quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Blowin' in the winter...

Passados quase dois meses, estou de volta.

Seja pela falta de inspiração ou pelas responsabilidades do dia-a-dia (que foram em maior número nessas últimas semanas, devido à elaboração de um novo artigo de meu doutorado e com algumas aulas de línguas estrangeiras em parceria com amigos), faltou-me tempo para vir aqui. Todavia, creio que agora tenho muitos motivos para escrever e, como normalmente acontece, o texto deverá ser uma combinação de intensa indignação [e até mesmo fúria] com uma serena esperança – nesse caso, a Grande e Única Esperança que, em verdade, nunca morre.

Sigamos em frente e que, mais uma vez, as próximas linhas não sejam inúteis.

O tema desse texto será desenvolvido a partir de uma famosa canção do artista norte-americano Robert Allen Zimmerman (ou Bob Dylan) chamada “Blowin’ in the wind" (que traduzido significa “Soprando no/ao vento”) e terá como fio condutor o Natal e seu real significado - uma vez que, daqui há poucos dias, será 25 de dezembro. Por outro lado, pretendo incluir ao longo desta postagem certas situações particulares deste ano de 2020 que merecem uma atenção urgente e séria, a fim de que aqueles que se derem conta delas saiam de sua posição de apatia e reajam enquanto ainda é possível – sem perder, porém, a confiança de que, mesmo que não haja mais soluções factíveis para as realidades que irei expor, pode-se [e deve-se] “crer contra a esperança” ou, de outra maneira, “crer em face da ausência dela”.

Entretanto, antes de começar a falar propriamente do tema do texto, é importante antecipar que a abordagem não deverá ser feita lançando-se mão de todos os versos da música citada, mas a partir da relação de trechos específicos da letra com os tópicos fundamentais do texto – i.e., o ano de 2020 com seus absurdos totalitários e incontáveis crimes à luz da realidade do Natal e do que ele nos revela, a saber, o Advento de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Não existe Natal sem Ele - o nascido da virgem Maria na plenitude dos tempos, enviado ao mundo para salvar os pecadores, ressuscitado dos mortos ao terceiro dia e recebido nos céus até que, nalgum dia futuro (o qual é cada vez mais iminente), se cumpra o segundo Advento e, assim, nas palavras do profeta Isaías, Ele “...trague a morte para sempre e enxugue as lágrimas de todos os rostos...” [Isaías 25, vs. 8] para que, enfim, se diga: “...eis que este é o nosso Deus, em quem esperávamos; Ele nos salvará...” [Isaías 25, vs. 9].

Em primeiro lugar, quando se pensa em alguma coisa que está “soprando ao vento” ou “se espalhando pelo vento", a primeira imagem que nos vem à mente é de fugacidade ou transitoriedade (i.e., algo que nos escapa ao olhar e/ou pelas mãos) bem como de velocidade e intensidade (no caso de um vendaval, um ciclone ou um furacão). Tendo isso em mente, aquilo que “sopra ao vento” ou é “levado pelo vento” pode ser disperso por toda a parte em poucos instantes, removido com facilidade de seu estado inicial ou anterior e até mesmo destruído de forma irreversível (se, parafraseando outra canção, o “vento for levando tudo embora”) - a não ser que se refaça/restaure posteriormente o que fora perdido. Portanto, sabendo-se que tais imagens evocam as realidades da efemeridade e da finitude, seria razoável utilizá-las para se falar de uma “Grande Esperança” que não acaba? Não há melhor forma de responder senão apropriar-me de uma expressão cara aos cristãos pentecostais: “é mistério”! De fato, espero revelar esse “mistério” a todos os que, pacientemente, continuarem lendo até o fim. 

A fim de começar a desvelar esse enigma, pode-se dizer que o ano de 2020 tem sido, em muitos sentidos, marcado por algo do tipo que também está "soprando ou se espalhando pelo vento" – isto é, o SARS-CoV2 (causador da assim chamada COVID-19) ou, mais apropriadamente, o vírus (do Partido Comunista) chinês. A esse respeito, em particular, parece-me que mais de uma dentre as características citadas no parágrafo anterior podem ser simultaneamente observadas, seja a sua propagação “pandêmica” [considerando-se que os dados constantemente divulgados pelos veículos da grande mídia referentes à infecção pelo vírus sejam verdadeiros, ainda que tal narrativa já esteja sendo questionada de forma séria e contundente, dado os altos percentuais de ‘falsos positivos’ relacionados aos testes via PCR], seja o seu poder destrutivo. Não me refiro propriamente à sua letalidade real, a qual é consideravelmente baixa [p.ex., no Brasil, esta tem sido inferior a 3%, sem considerar os ‘falsos positivos’ nem as inúmeras adulterações de causa mortis a fim de se inflar os dados de supostos mortos pela doença] mas, sobretudo, aos efeitos de manipulação comportamental, histeria sanitária, ignorância generalizada mascarada(!) pela 'credibilidade científica' e, mais gravemente, a diversos danos psicológicos, depressão, aumento de casos de suicídio, desemprego, miséria e um totalitarismo global de fazer inveja a todos os maiores e mais cruéis imperadores do passado bem como a figuras da estirpe de Josef Stalin ou Mao Tse Tung e, até mesmo, ao próprio satanás - que talvez esteja aprendendo, como "nunca antes na história deste planeta", a por em prática novas maneiras de ser maligno sob o disfarce da busca do “bem da humanidade”. 


Não obstante a seriedade do que foi mencionado acima, eu estou certo de que há uma questão ainda mais delicada (para dizer o mínimo) e sutil em todo o decurso desses acontecimentos. Tal questão se refere à remodelagem gradativa e crescente do imaginário humano, em especial nos países ocidentais de raízes judaico-cristãs, de um paradigma central para toda a realidade histórica: a substituição do nascimento de Cristo (i.e., do Advento) como o marco divisor da cronologia da história humana por outros construtos ou símbolos. Nesse ínterim, pode-se citar o uso cada vez mais recorrente da expressão “Era Comum” em lugar de “Era Cristã” na literatura e em materiais didáticos bem como (a partir desse ano) de sentenças do tipo “o mundo pós-pandemia”, “a vida antes e depois da COVID” ou ainda o "decálogo da COVID-19" etc., as quais passaram a ser amplamente empregadas como instrumentos de guerra semântica, cujo objetivo não é outro senão a usurpação sorrateira de um dos símbolos mais fundamentais do legado cristão para a sociedade humana – e.g., o fato de que o “ponto de inflexão” da história se deu com a Encarnação do Verbo, descido do céu para “se fazer carne e habitar entre nós”, de tal modo que devemos nos lembrar que a realidade e a nossa existência não dizem respeito, em última análise, a nós nem ao que fazemos, mas sim a Ele e ao que Ele fez

Em todo esse contexto de "ressignificação simbólica" e "uniformização do pensamento", nenhum segmento social escapa de seus efeitos - incluindo os cristãos, que em tese reconhecem o natalício de Jesus como um dos episódios principais da história (juntamente com Sua morte, Sua ressurreição e ascensão). Não obstante isso, infelizmente eu tenho presenciado muitos de dentro da comunidade cristã, em todas as partes, assimilarem "falácias linguísticas" ou "conceitos inócuos" semelhantes aos anteriores sem nem ao menos notarem os resultados dessa assimilação em sua maneira de entender o mundo no qual estão, de modo que sua imaginação moral, seu discernimento dos comportamentos humanos no decorrer do tempo e até mesmo sua teologia também são afetados. Ora, se a linguagem que usamos para descrever e apreender os diferentes aspectos da realidade e da vida é um compêndio de sofismas e de falsificações, nossa tendência será de formar a nossa visão do mundo (e, conseqüentemente, de Deus e de tudo o que é religioso) sob bases falaciosas e/ou fraudulentas. Logo, se as concepções que adotamos a respeito do que constitui a vida e as relações humanas/sociais (bem como nossa imagem de Deus e da espiritualidade/religião) não são igualmente verdadeiras e fidedignas, tudo o mais estará comprometido

Dessa maneira, quando um cristão não vê problema algum em acreditar que, depois de 2020, a realidade possa ser descrita em termos de "A.C./D.C." (e.g., "antes da COVID/depois da COVID", em vez de continuar sendo entendida como "antes e depois de Cristo") ou passa a absorver todo a aparato da propaganda massificada e manipuladora presente em todos os lugares (jornais, redes sociais, outdoors, comerciais etc.) sob o guarda-chuva da "ciência" e da biopolítica, ele precisa ser despertado de seu estado de letargia intelectual e espiritual para que perceba a extensão da ignorância à qual está sendo submetido. Nesse processo, será necessário estar pronto para desenvolver a autoconsciência de sua condição de miséria e estupidez, pois somente os que possuem a real compreensão do que sabem, do que não sabem e, especialmente, de que "ainda não sabem como convém saber", estão aptos a adquirir uma sabedoria verdadeira.

Por outro lado, em virtude desse tal vírus chinês (do qual já se tem notícia de ao menos uma nova cepa que pode ser supostamente mais contagiosa que a primeira variante, ainda que não se possa afirmar nada a respeito), “soprado pelo vento” há cerca de 1 ano desde os primeiros casos na China, nem mesmo o Natal conseguiu se desvencilhar do "cancelamento" orquestrado pelos detentores do poder – tudo, é claro, em nome da “saúde pública”, da “segurança sanitária” e, acima de tudo (e todos), da “ciência”. As populações de várias cidades em diversos países ocidentais, onde as medidas de engenharia e controle social (i.e., de “contenção do contágio”) vêm sendo aplicadas com mais rigor e de modo mais "eficaz" – leia-se ditatorial (ou “ditadorial”, caso prefiram) -, estão se vendo obrigadas, através de um “terrorismo higienista” nunca visto, a abrir mão de celebrar com suas famílias e entre amigos um dos momentos mais significativos da história (e do próprio universo) para que, hipoteticamente, não morram em frente à mesa da Ceia ou, numa situação ainda pior, transmitam o vírus para os avós e se transformem em “assassinos”. Ora, nada poderia ser mais eficaz para controlar o ser humano de modo ilimitado e irrestrito do que explorar o seu “medo da morte” – seja a sua própria, seja a dos que lhe são caros e amados -, especialmente quando se pode colocar o peso da culpa. 

Entretanto, já se tem demonstrado, por meio de diferentes pesquisas científicas sérias, que a taxa de sobrevivência dos que foram infectados pelo vírus é, em todas as faixas etárias (incluindo os famigerados “grupos de risco”), superior a 94% (no mínimo) juntamente com a eficácia de diferentes tipos de tratamento precoce (profilático ou terapêutico), a exemplo do protocolo HCQ/AZYT/Zn/IVM do Dr. Vladmir Zelenko nos EUA e do uso do plasma hiper-imune na Itália. Desse modo, por que permitiríamos que o que talvez possa ser o único momento de alegria desse ano sombrio seja roubado por pessoas perversas que não se saciarão até que tenham se fartado com o máximo de sangue inocente possível - embora ainda alardeiem que são os verdadeiros “salvadores do mundo”? Será que nossa inteligência e nossa alma já estão tão irremediavelmente corrompidas e apáticas ao ponto de rejeitarmos Aquele que “veio em nome de Seu Pai” para aceitarmos a qualquer que “venha até nós em seu próprio nome" - o que não é outra coisa senão trocar o Cristo verdadeiro por algum “anticristo”? 

De fato, eu temo que, assim como fez Esaú diante de Jacó ao trocar o seu direito de primogenitura (e as bênçãos dele decorrentes) por um guisado de lentilhas, muitos de nós (em particular, os cristãos) sejamos profanos e imorais ao ponto de sacrificarmos a recordação concreta do nascimento de Cristo [e tudo o que ele significa para nós e para a realidade cósmica] em troca de nossas "lentilhas" de proteção sanitária e de "crédito social" - não exatamente o sistema de controle feito pelo regime comunista chinês, mas sim aquela "aura de intelectualidade" pela qual se evita dar a cara a bater em meio a gritos ensandecidos de "negacionista, revoltado antivax, obscurantista, terraplanista e astrólogo ad hitlerum". Ou seja, à semelhança dos membros do Sinédrio dos dias de Jesus que, embora cressem Nele, "amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus" e não confessavam sua fé publicamente, temos sido uma grande massa de covardes medrosinhos, com nossos frascos de álcool em gel na mochila, limpando tudo a todo momento e usando uma focinheira (vulgo máscara) acompanhada, muitas vezes, de um ridículo escudo facial de plástico em todos os lugares em que andamos (inclusive na praia!) até que, ao contrário do que lemos nas obras de C. S. Lewis, não tenhamos mais rostos - e nem alma.


Na contramão dessa paranóia coletiva, é mais que oportuno citar um dos episódios mais curiosos e emblemáticos do século XX: a “Trégua de Natal de 1914”, ocorrida no meio da I Guerra Mundial, promovida por soldados dos exércitos britânico e alemão [incluindo talvez soldados franceses]. A guerra havia começado, os diferentes combatentes estavam nas trincheiras e nos campos de batalha e, assim, a Europa passava a ser palco do maior conflito da história até então – cujo terrível saldo foi de alguns milhões de mortos. Nesse contexto, promulgou-se uma espécie de “trégua” por parte do papa da época, a qual deveria acontecer pelo menos na “noite em que os anjos cantaram” . Na véspera do dia 25 de dezembro de 1914, alguns soldados alemães começaram a se reunir para passar um tempo juntos cantando e, do lado britânico, o líder do exército ergue um bandeira escrito "Merry Christmas" para que os alemães a vissem, cuja resposta foi com outra bandeira que exibia a frase "Thank You!"... Desse modo, o que parecia improvável aconteceu: os líderes de ambos os exércitos se encontraram enquanto os demais olhavam através das trincheiras num clima tenso e, no fim das contas, os soldados britânicos e alemães se uniram, celebraram o Natal e até fizeram uma barbearia improvisada para cuidar uns dos outros. Assim, pôde-se comprovar que nem mesmo a guerra foi capaz de impedir que, naquele Natal de 1914, homens de lados opostos nos campos de batalha pudessem partilhar algo em comum - a saber, a recordação do nascimento do "Príncipe da Paz", enviado ao mundo para dar fim à inimizade entre os homens e seu Criador a fim de que, mediante tal reconciliação, os homens pudessem parar de "fazer guerra" contra Deus, 'depondo suas armas' diante de Sua majestade para, então, ser 'acolhidos em seu abraço paterno'. Em outros termos, a I Guerra Mundial 'acabou' naquele Natal de 1914 [mesmo que por apenas algumas horas], o que alude a um dos versos da música que inspirou esse post - como mostrado a seguir:

"...How many times must the cannonballs fly / Before they're forever banned?..."
que, traduzido, significa:
"...Quantas vezes as balas de canhão devem 'voar' / Antes que elas sejam para sempre banidas?..."

Naquela noite de 25 de dezembro, há pouco mais de um século, aqueles soldados mostraram ao mundo da época [e a nós também em 2020] que não deve haver motivo justo para deixar de se  trazer à memória e festejar o Advento de Cristo - mesmo que, infelizmente, a guerra não tenha terminado ali em definitivo. Deve-se salientar, porém, que não pretendo fazer qualquer tipo de apologia ao 'desarmamentismo' ou ao 'pacifismo' característico da pós-modernidade [cujos principais frutos são o aumento da criminalidade organizada em escala mundial - com perdas humanas análogas ou piores que aquelas de uma grande guerra - e a emasculação "quasi-hegemônica" dos homens], mas tão-somente reverbero que aquela "Trégua de Natal" foi uma espécie de "banimento das balas de canhão" - mesmo que temporário -, decorrente da consciência da solenidade de um símbolo que aponta para uma manifestação de suprema sacralidade, posto que está escrito que o Anjo Gabriel, ao anunciar o nascimento de Jesus a Maria, lhe revelou que "...o Ente santo que de ti haverá de nascer será chamado Filho de Deus..." [Lucas 1, vs. 35]. Todavia, dada a nossa ausência de brio e de senso do que é realmente santo, muitos dentre nós não farão como os soldados citados anteriormente, mas, ao contrário, nos submeteremos a quaisquer tiranias e abusos de autoridade arbitrários por amarmos, acima de tudo, o nosso conforto e segurança, abandonando a oportunidade de estarmos juntos com familiares e amigos bem como de ajustar a nossa "imaginação litúrgica" a partir da "história de Deus expressa na história de Cristo". Diante de tal realidade, a minha oração é a mesma registrada pelo profeta Isaías - coincidentemente (?) chamado de "profeta messiânico" -, que registrou:

"...Ó Senhor, Deus nosso, outros senhores têm tido domínio sobre nós, mas nós adoramos apenas ao Teu nome..." [Isaías 26, vs. 13] 


Antes de ir para a parte final do texto, outros versos da música que me parecem pertinentes em relação ao que já tenho tratado aqui são:

"...How many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes, n' how many times can a man turn his head
And pretend that he just doesn't see?..."

Que traduzido é:

"...Por quantos anos algumas pessoas podem existir
Até que se permita que sejam livres?
Sim, e quantas vezes um homem pode virar a cabeça
E fingir que simplesmente não vê?..."

De modo simples e direto, o que o autor parece destacar é a combinação de dois fatos: 1) a apatia e a infelicidade existencial de quem vive sem liberdade por tempo indeterminado e 2) a indiferença de quem vê essa realidade aprisionadora e, simplesmente, “finge que não vê”. Ao olharmos para a civilização ocidental de modo intelectualmente honesto, concluiremos que ela se tornou, ao longo dos séculos, a expressão social mais vívida e factível da liberdade e do florescimento humanos, dadas as suas raízes culturais e filosóficas remetentes ao mundo greco-romano e, de modo muito mais determinante, aos efeitos profundos do cristianismo bem como de muitos princípios judaicos em sua moral, ética e organização civil. Em contrapartida, os últimos séculos vêm sendo marcados por uma alteração radical e irônica desse paradigma, pois o surgimento já citado dos mais terríveis tiranos da história humana [incluindo os que estão entre nós] é, em grande medida, produto de ideais alicerçados no mote “liberté, egalité et fraternité”. Destarte, a conclusão óbvia (e ofensiva, para variar) é que a luta pela “igualdade universal” não produz mais liberdade e sim o oposto – i.e., o totalitarismo de alguns poucos sobre o resto da humanidade, chamado cinicamente de “democracia” pelos seus proponentes - e, com isso, não pode haver fraternidade alguma, exceto aquela entre os compadres (ou ‘companheiros’) que mandam em tudo e todos, sem nunca dar satisfações a outrem e cujos crimes são, quase sempre, mantidos impunes, visto que as “não tão-supremas cortes” são igualmente ou mais criminosas que eles. 

Conseqüentemente, as últimas gerações vêm sendo, em diferentes partes do mundo, compostas por milhões (e até bilhões) de pessoas que simplesmente “existem, mas não vivem", visto que suas vidas se tornaram propriedades de um "Estado-deus" ou tão-somente instrumentos úteis nas mãos de alguns dos homens mais abastados do planeta, cujo maior fetiche é "brincar de Demiurgo" enquanto o próprio dinheiro não acabao que talvez dure mais tempo que suas próprias "existências". No entanto, mais lamentável que tal realidade em si é a atitude de vários de nós que, à semelhança do “homem que vira a cabeça e finge que simplesmente não vê” o que está ao redor, são indiferentes e apáticos frente ao que lhes está escancarado aos olhos, o que pode ser um claro sintoma de uma existência analogamente vazia e sem vida - embora possa se dizer constantemente, fazendo “soprar aos quatro ventos”, que devemos “cuidar da saúde e salvar vidas”, esquecendo-se contudo de que, parafraseando os evangelistas sinóticos, “não adianta ao homem ganhar a saúde do mundo inteiro e perder a sua alma”Ora, “o que o homem poderia dar em troca de sua alma” ou, como está em voga, qual vacina poderia ser eficaz para impedir que sua vida se lhe escape como “um sopro ao vento” no dia em que esta encontrar seu fim


Finalmente, ainda me restam algumas linhas a escrever que anseio ser proveitosas.

Dentre as figuras mais presentes em minhas últimas reflexões está a clássica imagem contida no romance “Dom Quixote de la Mancha” do escritor espanhol Miguel de Cervantes - que possivelmente afirmou que ‘o português é a língua mais sonoramente bela que existe’ -, na qual o personagem principal (o cavaleiro denominado Dom Quixote) é considerado louco por confundir os “moinhos de vento” com dragões ou gigantes, contra os quais ele teria lutado sozinho até que os houvesse vencido. Porém, apesar desse trecho pitoresco da narrativa [do qual deduzir-se-ia que o ‘Cavaleiro da Triste Figura’ era um fidalgo sem juízo], o mesmo personagem afirma, em outro lugar da estória, a máxima “yo sé quien soy” [“eu sei quem sou”], indicando que, algumas vezes, os que parecem mais loucos e que aparentemente podem estar combatendo inimigos considerados “imaginários” – o 'Grande Reset' é ‘teoria da conspiração’, não se pode duvidar do “consenso científico”, “você é tão burro quanto aos que fizeram a Revolta da Vacina?” et ceterasão os únicos que estão atentos ao curso dos eventos que os circundam, uma vez que quem tem a correta “consciência de si” certamente está mais habilitado a ter a correta percepção da realidade

Nesse sentido, ninguém pode desenvolver a autoconsciência de forma legítima e genuína sem que, antes, possua referenciais absolutos a partir dos quais esse desenvolvimento possa ser feito de tal maneira que alcance o seu devido fim. Em outras palavras, só é possível conhecer a si mesmo e ter ciência desse conhecimento através de um fundamento confiável para tal, de maneira que, como seres humanos, só podemos conhecer quem de fato somos [bem como adquirir a autoconsciência daí decorrente] ao voltarmos o olhar para Aquele que nos criou – melhor ainda, ao darmos atenção ao icônico vocativo “Ecce Homo!” (i.e., Eis o Homem!), proferido por Pôncio Pilatos quando este estava diante de Cristo há poucos instantes da crucificação. Tais palavras ainda “sopram ao vento” – e sem a necessidade dos 'moinhos de Dom Quixote' - mesmo que já tenham se passado quase 2000 anos e, dessa forma, é apenas na contemplação do ‘Deus que se fez como um de nós’ que, enfim, podemos começar a saber quem somos, tanto individualmente quanto coletivamente. Para isso, fez-se necessário antes de tudo que este Deus, sempiterno e outrora imaterial, assumisse um “corpo que lhe fora preparado”, a fim de que fosse participante de nossa condição e, sendo totalmente justo e dando Sua vida pelos injustos, pudesse reconduzi-los a Si mesmo. Eis aqui o Natal!

Os últimos trechos da música que acredito serem importantes para a conclusão desse texto – se é que alguém teve paciência para ler até esse momento – são mostrados a seguir:

“…How many roads must a man walk down / Before you call him a man? […]

Yes, n’ how many times must a man look up / Before he can see the sky?

How many ears must one man have / Before he can hear people cry?

Yes, n’ how many deaths will it take ‘till he knows / That too many people have died?...”

A primeira frase, que diz “…quantas estradas um homem deve trilhar até que ele seja chamado de ‘homem’?...” parece transmitir uma idéia de que o reconhecimento de alguém como “homem” (seja no sentido de ser humano, seja quanto à sua maturidade) está diretamente ligado ao quanto tal ‘homem’ realizou ou experimentou durante a vida - ou seja, o autor traz à tona que um homem “dá testemunho de si mesmo” ou “mostra que sabe quem é” por meio de situações reais e não de abstrações. A esse respeito, a realidade do Natal vem trazer à tona que “o Verbo que estava com Deus e era Deus” seria aquele que “se tornaria semelhante a Seus irmãos em todas as coisas” [Hebreus 2, vs. 17] e “embora fosse Filho, aprenderia a obedecer por meio daquilo que sofreria” [Hebreus 5, vs. 8], de sorte que Jesus Cristo é, par excellence, o Homem que trilhou “quantas estradas Lhe foram necessárias”, tendo dado um verdadeiro testemunho de Si mesmo de que “havia sido enviado por Deus Pai” e que “viera para fazer a vontade Dele e não a Sua própria” [João 6, vs. 38], por cuja obediência a “maldição do primeiro Adam” - que se rebelou no “jardim de delícias” - foi revertida pela bendita submissão do “último Adam” – desde o “jardim das aflições” até o Calvário

A segunda e a terceira frases destacadas, que dizem "...e quantas vezes um homem deve olhar para cima até que ele veja o céu?... E quantos ouvidos um homem deve ter até que ele possa ouvir as pessoas chorarem?...", podem ser conectadas com o verso do parágrafo acima, já que também contêm a figura do 'homem' no eixo central. Nesses trechos, o autor intenciona mostrar que, para enxergar aquilo que está sempre presente [e, neste caso, acima de todos nós], muitas vezes temos que olhar atentamente, sem distrações ou negligência - o que me lembrou uma frase que, certa vez, li num cartaz de um evento sobre astronomia enquanto visitava uma pequena cidade no norte da Lombardia/Itália, a qual dizia "...guardare il cielo per capire la terra..." [ou " olhar o céu para compreender a terra..."]. De modo análogo, a pergunta subsequente a respeito dos "ouvidos que devem ouvir o choro alheio" também reitera o mesmo raciocínio, pelo qual somos compelidos a atentarmos para a dor e a aflição dos nossos semelhantes assim como Deus o fez, pois está escrito que "...Ele se lembrou de nós em nossa humilhação... e nos livrou de nossos inimigos..." [Salmo 136, vs. 23-24], o que foi igualmente mencionado no 'Benedictus' [o Cântico de Zacarias, pai de João Batista, o mesmo que "preparou o caminho do Senhor"], onde lemos que "...o Deus de Israel visitou e redimiu o Seu povo, e promoveu uma poderosa salvação para nós... salvando-nos de nossos inimigos e de todos os que nos odeiam para mostrar Sua misericórdia..." [Lucas 1, vs. 68-69 e 71-72]. Isto é, a expressão máxima do "amor de Deus que dura para sempre" é vista em todo o seu esplendor no Natal, quando o Eterno 'deixa a eternidade para entrar no tempo' e o "...Sol da Justiça nasce do alto sobre os que habitavam em trevas e na sombra da morte..." [Lucas 1, vs. 78-79] por meio do nascimento de um bebê que teria uma manjedoura como seu primeiro berço. Eis o "Grande Mistério da Piedade"!

No último trecho da música mostrado acima, o qual diz “...e quantas mortes serão necessárias para que ele saiba que morreram pessoas demais?...”, nota-se que o autor lança mão da imagem mais dramática que nos é concebível [e.g., a realidade da morte] para despertar a atenção e as emoções de quem ouve a música na direção da compaixão, bem como para longe da frieza e da insensibilidade perante o mal em todo o seu horror e miséria. Tal reflexão normalmente nos faz pensar numa ocasião de guerra (como supracitado), numa epidemia de alta letalidade (o que não é o caso da COVID-19, a despeito da narrativa dominante) ou nalguma grande catástrofe natural (como tsunamis ou terremotos).

Este ano, mais do que nunca na história humana, tem sido o ano da “compaixão de pose” - nas redes sociais, nos jornais, nos programas de televisão e por onde temos caminhado. Embora a humanidade já esteja na terra há alguns bons milênios, nossa geração de “iluminados benevolentes” e “especialistas da dor humana”vulgo “coronalovers”têm se constituído juízes de todos os demais seres humanos no tocante a “lamentar as vidas perdidas por causa da pandemia” [quando esses “outros” não “sentem como eles dizem que todos devem se sentir”], como se por toda a história ninguém teve de aprender a lidar com a dor da morte e com diversos tipos de doenças letais [incluindo outras pestes e epidemias] mas, agora, enfim, eles estão aí para nos ensinar a encarar a morte com aquele “sentimentalismo barato” aliado àquela “demagogia revolucionária” típica da liderança da UNE ou de alguma facção terrorista ao estilo BLM ou Antifa. Mas “quem são eles” - ou “quem eles pensam que são” - para se julgarem aptos a ensinar o mundo inteiro sobre a realidade mais dura da vida enquanto jogam “Free Fire”, celebram o aumento de seguidores no Tik Tok ou, ainda pior, fazem parte do corpo editorial da Folha de São Paulo [ou do Antagonista] ou apresentam o Jornal Nacional? O mais triste em tudo isso é, para mim em particular, ter de admitir que irmãos de fé parecem estar seduzidos por uma “piedade exibicionista”, segundo a qual é mais importante “parecer estar condoído” com as mortes pela COVID-19 em lugar de cultivar o amor ao próximo sem desejar “ser vistos pelos homens e glorificados por eles” pois, assim, “a recompensa já terá sido conquistada” - a qual, infelizmente, não será da parte do Pai que está nos céus.

Ora, se nos confessamos como cristãos, devemos lembrar que o amor consiste “...não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” [1 João 4, vs. 10] e que “...se Deus nos amou de tal maneira, também devemos amar uns aos outros...” [1 João 4, vs. 11], de maneira que é somente à luz do amor de Deus manifestado a nós que poderemos amar uns aos outros devidamente. Ou seja, é “vivendo por meio de Cristo”, o qual nasceu para nos redimir de nossos pecados, que verdadeiramente amaremos o próximo para a glória de Deus e o bem de outrem, ao invés de usarmos a “aparência de piedade” para alardear os nossos pecados gloriosos. 

Entretanto, pior do que a morte em si é a causa por trás dela, a qual é denominada na Bíblia de pecado, dado que “...o salário do pecado é a morte...” [Romanos 6, vs. 23]. De fato, essa é a suprema razão pela qual o Natal existe, pois naquela “noite feliz”, em que os pastores nos arredores de Belém estavam cuidando dos rebanhos, o anúncio do anjo foi de “...boas-novas de grande alegria para todo o povo, pois na Cidade de Davi nascia o Salvador, que é Cristo, o Senhor...” [Lucas 2, vs. 10-11]. A virgem havia concebido e, finalmente, Emanuel viera para ser “Deus conosco", de modo que “a resposta” dos milhares e milhares de anjos da milícia celestial “soprou ao vento” ao ecoar a doce canção [vide Lucas 2, vs. 14]:

“Glória a Deus nas alturas, e paz na Terra aos homens aos quais Deus concede sua bondade”!

Ao longo do Antigo Testamento, o povo de Israel [e todos os não-israelitas que se voltaram para o Deus Único e foram agregados ao “povo da aliança”] ergueu sua voz em clamor como se cantassem “...O Come, O Come Immanuel / To ramsom captive Israel...” até que, dos céus, o Espírito Santo “envolveu Maria com a Sua sombra” a fim de gerar em seu ventre Aquele sobre quem o “Espirito do Senhor” estaria durante toda a Sua vida e até Sua morte, pois está escrito que Cristo se ofereceu a Deus como um sacrifício imaculado “pelo Espírito eterno” a fim de “purificar a nossa consciência... para servirmos ao Deus vivo” [Hebreus 9, vs. 14]. O Natal e toda a sua beleza humilde, na qual se vê os magos do Oriente seguindo a “Estrela de Belém” [que supostamente ‘apareceu’ essa semana pela conjunção entre Júpiter e Saturno] até encontrar o Rei que nascera na Judéia para adorá-Lo com seus tesouros, finalmente tem seu propósito plenamente manifestado quando aquele menino, que “estaria destinado a causar a queda e a elevação de muitos em Israel, e a ser um sinal de contradição, de modo que o pensamento de muitos corações seria revelado” [Lucas 2, vs. 34-35] é rejeitado pelo Seu povo, tratado como o pior dos malfeitores e é crucificado entre dois deles. Na cruz, Deus Pai consuma o Seu plano de redenção ao “despertar a espada sobre o Pastor das Ovelhas” e, ao mesmo tempo, uma espada “transpassa a alma de Maria” – mas, felizmente, a história não havia terminado. 

Após três dias, o mesmo Espírito, que como uma "brisa suave" havia envolvido o ventre daquela jovem virgem judia  para trazer o Filho de Deus ao mundo, soprou como um "vento poderoso" e vivificou o "Filho do Homem", fazendo rolar a grande pedra do sepulcro e ressuscitando Aquele que seria o "Primogênito dentre os mortos". Não estou certo se o Bob Dylan já tenha pensado nessas coisas que expus aqui, mas, independentemente de qual seja a situação dele, o que cabe a nós é dar a devida importância à "resposta de Deus" diante de nossa rejeição a Ele, a qual está "soprando ao vento" há cerca de 20 séculos, na medida em que a Sua voz é ouvida por meio da proclamação do Evangelho, desde o Dia de Pentecostes - no qual Deus "soprou" sobre os discípulos no Cenáculo e os revestiu do poder do Espírito Santo para que, assim, nascesse o Corpo de Cristo, que é a Igreja - até os nossos dias. Por fim, apesar de que, provavelmente, a tendência é que a oposição e a hostilidade contra os que seguem fielmente a Jesus Cristo seja cada vez maior e mais severa com o passar dos anos, a minha viva e grande esperança é que, mesmo que matem o meu corpo (seja por decapitação pelas mãos de um jihadista, através da fome ou mesmo sob o pretexto de "imunização" contra um vírus mortal), jamais poderão destruir a minha alma, pois "a minha vida está escondida com Cristo em Deus" [Colossenses 3, vs. 3] e, sabendo que Ele ressuscitou para não mais morrer, todos os que foram "gerados de novo pelo Espírito Santo" e estão unidos a Cristo também ressuscitarão um dia para não mais morrerem - assim, todo dia será uma comemoração do nosso "Novo Natal", quando nascemos de Deus para, finalmente, habitarmos com Ele, onde a morte já terá sido derrotada e aquela alegra anunciada pelos anjos no "Gloria in Excelsis Deo" será nossa de uma vez para sempre.

E você? Será que tem dado ouvidos ao real sentido do Natal (que "sopra pelo vento" há 2000 anos)?

Você tem real consciência de si mesmo? Quais têm sido seus referenciais para saber quem você realmente é?

Além disso, será que você tem sido um "falso sábio" e tem ignorado os "loucos" que têm visto os reais inimigos que você tem ignorado por parecerem "loucura" ou "conspiração"?

Finalmente, à Luz do nascimento do Filho de Deus, que foi feito Homem como nós no Primeiro Advento, qual será a sua resposta? Você continuará querendo salvar a sua própria vida (como se fosse possível fazê-lo) ou reconhecerá que somente Ele pode ser o seu verdadeiro Salvador - desde esta vida presente e também na vida futura após o Segundo Advento?



À Sabedoria de Deus, a Adonai, à Raiz de Jessé, à Chave de Davi, à Estrela da Alva, ao Rei das Nações e ao Emanuel



Soli Deo Gloria!

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Sic transit gloria mundi et idola suis...

Estou aqui novamente e, desta vez, creio que precisarei escrever bastante.

Todavia, espero não usar esse espaço leviana ou inutilmente, visto que o que pretendo abordar é algo que produz em mim temor e tremor, mas que ao mesmo tempo me é de grande valor. Que Deus, assim, seja misericordioso - ou como diziam os cristãos antigos, "Kyrie Eléison". 


Em primeiro lugar, o significado da frase em latim presente no título é "...assim passa a glória do mundo e dos seus ídolos...". Logo, o tema central desse texto de outubro é mostrar, sem qualquer partidarismo ou frescura (por assim dizer), que todas as coisas que nos cercam (sejam elas vis ou preciosas) e, dentre elas, tudo aquilo a que conferimos valor supremo e ocupa o foco de nossas afeições e dedicação, é passageiro, transitório, fugaz, efêmero e, no fim das contas, inútil. Desse modo, minha intenção [talvez a principal ou única] é tirar as máscaras [literal e alegoricamente] de todos os nossos ídolos, a fim de nos fazer entender o que de fato merece a nossa maior estima, amor e valorização. 

Dito isso, creio que as palavras-chave para a exposição do tema desse post são "glória", "mundo" e "ídolos". A palavra "glória" está relacionada a "esplendor", "brilho", "poder", "algo que traz encanto ou fascínio" ou mesmo "peso" [como na palavra hebraica "kavod", muitas vezes usada no Antigo Testamento]; o termo "mundo" pode assumir vários significados [ou é, por si só, polissêmico] e pode se referir ao "mundo físico" no qual vivemos, ao mundo metafísico ou espiritual e, dentro do pensamento cristão, a um "sistema que se opõe a Deus e aos que temem a Ele"; finalmente, a palavra "ídolo" é relativa a algum "objeto de adoração que representa materialmente uma entidade espiritual ou divina, ao qual freqüentemente se associa poderes sobrenaturais", porém é mais amplamente entendida como qualquer coisa ou ente que seja considerado supremo(a), deificado ou sacralizado de tal modo a ser alvo de devoção. Portanto, tendo tais conceitos bem esclarecidos, procurarei discorrer sobre as idéias que têm ocupado meus pensamentos nas últimas semanas, tendo em vista a expressão das "indignações de cada dia" de maneira que, como consta acima, os que lerem esse texto sejam compelidos [assim como eu tenho sido ao refletir sobre ele], nas palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Tessalônica, a "abandonar os ídolos a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro" [1 Tess. 1, vs. 9]. 


Dessa maneira, existem algumas perguntas que nortearão o restante do texto: quais são as coisas nas quais o mundo se gloria - ou, em que reside a glória do mundo? Conseqüentemente, quais são os ídolos de nosso tempo e que atraem a devoção do mundo? E, finalmente, por que todas essas coisas são temporárias e não permanecem? 

No tocante à glória do mundo, se formos observar a história humana - literatura religiosa, romances, poesias, dramas, registros documentais e todo tipo de legado cultural -, concluiremos que os seres humanos sempre têm se gloriado em coisas que estão vinculadas a poder, prestígio, força, prazer, autonomia e ao controle sobre o conhecimento. Por exemplo, no relato bíblico sobre o episódio da Torre de Babel (Gênesis 11), pode-se notar que os que se empenharam em construí-la desejaram "fazer um nome para si mesmos" através de uma cidade e de uma "torre que chegasse aos céus" (vs. 4) - o que denota a intenção clara de vangloriarem-se em seus próprios feitos. Em seguida, o texto mostra que Deus intervém e diz "...desçamos e confundamos a sua linguagem, a fim de que eles não se compreendam..." (vs. 7) e, como resultado, eles foram "dispersos por Deus pela superfície de toda a terra" e "pararam de construir a cidade" (vs. 8). Ao fim da história, está escrito que "...por isso o lugar se chamou Babel - i.e., confusão -, porque o Senhor confundiu a linguagem de toda a terra e os dispersou por toda a face da terra..." (vs. 9), termo hebraico de onde vem a palavra  portuguesa "Babilônia" - a "grande cidade", que foi capital de um dos maiores impérios do mundo antigo e que, nas Escrituras, muitas vezes representa a perversão e a rebelião contra Deus, cuja "glória" será finalmente reduzida a nada num futuro ainda por vir (vide Apocalipse 18). 

Desse modo, a história de Babel (e, igualmente, de Babilônia) serve para ilustrar que, embora a nossa realidade seja [em muitos sentidos] diferente daquela dos povos do Médio Oriente/Oriente Próximo entre 2000 a.C. e o início da Era Cristã, os seres humanos continuam buscando realizar coisas das quais possam se gloriar, uma vez que também anelam "alcançar renome" e, quase sempre, lograr poder a ponto de deificarem a si próprios. Para isso, basta  tão-somente olharmos os relatos a respeito dos imperadores antigos (que eram adorados como deuses, como no Egito e em Roma) e/ou dos ditadores dos séculos mais recentes até nossos dias (que também exigiam/exigem obediência irrestrita e submissão total), de tal sorte que seus nomes estão [ao menos por enquanto] registrados na História devido às marcas impressas por eles por piores que tenham sido - e ainda estejam sendo, posto que (provavelmente), mais do que nunca, a sanha de alguns de nós por controle total e ilimitado está cada vez mais insaciável e, infelizmente, de igual modo mais acessível e inevitável. 



Por outro lado, a respeito dos ídolos, sabe-se a partir do testemunho histórico que, em todas as culturas e povos e em todas as épocas, os seres humanos constituíram para si mesmos seus próprios objetos ou entidades de/para culto, os quais foram por muitos séculos representados e/ou associados a elementos ou coisas presentes na natureza (p. ex., o sol e a lua, que entre os babilônios eram materializações dos deuses Shammash e Sin, respectivamente), a animais (vide o panteão egípcio), a figuras míticas (como nas mitologias grega, nórdica e mesmo nas culturas tribais africanas) e também em forma humana. Todavia, atualmente a idolatria tem recebido novas roupagens, as quais não necessariamente tem incluído o uso de artefatos materiais mas, sim, de conceitos, idéias, construtos sócio-políticos e simulacros intelectuais ou religiosos - o que ratifica a sua etimologia mesma, posto que é advinda do termo (transliterado) grego "eídolon" que quer dizer "simulacro". 

Destarte, creio que os principais ídolos aos quais os seres humanos têm se devotado ultimamente (em particular nos últimos 250 anos) são a "ciência" e a "política" - seja mais a um, seja ao outro ou a ambos de acordo com a conveniência. Como parte dessa idolatria, segue-se a confiança irrestrita na autonomia da razão humana e na suficiência do aparato científico para se determinar o que é verdade ou mentira ou o que é bom ou mau (como se vê no 'racionalismo' e no 'cientificismo') juntamente com a mentalidade obstinada pela qual a política é o campo de ação para a remodelagem de uma nova realidade (conforme tem sido expresso nos experimentos revolucionários dos últimos 100 anos). Desse modo, como provavelmente já escrevi antes aqui, a "ciência" assume a condição de um "ente uno" que possui um discurso "quasi-dogmático" e "monótono"  (cuja comunidade se torna o "sacerdócio intelectual e epistemológico" de toda a humanidade) e os movimentos políticos passam a formar a imaginação moral de modo massificado através de seu discurso e seus símbolos e, assim, dirigem os comportamentos humanos como um "poder onipresente e invisível" (nas palavras de Antonio Gramsci) sob a batuta da "fé metastática" (explicada pelo Eric Voegelin), a qual é como um câncer em estágio avançado, pois perpassa todo o modus operandi social com o sentimento escatológico de que traz consigo a única alternativa de redenção plausível - mesmo que seja através da "crítica radical de tudo quanto existe" acompanhada da "destruição de tudo quanto for possível". 

À parte isso, o que mais me entristece [e igualmente me deixa indignado] é ter de reconhecer que tais ídolos não têm sido venerados somente por aqueles que não têm o conhecimento do Deus verdadeiro que demanda adoração exclusiva (vide os Dez Mandamentos). No entanto, semelhantemente aos "idólatras hodiernos", muitos que professam o nome de Deus como o Único a quem servem e adoram têm tido, ao longo dos séculos, "outros deuses além Dele", feitos à "imagem e semelhança" de seus adoradores, sejam estes dentre os que ardilosamente tentam diferenciar "doulía" de "latria" para camuflarem a sua tradição infame e pecaminosa ou, em contrapartida, daqueles que não possuem ícones ou estátuas mas atribuem o que é estritamente divino a coisas vãs e inúteis. 



Por tudo isso, sempre que tratamos do tema idolatria dentro do contexto cristão, ergue-se ante nossos olhos o embate "catolicismo romano" vs. "protestantismo" [e, por conseqüência, os demais segmentos ditos evangélicos]. Conforme citado acima, a doutrina católico-romana defende a distinção clara entre a "veneração" [gr. <<doulía>>, a qual pode ser prestada aos santos, às relíquias e, sobretudo, a Maria] e a "adoração" [gr. <<latría>>, oferecida tão-somente a Deus]. Nesse sentido, a veneração seria uma forma de expressar reverência e honra a determinados símbolos ou figuras que, dentro do imaginário católico-romano, se configuram como intermediários entre o devoto/cristão católico e Deus, cujo raciocínio é certamente bastante influenciado pela filosofia aristotélica e sua epistemologia, as quais ressaltam a importância do aspecto imanente da realidade frente ao aspecto transcendente. Ou seja, visto que a apreensão do conhecimento envolve obrigatoriamente os símbolos e fantasmas que guardamos na memória (conceito característico do Trivium), não é razoável desenvolver uma relação com Deus verdadeira sem a mediação de entes concretos ou exemplos reais/palpáveis (como Maria e os santos canonizados pela Igreja Católica Romana ao longo da Era Cristã). 

Em contrapartida, a teologia protestante (em todas as suas ramificações ortodoxas), ainda que rica do legado intelectual e teológico da Patrística e do Medievo, condenou veementemente tais práticas pela autoridade suprema das Escrituras e apanhando os católicos "em sua própria astúcia". No tocante ao ensino bíblico, está escrito que os israelitas "não viram forma alguma" quando Deus lhes falou do meio do fogo no Sinai (Deuteronômio 4, vs. 15) - de onde se segue a proibição total do uso de imagens para culto ou para representar a Deus bem como da veneração de qualquer coisa na criação, pois "Deus é zeloso e um fogo consumidor" (Deut. 4, vs. 24). Por outro lado, quanto ao jogo de palavras "doulía/latría", sabe-se que aquela deriva do termo "doulós" que significa <<servo, escravo>> e que esta advém do vocábulo "latreuo", o qual se refere à <<adoração, culto>>. Porém, em toda a Escritura (particularmente no AT e, em seguida, no NT), "servir" e "adorar/prestar culto" normalmente se referem à mesma atitude ou conduta [p. ex., Salmo 100:2 e Mateus 4:10], de modo que a distinção semântica feita pelos católico-romanos não passa de um artifício falacioso para mascararem o que acontece na prática: os santos, as relíquias e principalmente Maria são objetos de adoração (basta ver todos os dogmas relacionados a ela!) e, assim, uma vez que aquilo que é devido apenas a Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) é dado a outrem, Ele não é verdadeiramente adorado - mesmo que isso seja negado ou distorcido por eles. Logo, a forma de religião que se diz "guardiã do genuíno culto ao Deus Trino" mas cultua outras coisas não é guardiã de coisa alguma senão de sua própria falsa piedade



Contudo, considerando a afirmação de Calvino de que "o coração humano é uma fábrica de ídolos", tem-se que o pensamento protestante (reformado e também evangélico) define a idolatria como algo mais profundo do que a simples "adoração a imagens ou ícones" no âmbito litúrgico ou por meio de rituais, mas majoritariamente como uma "atitude deliberada de se direcionar os afetos e as prioridades para qualquer coisa que não seja Deus" - ou, nas palavras de Timothy Keller, o "ato de tomar qualquer coisa, ainda que lícita, e torná-la suprema". 

Dessa maneira, a idolatria também está presente nos arraiais ditos "protestantes ou evangélicos" - para minha vergonha! -, tanto naqueles contextos mais heterodoxos ou heréticos quanto nos ambientes mais ortodoxos e onde há maior instrução. De um lado, é notório que muitos líderes são tratados como "superprofetas" e que o misticismo sincrético é usado como "ponto de contato da fé" através de seus "objetos ungidos" (que são até "venerados" como as relíquias sagradas dos católicos) e, por outro, é cada vez mais prevalente a influência da ciência como a "nova chave hermenêutica" para se interpretar a Bíblia (como fruto de um 'academicismo eclesiástico') acompanhada de uma superestimação do "isentismo" político, o qual é alardeado como a única opção "não idolátrica" perante a "polarização crescente", uma vez que ninguém deseja receber a pecha de "comunista enrustido" ("eu nunca votei no PT!") e muito menos a de "bolsolavista terraplanista passapanista obscurantista negacionista antivacina et caterva". Portanto, podemos estar fazendo do "combate ao anti-intelectualismo" e da "luta contra a idolatria política" os nossos ídolos travestidos de "cosmovisão cristã reformacional" e, auto-persuadidos de nossa "grande inteligência", mostramos a nossa "sabedoria" nos podcasts, canais do Youtube, páginas no Facebook ou Instagram e, claro, sem faltar os nossos "tweets carinhosos de cada dia"! A esse respeito, faço das palavras recentes do pastor batista reformado português Tiago Cavaco (uma peça rara no meio de uma Europa cética) as minhas, quando disse que "...embora estejamos vivendo uma 'overdose de pessoas inteligentes', nunca experimentamos um momento tão burro em nossa história...". Deus me livre de ser um desses "falsamente sábios" pois, como dissera Tomás de Aquino, só Ele pode "afastar para longe a dupla obscuridade na qual nascemos: o pecado e a ignorância"

Tendo isso estabelecido, por que todas essas coisas seriam "passageiras"? 
O que torna o "sic transit gloria mundi et idola suis" uma verdade? 



Sobre a transitoriedade da glória do mundo, vou me ater a apenas um trecho bíblico escrito pelo apóstolo Paulo para não ser mais prolixo do que já devo estar sendo - o trecho diz:

"...O tempo se abrevia. Por isso, de agora em diante, não só os casados sejam como se não fossem casados, mas também os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se nada possuíssem; e os que se utilizam desse mundo, como se não fizessem uso dele - porque a aparência desse mundo passa..." 
[1 Coríntios 7 vs. 29-31]

O texto começa com a afirmação aterradora de "o tempo se abrevia". Mas que tempo seria esse? Esse é o tempo da permanência ou durabilidade de todas as coisas pertencentes à nossa realidade presente, de sorte que tudo aquilo que vemos, experimentamos e possuímos, incluindo as coisas que há muito são como nós as conhecemos atualmente, e mesmo o próprio mundo, possui uma espécie de "prazo de validade" (so to speak). A despeito de muitas especulações fantasiosas e certa zombaria que permeia tais reflexões, o fato é que "o mundo um dia irá acabar", quer você acredite nisso ou não - e, com base nessa afirmação, o apóstolo anuncia a todo ser humano, em toda época e cultura, de toda etnia e classe social, para não se apegar a qualquer coisa que possua como se ao menos alguma delas fosse, à semelhança de Zeus no mito grego, vencer o Khrónos (deus do tempo) e, assim, alcançar a imortalidade ou "durar para sempre". Segundo o texto, até os nossos momentos de choro, os dias felizes, os bens que adquirimos ao longo da vida, as nossas relações mais valiosas e tudo o mais quanto usufruímos têm os seus dias contados, porque está escrito que "a aparência desse mundo passa" e, com ela, a glória do mundo - ora, visto que somente Deus é eterno e imutável (Salmo 102:25-27 e Malaquias 3:6a) e que o universo está sujeito aos efeitos nefastos do pecado (ver Romanos 8, vs. 20-22), não há nada que, separado de Deus, possa ser redimido desse estado de condenação, o que implica que somente Deus, pela reconciliação do mundo Consigo, pode restaurar a glória que outrora perdemos



No que se refere à fugacidade ou vaidade dos ídolos, muitos trechos bíblicos podem ser citados, mas talvez nenhum deles seja melhor que os versos seguintes: 

"...Os ídolos das nações são prata e ouro, obra de mãos humanas.
Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram; têm mãos e não apalpam; têm pés e não andam; som nenhum lhes sai da garganta.
Tornem-se semelhantes a eles aqueles que os fazem e todos os que neles confiam..." 
[Salmo 115, vs. 4-8]

Embora o texto trate do culto de divindades representadas em estátuas, talismãs e amuletos - o que era mais comum na época do salmista -, alguns elementos apresentados são característicos de todo tipo de idolatria: 1) os ídolos são obras das mãos e da imaginação dos homens; 2) o que lhes é atribuído ou creditado como sendo real não é nada além de ilusão e 3) aqueles que fazem ídolos para si mesmos e colocam sua fé e confiança neles se tornam "simulacros inúteis" à semelhança deles.  Portanto, o ser humano (em sua maioria) vem, ao longo da história, vivendo uma vida vã e fútil devido à sua ignorância a respeito do Deus Único - que, segundo o mesmo Paulo, "não é semelhante ao outro, à prata ou à pedra, feitos pela arte e imaginação do homem" (Atos dos apóstolos 17, vs. 29). 

Dessa forma, no caso particular daqueles que misturam o santo nome de Deus à adoração de seus "próprios ídolos" e "entes canonizados", a ignorância e a culpa são duplas, tendo em vista que eles têm um Livro nas mãos [porém, muitos o desprezam] que pode trazê-los "das trevas à luz", como ocorreu com certo monge agostiniano que, ao ler esse mesmo Livro há pouco mais de 500 anos num castelo na Alemanha e à luz de velas, descobriu que "...a justiça de Deus se revela no Evangelho de fé em fé, como está escrito: o justo viverá pela fé..." [Romanos 1, vs. 17].  Eis o momento em que "os portões do Paraíso se escancararam" para esse monge e, posteriormente, para tantos outros que conheceram e têm conhecido desde então a verdade dulcíssima de que Deus manifestou Sua justiça, aquela pela qual Ele nos constitui aceitáveis a Si mesmo, por meio do Evangelho, o qual não se trata de quem nós somos e do que nós fazemos, mas sim de quem Deus é e do que Ele fez em nosso favor através de Seu Filho - Jesus Cristo. Os 'ídolos inúteis' da auto-justificação e da "graça merecida" foram, enfim, lançados por terra na vida de Martinho Lutero e somente Cristo passou a ocupar o trono em seu coração regenerado



Finalmente, acredito ser oportuno fazer alguns alertas para que nenhum de nós - contra mim falo - caia no engano da "vanglória do mundo" [o que, de fato, é uma 'glória vã'] e na "futilidade de seus ídolos". 

O primeiro deles se refere ao "zelo por Deus sem entendimento", mencionado por Paulo na epístola aos Romanos em referência aos judeus que, "querendo estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus" [Romanos 10, vs. 2-3]. Assim como esses judeus [ou israelitas, para ser mais abrangente] buscaram, sem sucesso algum, justificar a Si mesmos diante de Deus conforme seus próprios padrões de justiça, desde o início da Era Cristã até nossos dias os homens continuam acreditando que podem se aproximar de Deus exibindo seus "grandes feitos" e "boas obras" a tal ponto de persuadi-Lo a lhes ser propício, como se pelo fato de que tais ações virtuosas [aos olhos deles mesmos] fossem uma prerrogativa para que Deus estivesse "em dívida" com eles e, portanto, fosse obrigado a salvá-los. Essa mentalidade está presente em todas as religiões do mundo - ainda que se manifeste em formas diferentes - e, em particular, caracteriza em considerável medida o imaginário católico-romano que, embora traga em sua teologia mais elaborada um tipo de "doutrina da justificação pela fé", define os termos 'justificação' e 'fé' mediante o conceito de "justiça infundida", pela qual o pecador "justificado" desenvolve esse "princípio de justiça" colocado nele por suas próprias obras para contribuir "com sua parte" na justificação. Deus faz "a parte dele" mas, se não fizermos a "nossa", Ele não nos salva. 

Tal pensamento também é muito presente nos ambientes protestantes/evangélicos por efeito da tradição dita "arminiana" [mais precisamente "remonstrante" e não diretamente de Armínio] e em todos os contextos por ela influenciados, contudo diferindo radicalmente da herança teológica reformada [luterana, calvinista etc.] e, sobretudo, do que as Escrituras ensinam, por exemplo, nesse mesmo texto supracitado, onde se lê que "...o fim da Lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê..." (vs. 4).  Logo, fica claro que mesmo a Lei de Deus, que expressa o caráter de Seu Autor e, assim, encerra em si o padrão de justiça e pureza mais elevado que existe, não é capaz [por si só] de fazer o pecador justo "Coram Deo", servindo primordialmente para nos revelar que somos pecadores (Romanos 3, vs. 20) e, então, nos convencer de que precisamos de um Salvador que nos substitua eficazmente - tanto como um 'perfeito cumpridor da Lei' [i.e., por obediência ativa] quanto como alguém que assume a pena em nosso lugar pela nossa transgressão da Lei [i.e., por obediência passiva]. Há somente um único que possui todas essas características - Jesus Cristo, o Filho de Deus, a Suprema Dádiva de Deus aos pecadores - e, por isso, vale lembrarmos de uma frase atribuída a Lutero que diz que "...devemos nos arrepender não somente de nossas más obras, mas também de nossas 'malditas boas obras'...." ou, como brinco com meus amigos, "a salvação é pelas obras, mas somente pelas obras de Cristo". A salvação é um dom de Deus para o pecador e não um 'salário' pago pelos "méritos" conquistados por ele, visto que "Deus não deve nada a ninguém" e, se merecemos alguma coisa, é a condenação eterna (Romanos 6, vs. 23a). 



O último 'alerta' diz respeito a ídolos "lícitos", para os quais temos erguido 'altares profanos' que precisam ser derrubados urgentemente - assim como ocorreu muitas vezes por todo o Antigo Testamento. Tais ídolos, porém, não são materiais mas sim "intelectuais" e, pelo seu apelo à "razão" e ao "academicismo", estão sendo cada vez mais superestimados por muitos de nós - incluindo os "reformados". Nunca houve tanto interesse em temas como "cosmovisão cristã" ou "comunidade intelectual cristã" como nos últimos anos - o que, por um lado, me enche de felicidade, pois uma legítima vida intelectual é artigo mais raro que um flamenguista simpático -, entretanto percebo que, no meio dessa busca louvável pelo desenvolvimento de uma "visão de mundo cristã robusta e intelectualmente relevante", podemos estar nos esquecendo de cultivar a piedade e a humildade, sem as quais nosso interesse por "saber interpretar melhor a realidade" pode não ser nada além de um "pecado glorioso" [como dizia o puritano Thomas Brooks]. 

Por isso, não devemos nos descuidar a ponto de nos esquecer que, quando se trata do conhecimento de Deus, tudo começa em Deus e Nele somente (posto que "Deus é todo-revelação", frase dita [se não me engano] pelo teólogo holandês Herman Bavinck) e deve convergir novamente para Ele, de maneira que não apenas as coisas propriamente teológicas [como a Bíblia e suas doutrinas], mas tudo quanto mais existe, subsiste Nele [Colossenses 1, vs. 16-17] - i.e., 'Deus é mais real que a própria realidade' e, assim, a realidade só é real porque Deus é o fundamento e o definidor dela, sem o Qual nossos empreendimentos intelectuais [até mesmo sobre Ele] são somente especulações fúteis. Em outras palavras, nossa inteligência sempre será uma "inteligência humilhada" e, como resultado, para aprendermos sobre qualquer coisa, dependeremos sempre de outrem e, em última instância, todos dependeremos de Deus, para que "...ninguém se glorie na sua sabedoria, mas em me conhecer e em saber que Eu sou o Senhor..." [Jeremias 9, vs. 23-24]. Destruamos, portanto, com a força do Espírito de Deus e sem "escrúpulos", todo e qualquer altar que tenhamos edificado para qualquer coisa que possa nos afastar do "Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus e Luz de Luz" e, sobretudo, para os "ídolos permitidos" que nos seduzem pela sua "aparência de legitimidade", pois somente assim trilharemos as "veredas antigas" que foram restauradas por aqueles que, há 5 séculos, bradaram em alto e bom som, "a Deus somente seja a glória".

Ora, se as obras de Deus presentes na Criação, incluindo os céus e a terra que agora vemos, deixarão de existir (Mateus 24, vs. 35), as profecias ainda remanescentes um dia se cumprirão e até a necessidade de se "viver por fé e não por vista" (2 Coríntios 5, vs. 7) não será mais necessária [pois a visão beatífica será uma realidade para os que foram salvos por Cristo], o que dizer da glória do mundo e dos seus "ídolos"? Nada permanecerá de pé, nem mesmo na memória - todos os grandes impérios, os notáveis intelectuais, a própria ciência, os homens mais poderosos e tiranos e, graças a Deus, todo o mal que talvez permaneça impune, tudo isso terá o seu fim e Deus, Aquele que criou e sustenta o mundo que agora existe, "fará novas todas as coisas" (Apocalipse 21, vs. 5) e, nessa Nova Criação, nem haverá templo ou luz do sol na Cidade Celestial, pois "a glória de Deus a iluminará" (Apocalipse 21, vs. 23). Eu simplesmente não posso nem imaginar como será isso, mas o que sei é que desejo estar lá e não tenho outra esperança de estar senão Cristo, "o Caminho, a Verdade e a Vida" (João 14, vs. 6), "o Único Mediador entre Deus e os homens" (1 Timóteo 2, vs. 5) e que veio "buscar e salvar o que se havia perdido" (Lucas 19, vs. 10). pois, como dizia João Calvino, "para nós, apenas a glória de Deus é legítima; fora de Deus só há mera vaidade". 

Você já se deu conta de que pode estar vivendo voltado para essa "glória do mundo" que passa enquanto você lê esse texto e que, um dia, passará completamente?

Quais têm sido os seus ídolos? Você já reconheceu que, diante do conhecimento do Deus único, todos eles - sejam "ilícitos" ou "permitidos" - devem ser eliminados?

Finalmente, sabendo que os que se dedicam a ídolos inúteis e passageiros se tornam como eles, até quando você não entenderá que "tudo aquilo que não é eterno é eternamente inútil"?




Por me gloriar somente Naquele que é eterno,



Soli Deo Gloria!