segunda-feira, 19 de setembro de 2011

“Não estou no mercado gospel e não pretendo estar” - por Gladir Cabral


Gladir Cabral é um mûsico como poucos. Doutor em Literatura, professor universitário, compositor, poeta... carrega uma mistura única de repertórios. Também é homem de opinião, como você pode ler a seguir na entrevista que ele deu a Antognoni Misael, do blog Arte de Chocar.

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Em 2009 foi lançado o DVD Casa Grande, um trabalho diferenciado tanto pela formatação de cenário, textura musical e letras recheadas de imaginário, poesia e celebração à vida. O que vem por aí no próximo DVD? Alguma outra novidade podemos aguardar?


Gladir Cabral: O primeiro DVD foi uma surpresa que ocorreu em minha vida, um presente de Deus. Não desejei nem planejei realizá-lo. Fui procurado pelos amigos da Luz para o Caminho, que fizeram a proposta. Não tenho planos para outro DVD e talvez essa experiência nunca mais venha a se replicar. Tenho vontade, sim, de gravar outro CD, voz e violão, algo bem simples e despojado, mas ainda não tenho persepectiva de como isso venha a ocorrer.

Músicas como “Casa Grande” e “Terra em transe” trazem abordagens interessantes sobre questões sociais, de meio ambiente. Na sua ótica, o que torna uma música cristã, mesmo que esta trate de assuntos seculares? E como você relaciona adoração e música?

Gladir: Seguindo uma tradição Reformada, não vejo fronteiras definidas que separem atividades sagradas e mundanas. A vida cristã é um todo indivisível. Minha fé em Cristo está diretamente ligada à minha vida familiar, profissional, pessoal e social. Vivo segundo o princípio de Colossenses 3.17: "Tudo o que fizerem, seja em palavra ou em ação, façam-no em nome do Senhor Jesus, dando por meio dele graças a Deus Pai". Portanto, não há compartimento desvinculado do Reino de Deus em meu viver.
Dessa maneira, quando canto sobre o meio ambiente ou sobre os dilemas da escravidão humana, faço-o tranquilamente, tentando ver todas as coisas sob a ótica da fé em Cristo. A partir de Romanos 12, entendo a vida - em todos os seus variados aspectos e tensões - como um serviço de adoração a Deus. Nesse sentido, todas as minhas canções estão diretamente relacionadas a esse "culto racional", no seu sentido mais amplo, existencial, histórico, corporal.
Entretanto, nem todas as canções são litúrgicas no sentido convencional, visto que não são diretamente relacionadas a uma parte da liturgia tradicional ou mesmo contemporânea. Mesmo as que não são "litúrgicas", costumo cantá-las em minha Igreja, quando prego, geralmente para ilustrar uma parte da mensagem ou em algum outro momento do culto.
Não há música cristã, há cristãos que fazem música. Um cristão pode cantar vários gêneros musicais, ler vários poemas, contar histórias, parábolas, romances. Se um cantor secular, sem qualquer experiência pessoal com Deus, canta "Amazing grace" para um filme de Hollywood, ele está cantando só uma música popular. Se um cristão sinceramente canta "Amanhã, vai ser um novo dia, da mais louca alegria...." e a enche de plena significação, essa canção deixou de ser só uma música pop.
Para mim, o grande critério para avaliar uma canção popular ou qualquer forma de arte feita por cristãos é saber até que ponto ela reflete, abriga ou transmite os valores do Reino de Deus. Às vezes, a mensagem cristã pode estar explícita na letra; outras vezes ela pode estar implícita. Tudo depende da hora em que se canta, do local e para quem se cantam as canções.

O Cristão pode tocar secularmente? Você o faz? 

Gladir Cabral: Como disse, não creio na dicotomia religioso vs secular. Entendo a profissão de músico como digna para ser seguida por qualquer cristão, seja numa banda militar, numa orquestra sinfônica, num grupo de jazz, num estúdio, etc. Entretanto, certos ambientes são potencialmente perigosos para qualquer pessoa e a longo prazo podem trazer danos à saúde e à vida familiar.
Conheço muitos músicos que tocam na noite, mas estabelecem limites, seguem princípios sobre o que tocar, até quando e em que ambiente. Muitos deles não fazem o que gostam e admitem as dificuldades. Acabam tocando um repertório pobre, por obrigação, e não o que gostariam de tocar.
Eu não sou músico profissional, sou professor. Ser professor hoje é tão difícil quanto ser músico. Na verdade, qualquer profissional cristão em qualquer área enfrentará dilemas éticos, conflitos, lutas, provações e correrá riscos. E creio firmemente que é preciso que haja cristãos comprometidos com o evangelho de Cristo tocando na noite, nas feiras, nos hotéis, a fim de darem testemunho do evangelho. Isso não é nada fácil.


Ao que notamos, a relação “imaginação/criação” e “Deus/igreja” passa por uma crise séria no Brasil. Gostaria que explanasse um pouco sobre a relevância da criatividade na vida cristã e na igreja baseado em sua experiência de vida. 

Gladir Cabral: A imaginação é uma dimensão importante da vida humana. O Criador nos fez com essa capacidade criativa. Todos os inventos que hoje utilizamos em nosso dia a dia foram um dia imaginados na cabeça de alguém e depois viraram projeto. Sem imaginação, não há transformação da realidade, não há alegria, não há vida. A própria Escritura foi feita utilizando o recurso da imaginação: histórias, parábolas, poemas, canções...
Precisamos redescobrir o valor da imaginação em nossa prática cristã cotidiana, na comunicação do evangelho, na arte, na vida diária. Há um grupo de cristãos nos Estados Unidos que desenvolve um projeto muito interessante em relação ao uso da imaginação na leitura das Escrituras, sob a liderança do músico cristão Michael Card: http://www.biblicalimagination.com.

Já são sete Cd’s, um DVD, belas canções, mesmo assim dificilmente encontraremos Gladir Cabral nas paradas do “Sucesso Gospel”. Queria que falasse um pouco sobre seu posicionamento no mercado fonográfico, seu público, sua arte, seus sonhos.

Gladir Cabral: Não estou no mercado gospel e não pretendo estar. A música em minha vida é vocação, ministério. Para mim as canções são parte de minha vida e de minha atuação no mundo como ser humano e como servo de Deus, não são produtos a serem vendidos, rotulados, comprados, etc. Estou tranquilo em relação a isso. Vou levando desse jeito, ocupando espaços que me cabem, aceitando convites para pregar e cantar nas igrejas, universidades, colégios, interagindo com as pessoas via web e pessoalmente.

Quais foram as suas influências musicais, e queria que citasse alguns nomes atuais que você tem por referência.

Gladir Cabral: Minhas influências musicais foram muitas e não tenho como lembrar de tudo o que ouvi e que me influenciou ao longo da vida: a música caipira, os hinos antigos, os Beatles, Bob Dylan, Chico Buarque, Gil, o Clube da Esquina, Beto Guedes, Milton, Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Vencedores por Cristo, Jorge Camargo, João Alexandre... Quem mais? Não dá para nomear.
Na música popular contemporânea, há muita gente fazendo coisas belíssimas: Mônica Salmaso, Lenine, Sara Tavares, Dulce Pontes... Não ouço rádio. Quando que me interesso por um músico, pesquiso e passo a ouvi-lo.

Com que perspectiva você avalia a igreja brasileira atual, e a música evangélica em geral?

Gladir Cabral: Não há igreja brasileira atual, há igrejas brasileiras. A realidade é muito complexa e não dá para generalizar. Ninguém representa a Igreja brasileira hoje. Ninguém pode falar em nome dela. Temos um amontoado de movimentos, instituições religiosas, denominações, seitas mil... Cristo não pode ser confundido com isso tudo. Hoje em dia até mesmo o título de evangélico não quer dizer nada. Por exemplo, eu não me sinto representado pela chamada bancada evangélica em Brasília. Aliás, não quero qualquer vinculação com eles. Sou cristão, e só. Sou pastor reformado, e só.
A música chamada evangélica também está na mesma confusão. Não gosto de música gospel. Ela não me diz nada, não me toca. Respeito quem a faz, mas não consigo ouvi-la e muito menos cultivá-la. Gosto dos hinos antigos. Gosto de música não-comercial, gosto do artesanal, do pessoal, do autêntico. Gosto de música popular brasileira em seu sentido amplo e verdadeiramente popular, não no sentido que a mídia rotula.
Ouço com muita atenção e prazer o som de Jorge Camargo, Gerson Borges, João Alexandre, Stênio Marcius, Nelson Bomilcar, Aristeu Pires, Vencedores por Cristo, Diego Venâncio, Silvestre Kuhlmann, Glauber Plaça, Fabinho, Carlinhos Veiga, Rubão, Roberto Diamanso, Sal da Terra, Alma e Lua, Aline Pignaton, Banda de Boca, Gerson Samuel, Crombie, e muito mais gente que não citei.
Fora do Brasil, acompanho os passos de Michael Card, Sara Groves, Phill Keaggy, Andrew Peterson...

Gladir, desde já queremos agradecer pelo carinho que fomos recebidos e pela sua disponibilidade. Que Deus possa te abençoe grandemente. Alguma consideração final a fazer?

Gladir Cabral: Muito obrigado pelo convite. Embora a música seja uma dimensão importante da minha vida, há outra parte que amo também profundamente: o silêncio. Costumo silenciar meu coração em oração. Esse exercício tem me ensinado muito a ouvir a voz do Senhor, a esperar, a aquietar o coração. Estar aos pés do Senhor, como fez Maria, é a melhor parte (Lc 10.38-42).








Soli Deo Gloria!

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