quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quando Deus usa megafones...

Dessa vez não demorei muito pra voltar.

Acredito que os textos anteriores tem sido um tanto mais aceitos pelos leitores - tenho buscado ser mais brando e menos áspero, admito - mas, na verdade, ao olhar para esse lado mais ameno de minhas reflexões, acho que falta alguma coisa. Sim, acredito que sou mais "eu mesmo" ou mais "autêntico" quando o "filtro" fica um pouco de lado e a verdade aparece como ela é. Então, que assim seja.


Sem perda de tempo, esse texto é, predominantemente, produto de minhas reflexões do livro "O problema do sofrimento", escrito por C. S. Lewis nos anos 40 do século XX e meu atual livro de cabeceira. Ao longo da leitura, me deparei com uma frase que me fez parar e pensar um bom tempo:

"O sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo". [C. S. Lewis]

Sofrimento.

Talvez essa seja a palavra mais odiada, combatida, não-aceita e incômoda para a existência humana. Não apreciamos o sofrimento. Fugimos dele diariamente, a todo instante. Não importa se somos religiosos ou não, ricos ou não, intelectuais ou não, brancos ou negros, brasileiros ou australianos, nada disso importa - ninguém gosta de sofrer [inclusive eu]. Mas o fato é que sofremos, muito ou pouco, mas sofremos. O sofrimento é algo inevitável para nós, seres humanos, e mesmo para toda a natureza - basta observar os desmatamentos, a poluição atmosférica e das águas (fluviais e marítimas), a pesca predatória e demais ações violentas contra a fauna (bem como contra a flora). De certa maneira, o sofrimento permeia toda a existência pelo Universo e, enquanto estivermos nesse corpo físico, todos nós estaremos sujeitos a ele. Não se iluda com slogans do tipo "pare de sofrer!" ou "seus problemas acabaram!" - não se iluda mesmo. O sofrimento sempre estará presente por aqui, quer queiramos ou não. 


Mas... o sofrimento é mesmo o megafone de Deus? Isso faz mesmo sentido?

Sim. Faz todo sentido.

Primeiramente, uma vez que cada um de nós (sem qualquer exceção) naturalmente não tem prazer ao lidar com o sofrimento [de modo que nos opomos a ele a qualquer custo], o que buscamos avidamente é estabelecer sobre nossas próprias vidas [assim como sobre as vidas dos outros] a "ditadura da felicidade". A Ditadura da Felicidade, como marca da sociedade hedonista e autocentrada de hoje, nos tornou surdos para a realidade que nos cerca - tão surdos que não percebemos os gritos silenciosos de nossa própria alma vulnerável aos sofrimentos do dia-a-dia e, especialmente, surdos em relação ao clamor e à dor do próximo. Mais do que nunca, estamos tão voltados para o nosso próprio umbigo - o que importa é a minha realização pessoal, é meu conforto emocional, é minha "consciência tranquila" [ou seja, o que importa é ser feliz e o resto é resto] - que, possivelmente, nossa maior necessidade é ouvir o alerta divino em alto e bom som: chorem com os que choram, defendam a causa da viúva, acolham o estrangeiro e o órfão, ouçam o clamor do pobre, levem os fardos uns dos outros. Deus ergue o Seu megafone e faz ouvir Sua voz; quem tem ouvidos para ouvir, ouça.


O mundo precisa ser despertado.

Curiosamente, a sociedade mais antenada, conectada, tecnológica e frenética é a mais desatenta e desapercebida do que está ao redor de si mesma - por exemplo, qual de nós não perde diariamente alguns bons minutos digitando mensagens no celular enquanto a vida acontece fora do WhatsApp? E não somente isso, estamos tão ocupados olhando nosso "inbox", publicando um novo "tweet" ou atualizando nosso Instagram e não vemos as pessoas nas esquinas sem comida, usando drogas, dormindo no chão frio [até mesmo em dias de chuva] ou, por outro lado, ignoramos aqueles que precisam de uma palavra de ânimo ou tão-somente de ser ouvidos por nós. 

Com isso, não quero afirmar que esses recursos tecnológicos não possam ser usados para o benefício do outro, porém na maior parte do tempo eles nos entorpecem para a "vida real" - nos afastamos uns dos outros, julgamos as pessoas apenas pelo "ter visualizado a mensagem" e não ter respondido, perdemos a oportunidade de cultivar amizades e bons relacionamentos "olhando nos olhos" ou mesmo ouvindo-se a voz do outro lado da linha durante aquelas ligações intermináveis. Nos tornamos viciados em superficialidade e, como resultado natural, o sofrimento do outro já não nos incomoda mais - a não ser que saiamos em desvantagem. Em contrapartida, Deus continua levantando Seu megafone e ressoando o Seu grito, como está escrito:

"Porque toda a Lei se resuma nesta palavra: amarás o teu próximo como a Ti mesmo". [Gálatas 5:14]

No entanto, a realidade que construímos mostra que estamos afundados em nosso egoísmo. Sim, precisamos ser despertados. 


Porém, esse não é o pior lado da história. 

Quando C. S. Lewis disse que "o sofrimento é o megafone de Deus para despertar um mundo surdo", ele mostra que Deus pode até sussurrar em nossos prazeres, entretanto Ele brada em meio à nossa aflição - ou seja, é no meio do desespero e da angústia que a voz Dele se torna mais audível, pois assim percebemos que não nos resta nada a não ser Ele. Além disso, a ideia de que o sofrimento é o "megafone de Deus" traz consigo o fato de que a "temporária felicidade" de muitos que vivem suas próprias vidas como bem entendem [fazendo o mal aqui e acolá] um dia dará lugar ao sofrimento. Jesus Cristo, Aquele que amparou e consolou todos os sofridos e angustiados que encontrou enquanto esteve entre nós, disse certa vez:

Mas ai de vocês, que são ricos, pois já receberam a sua consolação.
Ai de vocês, que agora tem fartura, porque passarão fome.
Ai de vocês, que agora riem, pois haverão de se lamentar e chorar. [Lucas 6:24-26]


Sim - foi Jesus que disse isso. Essa conversa de que Jesus era especialista em "passar a mão na cabeça", colocar "panos quentes" e "amaciar o ego" não tem nada a ver com o Jesus relatado nas Escrituras. Ele diz claramente, como se estivesse com um megafone em uma de suas mãos, "ai de vocês!" Ai! Ai! Posso tentar imaginar a cena, como se Ele gritasse veementemente aos ouvidos dos que estão sonolentos: "...escutem-me, ouçam a minha voz, pois os dias de alegria estão contados, a felicidade vai desaparecer repentinamente, a fartura vai deixar de existir e os risos darão lugar ao choro...". Na direção contrária, Ele diz bem perto do trecho anterior:

Bem-aventurados vocês, que são pobres, pois o reino de Deus pertence a vocês.
Bem-aventurados vocês, que agora tem fome, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir.
[...]
Regozijem-se nesse dia e saltem de alegria, porque grande é a sua recompensa no céu.
[Lucas 6:20-21, 23]


Resumindo, Jesus mostra que existem duas realidades simultâneas agora e que, no futuro, haverá uma inversão de realidades - alguns desfrutam da vida hoje conforme seus próprios conceitos e ignoram a Deus, enquanto outros sofrem perdas e escassez, todavia permanecem olhando para o Alto. Para estes últimos, o que está reservado é o reino de Deus [um reino eterno, onde não há tristeza ou pranto, e que jamais será destruído] mas, para os primeiros, Jesus fala que o sofrimento baterá à porta deles - baterá à porta e invadirá suas casas, destruindo tudo o que estiver lá dentro, de forma que nenhum deles poderá escapar. Sem delongas, esse será um sofrimento eterno e irreversível, pois a Voz que assim proclamou é a voz divina, diante da qual a terra e o inferno tremem. Logo, é qualquer um de nós que pode ousar tentar resistir?


O megafone de Deus ainda soa e nos avisa firmemente para "sairmos sem olhar para trás" antes que o "fogo e enxofre" advindos de Sua ira caiam sobre nós e nos consuma, a fim de que possamos buscar a Ele enquanto Ele pode ser achado e invocá-Lo enquanto Ele está perto - mas não O busquemos de qualquer maneira, pois apenas os que O buscam de todo o coração O encontram. Desse modo, nos encontramos com Aquele para Quem fomos criados e, assim, desfrutamos da vida eterna, que consiste em conhecê-Lo como único Deus verdadeiro e a Quem Ele enviou, Jesus Cristo.

Você tem ouvido o som do megafone de Deus - tem olhado para o sofrimento do outro com compaixão, aceitado as aflições da vida como algo inevitável e, sobretudo, já foi despertado para a realidade do sofrimento eterno para que O busque? Não seja como os "surdos da cidade dos homens", mas faça parte da "gente que consegue ouvir".





Pela alegria de ter ouvido a Voz dele e ter seguido,





Soli Deo Gloria!

Nenhum comentário:

Postar um comentário