quinta-feira, 14 de maio de 2015

Onde se esconde a sobriedade?

Maio de 2015.

E, nesse dia 14, espero que esse seja um post diferente. 

Maio é um mês importante para mim, especificamente, visto que fiz aniversário há alguns dias e, sempre quando passo por essa data, lembro que completei mais um ano de vida, embora por outro lado esteja ficando mais perto da morte - ora, nossa vida na terra tem um tempo determinado e, a cada dia que vivemos, estamos [de certo modo] mais próximos do fim de nossa "vida breve"

Mas não é sobre isso que esse post irá tratar. Vamos em frente, que o tempo passa depressa. 


O título deste texto se inspirou num pequeno verso de uma canção chamada "Autêntico", de autoria de um amigo poeta chamado Álvaro Jr. [a qual dá nome ao respectivo álbum]. Nessa canção, o autor faz diversos questionamentos interessantes sobre a verdade, a vida e principalmente no que se refere à relação do homem com Deus - alguns dos quais já inspiraram textos neste blog, como nas séries "Por que as verdades tem autonomias?" e "Por que as mentiras tem teologias?". Nesse texto, porém, a pergunta que me saltou violentamente à mente foi "Onde é que se esconde a sobriedade?". Espero ter êxito ao buscar descobrir a resposta para tal bem como influenciar os leitores desse texto a buscarem essa "sobriedade perdida", começando por mim mesmo.

Sobriedade.

Sobriedade, segundo o site www.lexico.pt, indica "característica de sóbrio", "comedimento, temperança", "seriedade", "humildade ou modéstia" ou ainda "singeleza ou simplicidade". Na prática, a sobriedade é algo que está diretamente ligado com equilíbrio, sensatez ou uma espécie de "auto-vigilância" e, em contrapartida, o exemplo mais comum de "desvio de sobriedade" pode ser visto em alguém que está alcoolizado, visto que o entorpecimento causado pelo abuso da bebida ingerida (seja cerveja, vodka, vinho ou outra qualquer) pode implicar perda dos sentidos, falta de domínio sobre os movimentos do corpo, falta de controle emocional e sobre as atitudes naturais ou, em casos mais graves para a saúde, o que chamamos de "coma alcoólico" ou a overdose propriamente dita. Em suma, o bêbado é também chamado de "ébrio", o que seria um antônimo de "sóbrio". 


No entanto, não existe "desvio de sobriedade" apenas quando o assunto é bebida alcoólica, pois existem outros tipos de entorpecentes ou "narcóticos" [como a cocaína, o crack, o ecstasy, a heroína etc.], os quais normalmente são ainda mais danosos à saúde física e emocional de quem usufrui [se é que isso possa ser chamado de usufruto] deles, bem como de quem cerca essas pessoas. 

Todavia, não é desse tipo de entorpecimento e de desvio de sobriedade que quero tratar neste post. O assunto aqui é o entorpecimento do coração, da alma, da mente.

Na verdade, os entorpecentes mais nocivos são aqueles que contaminam e subjugam o nosso coração, alma e mente, os quais, curiosamente, são tratados com maior naturalidade do que os anteriormente citados ou até mesmo são considerados "virtuosos" aos nossos olhos, quando deveriam ser alvo de nossa indignação e luta a fim de que não sejam mais parte de nós. E, nesse sentido, nada pode ser mais mortal do que o entorpecente chamado "amor a si mesmo", "ensimesmamento" ou, num termo mais simples, "egoísmo ou egocentrismo". De fato, nós somos "viciados em nós mesmos", como dizia o teólogo alemão Martin Luder: "...por causa de sua natureza caída e atingida radicalmente pelo pecado original, o homem é tão encurvado sobre si de forma que não consegue perceber que ele busca todas as coisas, incluindo o próprio Deus, pensando em si mesmo...". Ou ainda, nas palavras adaptadas do teólogo norte-americano Jonathan Edwards: "...até quando temos sentimentos aparentemente bons, como a gratidão a Deus, podemos cometer pecado, pois essa gratidão só é digna quando se baseia em ser grato a Deus pelo que Deus é em Si mesmo, e não por causa de algum benefício que Ele nos concede...". Esse é um post feito para que todos nós deixemos de confiar em nós mesmos, para que renunciemos toda crença de que em nós há alguma excelência intrínseca, pois "somente Deus é bom, de forma que só podemos expressar bondade quando Deus compartilha conosco Suas virtudes". 

Em termos mais práticos, somos repletos de autopiedade quando nos revoltamos com os outros e com as circunstâncias quando algo nos desagrada, buscamos nos relacionar com as pessoas tendo em vista "o que podemos ganhar com isso" e, o que ainda é mais detestável, quando pensamos na bondade de Deus [incluindo a própria morte de Jesus para salvação dos pecadores] e acreditamos que isso mostra o quanto somos "valiosos em nós mesmos" e não o quanto somos vis, uma vez que "Cristo morreu por pecadores, o Justo morreu pelos injustos, Deus nos reconciliou com Ele quando ainda éramos Seus inimigos" - é isso mesmo, você não é "mais raro que o ouro puro de Ofir", você não é precioso [nem mesmo o Um Anel é precioso, embora o Sméagol assim o chame]; nenhum de nós é nada. Partindo-se do fato de que a Bíblia é a verdade divina para a humanidade, ela diz que "foi do agrado de Deus que TODA plenitude habitasse em Cristo" e que "Cristo é tudo em todos", de maneira que tudo fora Dele é nada, é vazio, oco, vão, inútil e descartável e que só é possível "ser" alguma coisa quando "se é" Nele. Está na hora de sermos sóbrios e deixar de nos iludir com nós mesmos. 


Entretanto, algo em particular tem me deixado inquieto nos últimos dias e que, no fim das contas, me moveu a escrever esse texto. Como alguém que vive em um contexto religioso cristão, tenho observado as diversas nuances relativas à cristandade, no meu país e fora dele - dentre as quais posso destacar o dito "evangelho pós-moderno" [cheio de sincretismos, com foco na realização pessoal do homem, com um conteúdo raso e diluído e que, por isso, nem deve ser chamado de evangelho] e um movimento "neo-ortodoxo", primordialmente de influência reformada ou "calvinista", por assim dizer. Eu, pessoalmente, amo e apoio a cosmovisão cristã decorrente do pensamento reformado, posteriormente ampliada pelos puritanos e, mais recentemente, pelos "neocalvinistas", contudo o que muitas vezes tenho visto ao me enxergar no espelho assim como ao observar alguns daqueles que estão "do mesmo lado" é um poço de prepotência, arrogância, zombaria inútil e ausência de bons frutos, os quais estão, no máximo, nos lábios ou no cérebro através de trechos de "livros reformados" que foram lidos, e somente lidos. Ora, os demônios sabem que Deus é único e verdadeiro e temem; por que cargas d'água, então, lidamos com Ele de maneira tão carnal e superficial, como se fôssemos iguais àqueles que não têm mais esperança de redenção?

Em outras palavras, se julgamos ter uma perspectiva de Deus e da vida que seja em si mesma a mais próxima da "verdade divina" [no sentido de que, quanto às coisas de Deus, só é possível se conhecer em parte], o quanto isso tem nos levado a sangrar nossos joelhos diante Dele em oração pelo prazer de estarmos com Ele bem como a amar aquilo que Deus ama - e, como resultado, à obediência a Ele? Essa é uma declaração de auto-confronto, pois eu sei que eu amo a Deus muito pouco [e isso deve me fazer ter vergonha de mim mesmo], que eu não priorizo a Ele da maneira que Ele é digno de minha prioridade, eu sei que eu sou mais miserável do que eu ou qualquer outro pense e reconheça e que esse post não é um ato nobre de minha parte, como se o fato de eu escrever essas coisas aqui mostrasse "o quanto que sou humilde" - eu realmente não posso ser hipócrita e demagogo a esse ponto. 


Resumidamente e sem filtro, está na hora de deixarmos a "zoeira de whatsapp e de facebook" juntamente com seus memes e conversas que destilam desprezo por aqueles que também são nossos irmãos [caso todos nós estejamos em Cristo] e irmos até Deus com vergonha de nossa própria mediocridade, confessando que estamos "entorpecidos" pelos conhecimentos que temos adquirido mas que estão inertes em nossa conduta, ou seja, está na hora de "reencontrarmos a sobriedade", sobriedade que temos escondido com nossa própria vaidade disfarçada de piedade e zelo por Deus. Deus não se convence com nossa religiosidade, com nosso conhecimento teológico nem com nada que possamos oferecer a Ele - Deus só se agrada daquilo que vem Dele mesmo, pois está escrito que Ele nos fez "agradáveis a Si mesmo no Amado", isto é, Deus é quem nos torna prazerosos a Si mesmo e Ele faz isso em Si mesmo, pois o Amado, que é Cristo, é a Sua própria imagem. Vamos desistir dessa idéia idiota de zombar dos outros por causa de "teologias" - ou parafraseando o que Paulo escreveu na carta aos Romanos: "não destrua por causa da teologia aquele por quem Cristo morreu" -, especialmente se somos desses "neoreformadinhos de internet" e que achamos que estamos acima do bem e do mal bem como dos adeptos de "Missão Integral" ou daquele "cristão pentecostal". Nesse contexto, se fazem pertinentes os versos da canção "Oração" dos irmãos André e Tiago Arrais, que diz: 

"E pela fé caminho até avistar o Autor da minha fé
E o que eu posso oferecer para honrar quem Ele é?" 

Ou, ainda, o trecho da canção "Cartão-postal", de Lorena Chaves e Marcos Almeida:

"Quem tem o dom de subverter o mal com a Verdade
Sabe também que não pode confiar na própria vontade..."

Ou, finalmente, nas palavras de Santo Agostinho: "O homem deveria ter vergonha de ser orgulhoso, visto que Deus foi humilhado por amor a ele". 


Finalmente, não poderia deixar de citar que as Escrituras apontam o amor como "o caminho sobremodo excelente", de tal sorte que as virtudes mais admiráveis são consideradas como nada ou totalmente desprezíveis na ausência de amor, chegando a dizer que "se conhecermos todos os mistérios e toda a ciência" [como, por exemplo, o mestre da Lei Nicodemos citado no cap. 3 do evangelho de João] e não tivermos amor, de nada valerá - nessa história, Jesus põe em xeque toda a suposta intelectualidade daquele "rabino", mostrando que o que importava mesmo era nascer de Deus, ser regenerado por Deus. Além disso, as Escrituras dizem que "se entregássemos toda a nossa fortuna para os pobres e déssemos o corpo para ser queimado" sem amor [como era a vida do fariseu orgulhoso da parábola do cap. 18 do evangelho de Lucas], tudo seria inútil. Ou seja, é possível fazer uma "boa ação exterior" - até mesmo um auto-sacrifício - sem a motivação do amor ou buscando honra e reconhecimento, de forma que Deus automaticamente desprezará tal ato e aquele que o fez, e fará isso de modo implacável. 

Onde se escondeu a sobriedade dos que deveriam ser sóbrios? 
Por que estamos tão ensimesmados, tão voltado para nosso ego ou, fazendo um neologismo, tão "umbigocêntricos"? 


Deus é claro em afirmar, pelas Escrituras, que "não dará a Sua glória a outrem" [livro de Isaías, cap. 48, vs. 11], isto é, Ele é digno de tudo e tudo o que não é Deus não é digno de coisa alguma. Enfim, a sobriedade de que todos nós precisamos [sejam aqueles que ainda não se voltaram para Deus com o coração arrependido por causa dos próprios pecados a fim de olharem para Jesus Cristo para serem salvos, sejam os que dizem seguir o Mestre mas ainda estão voltados demais para si mesmos] é aquela que nos faz temperantes, equilibrados, moderados em tudo - ora, temperança é fruto do Espírito de Deus - de forma que esse equilíbrio se dá pela supremacia de Deus em todas as coisas, a fim de que somente Ele seja visto e glorificado, como disse Jesus: "assim resplandeça a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as boas obras de vocês, e glorifiquem ao Pai que está nos céus". Que diminuamos a fim de que Ele cresça. 





Pela certeza de que tenho o que me falta Nele,




Soli Deo Gloria!

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