Depois
de relatar resumidamente a respeito da fundação da RPCA - República Popular do
Corinthians da América – acho que perdi quase todos os meus leitores depois
desse post, exceto os leitores campeões invictos -, quero voltar à série de
textos baseados na pergunta “por que as verdades têm autonomias?” e, nesse
retorno, acredito que vou incitar algumas objeções mais relutantes e até mesmo
consolidar alguns desafetos.
Que seja.
Eu,
sinceramente (perdoem-me a franqueza temperada com um pouco aspereza), não me
importo nem um pouco em bajular ou em “agradar” pessoas. Ora, eu sou
subversivo. Os subversivos são as “ovelhas-negras da família”, não é? Sem mais
delongas, vamos ao que interessa.
Além
da “verdade” de que existem várias “verdades” igualmente válidas e legítimas
por si mesmas e da “verdade” do etnocentrismo cultural-religioso “cristão”
(particularmente no que tange à supervalorização de certas culturas e costumes
em detrimento de outros, que julgamos inferiores e/ou descartáveis), outra “verdade”
cada vez mais “autônoma” me incomoda bastante: a “verdade” da
“superespiritualidade” ou do excesso de espiritualização. Trocando em miúdos,
me preocupo seriamente com o pensamento bastante difundido entre as diversas
comunidades cristãs de que “tudo é espiritual”... Mais precisamente, com o modo
como os cristãos compreendem o que significa “tudo é espiritual”. Deixem-me
explicar.
Primeiramente,
é verdade que a vida não é somente a vida material. Nós não somos somente pele,
ossos, órgãos, moléculas, átomos e íons. Somos seres com consciência, vontade,
emoções, sentimentos, pensamentos, intelecto. Somos “almas viventes” (Gênesis
2:7) onde há um fôlego de vida [o espírito]. Entretanto, além de nós, muito
acima de nós, infinitamente superior a nós, está Deus. Na Escritura se lê que
“Deus é Espírito” (João 4:24). Logo, podemos dizer que existe o “mundo
material” e, numa instância diferente, o “mundo espiritual”. Desse modo, como
Deus é soberano sobre tudo o que existe (seja visível ou não – Colossenses
1:16-17), pode-se concluir, por assim dizer, que o “mundo espiritual”
influencia ou determina o que acontece no “mundo material”. Portanto, a
conclusão mais lógica é que, de fato, “tudo é espiritual”.
Será?
Se for, como?
Por
outro lado, a afirmação de que Deus é soberano sobre todas as coisas e exerce a
Sua vontade sobre tudo de modo irrevogável não significa que “tudo é
espiritual”, pelo menos como a maior parte dos cristãos parece entender. Por
exemplo, o fato de pessoas que moram num país tropical e quente ficarem doentes
com resfriado ou gripe por estarem num país de clima frio rigoroso por ocasião
de um projeto missionário [experiência própria] - ainda que ao mesmo tempo -
não necessariamente é uma “investida do inimigo” ou “obra do diabo” (somente
porque é um projeto missionário) – na verdade, pode ser simplesmente uma reação
fisiológica normal e esperada num caso como esse. Um “tweet” expressando
alegria por um título de seu time de futebol não é idolatria. “Na real”, se o
time do autor do tweet fosse o mesmo daquele que o chamou de “idólatra”, não
haveria idolatria nenhuma. Isso é ridículo. Idólatra é quem substitui Deus por
qualquer outra coisa, deificando essa outra “coisa” (seja dinheiro, família,
uma imagem de escultura, a própria espiritualidade ou ele mesmo), não quem faz
uma brincadeira em menos de 140 caracteres num microblog da internet. Mesmo que
os homens, desde a ocasião da Queda, venham constituindo para si mesmos seus
próprios “deuses”, a glória de Deus continua e continuará intacta (Isaías
42:8). É tolice pensar que nossos tweets sejam capazes de ofuscar a suprema
glória que somente a Ele pertence. Pronto, falei.
Mas,
qual é o real significado do “tudo é espiritual”?
Pensando
bem, essa afirmação está errada. Embora alguns entendam corretamente o que se
quer dizer com “tudo é espiritual”, o correto seria dizer que “Deus exerce
controle sobre todas as coisas, independentemente de como o exercício desse
controle por parte Dele se nos apresenta” ou que “todos os aspectos da
existência humana são (ou devem ser), de certa maneira, divinos”. Para melhor
ilustrar a minha idéia, se faz oportuno citar meu amigo Paulo, em sua carta aos
Romanos, onde se lê:
“Quem
és tu, que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor ele está em pé ou
cai; mas estará firme, porque Deus é poderoso para firmá-lo... Um faz diferença
entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja
inteiramente seguro em seu próprio ânimo... Aquele que faz caso do dia, para o
Senhor o faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que
não come, para o Senhor não come e dá graças a Deus... Porque nenhum de nós
vive para si e nenhum morre para si... Porque, se vivemos, para o Senhor
vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou
morramos, somos do Senhor... Foi para isto que Cristo morreu e tornou a viver:
para ser Senhor tanto dos mortos quanto dos vivos” [Romanos 14:4-9].
Deus
sustenta aquele que é alvo do julgamento e também sustenta o que julga. Não
importam as diferenças secundárias entre cristãos e cristãos, contanto que cada
um esteja com a sua consciência tranqüila e firme. Mesmo sendo cristão e
sabendo do ensino bíblico sobre amar o próximo e querer o bem dos outros, sou
daqueles que torce intensamente pelo clube do coração e que não consegue
torcer por um time rival, nem mesmo contra times estrangeiros (para mim,
altruísmo no futebol é pura demagogia – tenho todos os motivos para pensar
assim), talvez existam pessoas que façam exatamente o oposto. Seja você
corintiano ou não (infelizmente, risos), calvinista/monergista ou não, apreciador
de blues e jazz ou não, se você se arrependeu dos seus pecados e foi atraído
por Deus para Ele mesmo por meio do Evangelho (Marcos 1:15, João 12:32), eu e
você pertencemos a Ele. Vivos e mortos, todos estão sob seu senhorio. Todos.
Se
todos estão sob o domínio de Cristo, não há espaço para uma
“superespiritualidade” ou uma espiritualidade exagerada. Eu não posso definir
ou saber, se alguma atitude é pecaminosa ou não, apenas com base em minhas impressões
ou pressupostos pessoais. Eu não posso “#deixaradica” de que isto ou aquilo é
pecado se a Escritura não me diz nada a respeito. Eu não tenho o mínimo direito
de “dar uma de Deus” (será mesmo que é Deus quem faria isso?) e apontar
“pecados” ou erros no meu próximo [até porque, na Bíblia, não é Deus que é
chamado de “acusador” ou faz esse “papel”...] que, na verdade, não são pecados
conforme a Escritura (a não ser na mente de quem os aponta). Embora um contato
real e profundo com o Deus verdadeiro nos faça perceber o quanto somos
pecadores – visto que Deus é absolutamente perfeito, santo e puro -, esse
contato pode ser o primeiro e fundamental passo para que os pecados sejam
removidos, tirados e lançados no mar do esquecimento, pois está escrito:
“E
bem sabeis que Ele se manifestou para tirar os nossos pecados, e Nele não há
pecado” [1 João 3:5].
“Nele
temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão das ofensas, segundo as
riquezas da sua graça...” [Efésios 1:7].
“Ele
tornará a apiedar-se de nós; subjugará as nossas iniqüidades e lançará todos os
nossos pecados nas profundezas do mar” [Miquéias 7:19].
Que
diferença! Deus, o único que tem “moral” (literalmente) para apontar os nossos
erros sem misericórdia alguma (ora, se Ele é soberano, Ele não me deve nada,
nem mesmo qualquer gesto de bondade e compaixão), estende a Sua graça sobre
mim, um pobre pecador. Estende seu amor sobre todos os pecadores que,
arrependidos de seus pecados e rebeldia contra Ele, voltam correndo em Sua
direção, atraídos por um amor irresistível. Sublime: o único que tem o direito
de condenar os pecadores é, paradoxalmente, o redentor deles. Isso é ser
espiritual. Isso é genuinamente divino.
Por
fim, quero encerrar o texto com outros versículos de Romanos 14, onde se lê:
“Eu
sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a
não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda... Bem-aventurado
aquele que não se condena naquilo que aprova” [Romanos 14:14 e 22b].
Chega
dessa “falsa espiritualização”, dessa “santidade maquiada”, desse “fardo de
pseudodevoção”. Eu estou saturado. Eu estou “por aqui”, como se diz na
linguagem popular. Sem rodeios. Sem meias palavras. Sim, eu não estou pra
brincadeirinha.
Enfim,
vou continuar ouvindo as minhas músicas, lendo os meus livros, assistindo os
meus filmes, torcendo pro meu time como sempre torci e escrevendo livremente em
meu twitter quando a inspiração surgir. Ora, nesse sentido, eu sou livre! Você
também o é, no mesmo sentido. A minha liberdade não pode ser julgada pela
consciência dos outros. A sua liberdade não pode ser julgada pela minha
consciência. Se eu e você somos guiados por Deus, somos livres. E, se Ele é
quem nos guia, por mais que possamos falhar, Ele nos mostrará o caminho do
arrependimento e nos fará andar pela estrada correta, basta que nossa mente
seja cada vez mais conformada à Sua mente. Tudo é espiritual sim, no sentido de
que a totalidade de quem somos e temos é Dele, por meio Dele e para Ele.
Simples assim.
Pela
verdadeira espiritualidade,
Soli Deo Gloria!
Nenhum comentário:
Postar um comentário