulgares.
Nosso destino, meu filho, é solitário, mas está acima de tudo". 
[André Ketterley ou "Tio André", personagem de O Sobrinho do Mago]

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Apesar de não me recordar exatamente em qual contexto específico a frase acima pode ser encontrada, a sua idéia central me remonta a uma das minhas partes favoritas da crônica "A Viagem do Peregrino da Alvorada" [cujo enredo se passa ao longo de uma viagem em alto mar através de ilhas, tempestades e diversos perigos (como tesouros encantados e a temida "Serpente do Mar"), em que Ripchip (vide imagem acima), após o fim da travessia e a chegada do navio em terra firmedemonstra grande bravura e um desejo resoluto de abandonar tudo para ir ao "País de Aslam" - ainda que sozinho. Isto é, talvez esse curioso personagem (embora seja um rato e não um homem), dadas as características acima, "não estivesse preso a regras nem a prazeres vulgares" bem como possuísse um "destino solitário" que estava "acima de tudo", uma vez que nada mais lhe importava exceto seguir seu caminho "rumo às terras de além-mar"

Portanto, lançando mão da máxima de que "a vida imita a arte", o exemplo de Ripchip ensina que a consciência de um propósito superior ou um destino mais excelente deve produzir em nós uma disposição em renunciar tudo o que for de menor valor (até mesmo coisas lícitas, se necessário) para que tal destino ou propósito seja alcançado. Ripchip poderia ter escolhido ficar com seus parceiros de peregrinação e/ou voltar para Nárnia, todavia ele queria estar junto ao "Imperador d'Além-mar" - embora soubesse que fosse uma decisão de uma vez para sempre e que não lhe permitiria "olhar para trás". Do mesmo modo, acredito que [falo aos cristãos, mais especificamente, ainda que valha para qualquer pessoa] a vida real pode nos reservar [ou sempre nos reserva] situações semelhantes, nas quais o certo a se fazer é, nas palavras do apóstolo Paulo, "ter por perda todas as coisas para poder ganhar a Cristo" [Filipenses 3:8] ou, como disse o próprio Jesus, "...perder a própria vida por amor Dele para salvá-la..." [Lucas 9:24]. Ou seja, se Cristo é o Filho de Deus e Salvador, sendo o próprio Deus encarnado [João 1:14], denominado de "imagem do Deus invisível" [Colossenses 1:15] e "expressão exata do Ser divino" [Hebreus 1:3], ninguém nem nada deve ser prioridade em Seu lugar, de tal sorte que Ele é digno de que toda criatura reconheça a Sua excelência e, na medida em que esta criatura se percebe atribuindo seu amor e adoração a algo que não seja Ele mesmo, ela possa enfim abandonar seus ídolos - quaisquer que sejam - a fim de adorar somente o Deus verdadeiro

No entanto, alguns questionamentos ainda permanecem.

Ora, qual seria a relação disso tudo com a "desilusão do amor" anteriormente abordada? 
Será que haveria algo em comum entre C. S. Lewis com "As Crônicas de Nárnia" e Charles Baudelaire com suas "flores do mal"?

É o que pretendo tentar descobrir e conseguir escrever nas poucas linhas restantes. 

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Uma observação mais atenta ao tema central desse texto conduzirá à conclusão inevitável de que tanto as "desilusões do amor" como o "cultivo das flores do mal" são "afluentes de um mesmo rio" ou "torrentes de uma mesma fonte": o pecado. Nesta situação, porém, tanto os "amantes iludidos" como os que os iludem [ou tanto as "flores do mal" quanto aqueles que as plantam ou colhem] possuem essa fonte dentro de si mesmos, de modo que, em última análise, as desilusões e os males dela decorrentes nunca são unilaterais. A despeito da absoluta impopularidade dessa verdade, o pecado é, talvez, a realidade mais inegável da existência humana e, por isso, todos os humanos (e, conseqüentemente, todo o cosmos) estão radicalmente contaminados por ele, de maneira que nossa vontade, intelecto, afeições e até nosso próprio corpo sofrem as terríveis conseqüências desse mal hediondo - ora, todos os dias pessoas morrem e, portanto, nada mais é necessário para mostrar a vileza e malignidade do que Deus, pelas Sagradas Escrituras, define como pecado. Nesse sentido, está escrito que "...o aguilhão da morte é o pecado..." [1 Coríntios 15:56], passagem que descreve a morte como um "escorpião letal" que usa o pecado para aplicar o seu "veneno mortífero" e, assim, matar a sua presa. Isto é, assim como um escorpião não pode causar dano algum sem usar o seu aguilhão, a morte não poderia existir de fato sem a presença do pecado - logo, se o pior de todos os nossos inimigos só exerce o seu poder através do pecado, todos os demais infortúnios e sofrimentos "dessa vida de vaidade debaixo do sol" [nas palavras do sábio Salomão] também são resultados dele. Diante disso, creio serem oportunas as palavras do teólogo britânico Matthew Henry:

Quando os homens começam a se queixar mais de seus pecados do que de suas aflições, começa a surgir alguma esperança para eles. [Matthew Henry, pastor puritano]

A esse respeito, vale mencionar um trecho bíblico que provavelmente é o mais oportuno para o nosso texto, no qual se lê:

Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo; todos armam ciladas de sangue; cada um caça a seu irmão com a rede.
As suas mãos fazem diligentemente o mal; assim demanda o príncipe, e o juiz julga pela recompensa, e o grande fala da corrupção de sua alma, e assim todos eles tecem o mal.
O melhor deles é como um espinho; o mais reto é pior do que a sebe de espinhos. [...]
Não creiam no amigo, nem confiem no seu guia; daquela que repousa em teu peito, guarda as portas de tua boca.
Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, e os inimigos do homem são os da sua própria casa.
Eu, porém, olharei para o Senhor; esperarei no Deus da minha salvação; o meu Deus me ouvirá. [Miquéias 7, vs. 2-4a, 5-7] 

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No trecho bíblico acima, o quadro descrito pelo profeta é de absoluta impiedade, desolação, perversidade e ruína, pois é dito que "os piedosos desapareceram da terra" de sorte que os homens que restam vivem para "armar ciladas de sangue" e para "fazer diligentemente o mal". Além disso, lemos que, de modo figurado, o melhor dentre eles "é como um espinho" e o mais justo "é pior do que uma cerca de espinhos". Finalmente, como que num "golpe de misericórdia", o profeta ousa dizer que o amigo não mais é digno de confiança e nem mesmo aquele(a) que recosta a cabeça em nosso peito e, portanto, a conclusão aterradora é a de que "os inimigos do homem são os de sua própria casa". De fato, embora esta mensagem deva ser diretamente aplicada ao respectivo público-alvo, pode-se comprovar que os mesmos elementos de maldade e destruição têm perdurado na história humana até os dias atuais - quem ousaria negar isso? -, de maneira tal que, se nos determos tão-somente nas amarguras e males a nosso redor, nos tornaremos tão amargos e maus quanto os próprios infortúnios que nos sobrevêm. Contra todo esse terrível diagnóstico, o profeta diz, com uma confiança surpreendente, que ele "olhará para o Senhor" e "esperará no Deus da sua salvação", pois sabe que "o seu Deus o ouvirá". 

Portanto, ainda que o profeta pudesse olhar para si mesmo e julgar que seus pensamentos, desejos, palavras e ações eram diferentes das que ele estava denunciando, a sua confiança não estava, em última instância, nele mesmo ou em sua suposta "inocência" ou "direito de justiça", mas unicamente no "Deus de sua salvação". Ora, ao se referir a Deus como o "Deus da salvação", está implícito que o próprio profeta se via como completamente perdido à parte da compaixão divina e, por isso, ele confessa que sua esperança estaria em Deus, no Deus que salva. Quanto a mim, dado o que já foi exposto até aqui, eu reconheço que, muitas vezes, tenho sido tentado a ser consumido pela sede de "vindicação da justiça devida" ou pelo "direito de retribuição" e, como resultado, talvez possa agir ou falar com aspereza e amargor para com o meu próximo - contudo, embora esse não seja um texto em forma de oração, eu suplico a Deus, o Deus de minha salvação [i.e., que me salva de mim mesmo para Si mesmo], que não leve em conta as minhas ocasionais palavras torpes e repletas de acidez, ou mesmo as minhas ações e pensamentos desprovidos de amor e candura e, acima de tudo, que Ele se agrade de limpar o meu coração com o sangue de Seu Filho Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, pois, assim, não haverá nenhum pecado (por mais horrível que seja) que permanecerá sem ser tirado de dentro de mim. Que bendita consolação!

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Semelhantemente, se é certo que "sempre haverá mais misericórdia em Cristo do que pecado em nós" - nas palavras do puritano Richard Sibbes -, Ele também pode perdoar e purificar aqueles que nos ofenderam e feriram severamente de forma que, se Cristo os perdoa livremente e não lhes imputa esses pecados [quando devidamente confessados e em sincero arrependimento], quem sou eu [ou quem somos nós] para não fazer o mesmo? Quão diferente eu sou [ou nós somos] de Cristo! Enquanto o Único Santo - e que, por isso mesmo, é também o único que teria [e tem] o direito de não perdoar um só pecado - é benevolente e cheio de longanimidade, nós [que não temos direito algum sobre nada nem mesmo sobre o nosso próximo] pensamos ter prerrogativas para exigir do outro a "reparação dos danos causados" quando, ao mesmo tempo, nos esquecemos de que Deus nos poupa constantemente dos ultrajes que praticamos contra Ele. Ora, se Deus deixasse de me tratar de modo longânimo e paciente, antes mesmo de eu terminar essa frase eu já teria sido incinerado pela Sua ira feroz e ardente - contudo, eu ainda estou escrevendo porque Ele continua a ser benevolente e gracioso. 

Portanto, nós precisamos entender que, se professamos o nome do Senhor, devemos "nos apartar da iniquidade" [2 Timóteo 2, vs. 19b] - seja das que são cometidas fora de nós e, especialmente, daquelas que abrigamos em nosso coração - pois, "se o Senhor observar as iniqüidades, quem poderá escapar?" [Salmo 130, vs. 3]. Além disso, uma vez que, pelo exemplo do salmista, sabemos que "se abrigarmos iniquidade no coração, Deus não nos ouvirá" [Salmo 66, vs. 18], também temos de Deus o imperativo de nos desvencilhar "do pecado que tão de perto nos rodeia" [Hebreus 12, vs. 1] e, aguardando somente no "Deus de nossa salvação", buscarmos a Ele em oração no meio de nossas aflições e angústias a fim de que Ele "não afaste de nós a sua misericórdia" [Salmo 66, vs. 20]. Portanto, embora possamos ser assolados por pensamentos de que "pusemos a perder" coisas preciosas que, provavelmente, jamais serão recuperadas [daí a ênfase num tipo de "dor sem fim" ao longo de todo o texto], eu ainda tenho fé e digo com confiança as mesmas palavras do profeta já citado:

"...Ainda que eu tenha caído, eu tornarei a me levantar; se morar nas trevas, o Senhor será a minha luz. [...] Ele me levará para a luz, e eu verei a Sua justiça.
Quem é semelhante a Ti, ó Deus, que perdoas a iniquidade e Te esqueces da transgressão do remanescente da Tua herança? O Senhor não retém a Sua ira para sempre, porque tem prazer na benignidade.
Ele voltará a ter compaixão de nós; pisará aos pés as nossas iniqüidades e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar.
Mostrará a Jacó a fidelidade e a Abraão, a misericórdia, as quais juraste aos nossos pais, desde os dias antigos..." [Miquéias 7, vs. 8b, 9b e 18-20]

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A última passagem bíblica mencionada é a continuidade do que fora exposto nos parágrafos anteriores, de modo que a convicção por parte do profeta de que "ele tornará a se levantar, mesmo que tenha caído" bem como de que "mesmo em meio às trevas, o próprio Deus será a sua luz" está baseada no fato de que ele poderia esperar em Deus porque Ele o ouviria. Do mesmo modo, qualquer um que teme verdadeiramente a Deus e que se sente aflito [e não somente eu] pode ter a mesma confiança, pois "não há Deus semelhante a Ele, que nos perdoa as iniqüidades e se esquece das nossas rebeliões", sendo gracioso a tal ponto que "não retém a Sua ira para sempre, pois tem prazer na misericórdia". Será que já paramos algum tempo para meditar nestas palavras? Deus, o Criador e Sustentador do Universo, Deus santo, justo, soberano, que olha para a terra e 'vê a seus habitantes como gafanhotos" e "as nações como uma gota de um balde e uma nulidade", não permanece irado para sempre para com os que Nele crêem porque tem prazer em demostrar amor - Ele não apenas é amor, mas se compraz em concedê-Lo. 

O que pode ser mais consolador para a alma que se percebe desamparada? 
O que mais poderia fortalecer aquele que está tão cansado que até vê a si mesmo como um fardo?
Qual esperança poderia ser mais viva para o coração afligido pelos próprios pecados [especialmente os pecados cometidos contra quem se ama verdadeiramente]? 

Entretanto, não é somente isto.

No mesmo texto, ainda se lê que Deus "tornará a ter piedade de nós", "colocará debaixo de Seus santos pés as nossas iniqüidades" e "lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar". Todos os pecados! Todos! Todos os pecados que foram cometidos contra nós e, principalmente, todos os que nós cometemos [se pusermos nossa fé Nele como nosso Redentor] contra os outros [inclusive contra quem mais amamos e que, por nossa maldade, se afastaram de nós e hoje talvez nos tenham repulsa] são por Ele lançados nas profundezas do mar - de onde jamais sairão. Eu creio, ó Deus, que o Teu amor cobre todas as transgressões e, por isso, eis-me aqui com todos os meus vis e abomináveis pecados! Se nos purificares, certamente ficaremos puros e, se derrubares as muralhas que nos separam uns dos outros, "viveremos em paz até com os nossos inimigos" [Provérbios 16, vs. 7]. Ainda que muitas coisas estejam destruídas, ó Senhor, não há nada arruinado que Tu não possas reedificar nem deteriorado que Tu não possas restaurar e, por isso, podemos invocar a Ti e, por amor de Teu nome, podemos crer que Tu nos ouvirás e nos "mostrarás fidelidade e misericórdia, como nos dias antigos". Mesmo sem luz nenhuma, podemos confiar em Ti e andar na Tua Luz, pois esta "resplandece nas trevas e as trevas não podem suplantá-la" [João 1, vs. 5].

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Diferentemente do que normalmente faço, queria concluir com algumas palavras de pacificação.

Primeiramente, se eu pequei contra Deus no modo e no conteúdo em algum lugar desse texto, que Ele não me impute esse pecado.

Em seguida, apesar de reconhecer que esse seria um texto árido e amargo, no mais íntimo de mim eu espero que as palavras ásperas possam ser esquecidas e indulgenciadas frente ao meu sincero desejo de não me render às tentações da amargura para ser como Cristo, que é "manso e humilde de coração" [Mateus 11, vs. 29].

Além disso, se algum leitor se enxergou no que eu escrevi, desejo a você que Deus também possa ajudá-lo a se livrar das raízes de amargura e de ressentimento, pois "Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes" [Tiago 4, vs. 6].

Finalmente, eu faço das seguintes palavras da música "Jardim - Canção de Oséias" de Os Arrais a minha consolação:

"...Eu cumpro a minha parte na Aliança
Não existe mais distância
No deserto onde estavas nascerá um Jardim
E a graça que te trouxe
Manterá você fiel a Mim..." [Os Arrais]

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Oro para que, no deserto onde muitas "ervas daninhas amargas" ou "flores do mal" foram cultivadas ou brotaram, Deus faça nascer um jardim com incontáveis orquídeas e lírios, cuja beleza apague da memória o horror do presente e confira eterna doçura ao futuro




Pela esperança que nunca nos decepciona,




Soli Deo Gloria!