segunda-feira, 9 de maio de 2016

Entre o rigor e a misericórdia...

Depois de aproximadamente dois meses de abstinência forçada – meu velho e querido computador estava em manutenção -, estou de volta.

Não quero perder muito tempo com detalhes desnecessários, visto que em dois meses muitas idéias e reflexões surgiram - embora não fosse possível publicá-las, uma a uma. Dessa maneira, decidi expor alguns breves pensamentos sobre um “impasse” que tem ocupado minha mente, cuja inspiração é o título de uma composição do Lobão: a tensão entre o rigor e a misericórdia. Por fim, parafraseando outra canção, espero “que o desenlace desse impasse termine em valsa”, se assim Deus o conceder.


Rigor e misericórdia.

Inicialmente, é bom considerar que, ao ouvirmos a palavra “rigor”, logo nos remetemos a exigências, à submissão a um padrão determinado, a severidade ou mesmo a arbitrariedades quaisquer, de modo que o adjetivo relativo “rigoroso” normalmente não tem uma reputação positiva – ora, não gostamos de nos submeter a normas inflexíveis, de seguir padrões que não combinam com nossas próprias opiniões ou mesmo de nos adaptar a certas imposições externas inesperadas ou repentinas. Por outro lado, quando a situação está a “nosso favor”, simplesmente tudo muda como que “da água para o vinho” – isto é, temos a tendência de abusarmos quanto à medida desse “rigor” ou mesmo de exigir dos outros o que nem nós mesmos somos capazes de atender, o que faz alusão à máxima do revolucionário comunista Trotsky sobre a duplicidade moral: “uma é a nossa moral; outra é a moral deles” [entenda-se “deles” como uma palavra referente aos inimigos da revolução, neste caso].

Por outro lado, quando escutamos a palavra misericórdia, a sensação inicial é oposta à anterior, pois “misericórdia” aponta diretamente para a idéia de favor, condescendência, compaixão, clemência ou [conforme a raiz do significado das duas palavras que dão origem à expressão] de “ter o coração propício à miséria alheia” – “miseriæ” = miséria (latim) + “καρδιά/cardiá” = coração (grego). Entretanto, da mesma maneira, a tendência humana – e isso atinge a nós todos, sem exceção, seja mais claramente, seja mais discretamente – é de sempre exigir mais misericórdia [uma vez que cada um se julga digno e merecedor de mais benefícios] e de demonstrar menos dela, fato que se justifica com base na mesma “duplicidade moral” supracitada ou no conceito de que o próximo não é “tão merecedor” dos mesmos benefícios que eu devo receber. Nesse contexto, se fazem pertinentes algumas palavras presentes no Evangelho de Mateus, nas quais Jesus Cristo afirma que “com o juízo com que julgarmos, seremos julgados, e com a medida com que medirmos os outros, nós seremos medidos” – ver Mateus 7, vs. 2.


Logo, eis o dilema: qual dos dois escolher?
O rigor? A misericórdia? Os dois?
Quanto? Quando? Como?
Espero ser bem-sucedido na tentativa de buscar uma solução.

Dessa forma, tendo sido postos os fundamentos básicos para a exposição do tema, uma das aplicações mais oportunas desse “dilema” é o quadro nefasto do mundo moderno, que pode ser resumido nas palavras afiadas do profeta hebreu Isaías [conforme o livro que leva o seu nome], que disse “...ai daqueles que chamam ao mal ‘bem’ e ao bem ‘mal’, que chamam a luz de ‘trevas’ e as trevas de ‘luz’, que chamam ao amargo ‘doce’ e ao doce ‘amargo’...” (Isaías 5, vs. 20). Ou seja, a lei, o senso comum, a norma basilar de conduta é a “inversão total” de todo e qualquer valor ou padrão – como escrevi no post anterior, “o que não é, é... e o que é, não deveria ser”. Logo, dentre as diversas manifestações dessa “inversão”, está o fato de que o “rigor” é algo cada vez mais “démodé” [ou “fora de moda”] e, em contrapartida, a “misericórdia” é usada de modo cada vez mais banal e leviano - por exemplo, a grande parte daqueles que cometem crimes (inclusive hediondos) são apenas “vítimas da sociedade e do sistema desigual” [e, por isso, não podem ser responsabilizados pelos delitos que cometem – é muito “rigor”, não?], ao passo que se busca, de todas as maneiras possíveis e imagináveis, ou justificar o injustificável ou ter misericórdia de quem não é miserável mas, pelo contrário, promoveu e promove miséria [como, por exemplo, as centenas de milhões de mortos por proponentes de uma “ideologia” – ou seria uma religião política? - que devastou o século XX com genocídios por todo o mundo ou a legitimidade de uma religião que matou mais de 600 milhões de pessoas desde o seu surgimento até hoje]. Em suma, é “falta de rigor” com quem merece rigor e misericórdia desperdiçada com quem não está apto para recebê-la.


Além disso, outro aspecto explicitado no texto profético é que o destino preparado para aquele que “chama o mal de bem e o bem de mal” é indicado pela interjeição “ai!” – isto é, “quem dera não fosse verdade!”, “que desventura!” ou, fazendo menção da declaração de Jesus a respeito de Judas Iscariotes, o traidor: “melhor lhe seria não ter nascido!” [Marcos 14, vs. 20b]. Em outros termos, o que está por vir sobre todos esses “agentes de perversão” é somente rigor, com total ausência de misericórdia – neste caso, não haverá dilema algum, pois está escrito a esse respeito que “assim como a palha é consumida pelo fogo e o restolho é devorado pelas chamas, assim também as suas raízes apodrecerão e as suas flores, como pó, serão levadas pelo vento, pois rejeitaram a Lei do Senhor e desprezaram a palavra do Santo de Israel” [Isaías 5, vs. 24]. O texto é claro – a razão da punição “com todo o rigor” é a rejeição da Lei de Deus e o desprezo para com a Sua Palavra, mas... Como pode ser isso? Um livro antigo, “ultrapassado”, retrógrado, “homofóbico” “machista”, “racista”, "fascista”, [“motorista”, “taxista”, “eletricista” etc.] realmente deve ser considerado digno de tal reverência? Antes de tudo, uma coisa é certa: a sua opinião (nem qualquer outra) a respeito não faz a menor diferença.

Todavia, agora, respondendo à pergunta, “o meu voto é sim!” - uma vez que esse “livro” não é somente mais um “livro”, mas é um livro que afirma ser “a verdade” [João 17, vs. 17], bem como que está “para sempre firmado no céu” [Salmo 119, vs. 89], que é “lâmpada para os pés e luz para o caminho” [Salmo 119, vs. 105], sendo também “poderoso para salvar a alma” [Tiago 1, vs. 21] e que, na prática, ao longo desses dois milênios da chamada “era cristã”, mudou civilizações inteiras e construiu outras [particularmente a nossa “civilização ocidental”, que está cada vez mais entrando em colapso, exatamente pelo abandono deliberado do “Livro”], tornou homens maus e incrédulos em homens piedosos e sábios (a exemplo de muitos dentre os chamados “Pais da Igreja” e os “teólogos reformados”), levantou incontáveis mártires que deram suas vidas [o que existe até hoje, enquanto você está lendo esse texto] por sua fidelidade à mensagem do “Livro” (como os famosos Policarpo de Esmirna ou Jan Huss, além da desconhecida Blandina de Lyon e Latimer da Inglaterra) e que, acima de tudo, continua a fazer com que homens e mulheres pecadores, em todo lugar, percebam a sua condição e, conscientes da condenação divina que está sobre eles, recorrem ao único escape possível, o qual [ironicamente] é DeusDeus encarnado, o Deus-Homem, Jesus Cristo, o único Mediador, aquele em quem o Criador reconciliou consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados [1 Timóteo 2, vs. 5 e 2 Coríntios 5, vs. 19].


No entanto, o dilema continua em suspenso... Rigor ou misericórdia?

Bem, a partir da realidade de que, em primeira instância, o veredicto que pesa sobre todos nós, seres humanos, é “rigor total e misericórdia zero”, pois “todos os que tropeçam em um ponto da Lei de Deus se tornam culpados de transgredir todos os outros” [Tiago 2, vs. 10] e, dessa forma, “...todos os que estão debaixo da Lei estão debaixo de maldição, pois ‘maldito todo aquele que não atentar para todas as coisas escritas na Lei, para as cumprir’...” [Gálatas 3, vs. 10], de modo que a tensão diante da qual estamos não tem uma resolução feliz – melhor, tem a resolução mais infeliz que se poderia imaginar -, será que há algum espaço, por menor que seja, para misericórdia?

Sim, existe espaço – pois, quase que no mesmo lugar, está escrito que “a misericórdia triunfa sobre o rigor” [Tiago 2, vs. 13 – adaptado].


Mas, como que funciona esse triunfo?

Bem, essa é a parte da postagem que resolve o nosso “dilema” - pois, para que a “misericórdia” triunfasse, foi necessário rigor, muito rigor, o rigor mais horripilante que se poderia conceber - visto que a maior demonstração de misericórdia jamais dada [antes, hoje e para sempre] incluiu o rigor de Deus em satisfazer a Sua demanda por justiça, de maneira que o próprio Deus teve que suportar esse rigor em seu corpo e em sua alma, pois Ele suou gotas de sangue enquanto orava angustiado na solidão do jardim [Lucas 22, vs. 44], disse “tenho sede...” [João 19, vs. 28b] poucos momentos antes de morrer crucificado em aparente vergonha e deu o grito mais indecifrável da história: “...Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” [Mateus 27, vs. 46], sobre o qual afirmou certa vez Martinho Lutero: “...após algumas horas lutando para compreender essa passagem, reconheci que ‘Deus abandonando Deus’ está muito acima de qualquer compreensão...”. De fato, Deus resolveu o dilema de se escolher “entre o rigor e a misericórdia” unindo ambos em um só ato e em Si mesmo, para que a Sua sabedoria, que “torna louca a sabedoria deste mundo”, fosse manifestada a todos, na terra e nos céus, a fim de que Seu plano eterno de salvar um povo para Si fosse cumprido e, assim, Seu nome fosse glorificado como Lhe é devido – ou seja, “entre o rigor e a misericórdia”, devemos aprender com Ele, que conciliou a dureza requerida para apaziguar Sua ira com a bondade necessária para efetuar a Sua redenção.  


E nós? Como temos agido?

Agimos somente, e em todas as circunstâncias, com um rigor seco e desprovido de graça?
Ou, por outro lado, temos sido “politicamente corretos demais”, vendo luz onde só existe trevas, quando Jesus Cristo afirma que “se a luz que há em nós é na verdade trevas, quão grandes trevas serão” [Mateus 6, vs. 23]?




Pela alegria de que Ele foi “rigorosamente misericordioso” comigo,





Soli Deo Gloria!

Nenhum comentário:

Postar um comentário