segunda-feira, 9 de julho de 2012

Por que as verdades têm autonomias? [parte 3]


Depois de relatar resumidamente a respeito da fundação da RPCA - República Popular do Corinthians da América – acho que perdi quase todos os meus leitores depois desse post, exceto os leitores campeões invictos -, quero voltar à série de textos baseados na pergunta “por que as verdades têm autonomias?” e, nesse retorno, acredito que vou incitar algumas objeções mais relutantes e até mesmo consolidar alguns desafetos. 

Que seja.


Eu, sinceramente (perdoem-me a franqueza temperada com um pouco aspereza), não me importo nem um pouco em bajular ou em “agradar” pessoas. Ora, eu sou subversivo. Os subversivos são as “ovelhas-negras da família”, não é? Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

Além da “verdade” de que existem várias “verdades” igualmente válidas e legítimas por si mesmas e da “verdade” do etnocentrismo cultural-religioso “cristão” (particularmente no que tange à supervalorização de certas culturas e costumes em detrimento de outros, que julgamos inferiores e/ou descartáveis), outra “verdade” cada vez mais “autônoma” me incomoda bastante: a “verdade” da “superespiritualidade” ou do excesso de espiritualização. Trocando em miúdos, me preocupo seriamente com o pensamento bastante difundido entre as diversas comunidades cristãs de que “tudo é espiritual”... Mais precisamente, com o modo como os cristãos compreendem o que significa “tudo é espiritual”. Deixem-me explicar. 


Primeiramente, é verdade que a vida não é somente a vida material. Nós não somos somente pele, ossos, órgãos, moléculas, átomos e íons. Somos seres com consciência, vontade, emoções, sentimentos, pensamentos, intelecto. Somos “almas viventes” (Gênesis 2:7) onde há um fôlego de vida [o espírito]. Entretanto, além de nós, muito acima de nós, infinitamente superior a nós, está Deus. Na Escritura se lê que “Deus é Espírito” (João 4:24). Logo, podemos dizer que existe o “mundo material” e, numa instância diferente, o “mundo espiritual”. Desse modo, como Deus é soberano sobre tudo o que existe (seja visível ou não – Colossenses 1:16-17), pode-se concluir, por assim dizer, que o “mundo espiritual” influencia ou determina o que acontece no “mundo material”. Portanto, a conclusão mais lógica é que, de fato, “tudo é espiritual”.

Será? Se for, como?

Por outro lado, a afirmação de que Deus é soberano sobre todas as coisas e exerce a Sua vontade sobre tudo de modo irrevogável não significa que “tudo é espiritual”, pelo menos como a maior parte dos cristãos parece entender. Por exemplo, o fato de pessoas que moram num país tropical e quente ficarem doentes com resfriado ou gripe por estarem num país de clima frio rigoroso por ocasião de um projeto missionário [experiência própria] - ainda que ao mesmo tempo - não necessariamente é uma “investida do inimigo” ou “obra do diabo” (somente porque é um projeto missionário) – na verdade, pode ser simplesmente uma reação fisiológica normal e esperada num caso como esse. Um “tweet” expressando alegria por um título de seu time de futebol não é idolatria. “Na real”, se o time do autor do tweet fosse o mesmo daquele que o chamou de “idólatra”, não haveria idolatria nenhuma. Isso é ridículo. Idólatra é quem substitui Deus por qualquer outra coisa, deificando essa outra “coisa” (seja dinheiro, família, uma imagem de escultura, a própria espiritualidade ou ele mesmo), não quem faz uma brincadeira em menos de 140 caracteres num microblog da internet. Mesmo que os homens, desde a ocasião da Queda, venham constituindo para si mesmos seus próprios “deuses”, a glória de Deus continua e continuará intacta (Isaías 42:8). É tolice pensar que nossos tweets sejam capazes de ofuscar a suprema glória que somente a Ele pertence. Pronto, falei.


Mas, qual é o real significado do “tudo é espiritual”?

Pensando bem, essa afirmação está errada. Embora alguns entendam corretamente o que se quer dizer com “tudo é espiritual”, o correto seria dizer que “Deus exerce controle sobre todas as coisas, independentemente de como o exercício desse controle por parte Dele se nos apresenta” ou que “todos os aspectos da existência humana são (ou devem ser), de certa maneira, divinos”. Para melhor ilustrar a minha idéia, se faz oportuno citar meu amigo Paulo, em sua carta aos Romanos, onde se lê:

“Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor ele está em pé ou cai; mas estará firme, porque Deus é poderoso para firmá-lo... Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo... Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come e dá graças a Deus... Porque nenhum de nós vive para si e nenhum morre para si... Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor... Foi para isto que Cristo morreu e tornou a viver: para ser Senhor tanto dos mortos quanto dos vivos” [Romanos 14:4-9].


Deus sustenta aquele que é alvo do julgamento e também sustenta o que julga. Não importam as diferenças secundárias entre cristãos e cristãos, contanto que cada um esteja com a sua consciência tranqüila e firme. Mesmo sendo cristão e sabendo do ensino bíblico sobre amar o próximo e querer o bem dos outros, sou daqueles que torce intensamente pelo clube do coração e que não consegue torcer por um time rival, nem mesmo contra times estrangeiros (para mim, altruísmo no futebol é pura demagogia – tenho todos os motivos para pensar assim), talvez existam pessoas que façam exatamente o oposto. Seja você corintiano ou não (infelizmente, risos), calvinista/monergista ou não, apreciador de blues e jazz ou não, se você se arrependeu dos seus pecados e foi atraído por Deus para Ele mesmo por meio do Evangelho (Marcos 1:15, João 12:32), eu e você pertencemos a Ele. Vivos e mortos, todos estão sob seu senhorio. Todos.

Se todos estão sob o domínio de Cristo, não há espaço para uma “superespiritualidade” ou uma espiritualidade exagerada. Eu não posso definir ou saber, se alguma atitude é pecaminosa ou não, apenas com base em minhas impressões ou pressupostos pessoais. Eu não posso “#deixaradica” de que isto ou aquilo é pecado se a Escritura não me diz nada a respeito. Eu não tenho o mínimo direito de “dar uma de Deus” (será mesmo que é Deus quem faria isso?) e apontar “pecados” ou erros no meu próximo [até porque, na Bíblia, não é Deus que é chamado de “acusador” ou faz esse “papel”...] que, na verdade, não são pecados conforme a Escritura (a não ser na mente de quem os aponta). Embora um contato real e profundo com o Deus verdadeiro nos faça perceber o quanto somos pecadores – visto que Deus é absolutamente perfeito, santo e puro -, esse contato pode ser o primeiro e fundamental passo para que os pecados sejam removidos, tirados e lançados no mar do esquecimento, pois está escrito:

“E bem sabeis que Ele se manifestou para tirar os nossos pecados, e Nele não há pecado” [1 João 3:5].
“Nele temos a redenção pelo seu sangue, a saber, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça...” [Efésios 1:7].
“Ele tornará a apiedar-se de nós; subjugará as nossas iniqüidades e lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar” [Miquéias 7:19].


Que diferença! Deus, o único que tem “moral” (literalmente) para apontar os nossos erros sem misericórdia alguma (ora, se Ele é soberano, Ele não me deve nada, nem mesmo qualquer gesto de bondade e compaixão), estende a Sua graça sobre mim, um pobre pecador. Estende seu amor sobre todos os pecadores que, arrependidos de seus pecados e rebeldia contra Ele, voltam correndo em Sua direção, atraídos por um amor irresistível. Sublime: o único que tem o direito de condenar os pecadores é, paradoxalmente, o redentor deles. Isso é ser espiritual. Isso é genuinamente divino.

Por fim, quero encerrar o texto com outros versículos de Romanos 14, onde se lê:

“Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda... Bem-aventurado aquele que não se condena naquilo que aprova” [Romanos 14:14 e 22b].

Chega dessa “falsa espiritualização”, dessa “santidade maquiada”, desse “fardo de pseudodevoção”. Eu estou saturado. Eu estou “por aqui”, como se diz na linguagem popular. Sem rodeios. Sem meias palavras. Sim, eu não estou pra brincadeirinha.


Enfim, vou continuar ouvindo as minhas músicas, lendo os meus livros, assistindo os meus filmes, torcendo pro meu time como sempre torci e escrevendo livremente em meu twitter quando a inspiração surgir. Ora, nesse sentido, eu sou livre! Você também o é, no mesmo sentido. A minha liberdade não pode ser julgada pela consciência dos outros. A sua liberdade não pode ser julgada pela minha consciência. Se eu e você somos guiados por Deus, somos livres. E, se Ele é quem nos guia, por mais que possamos falhar, Ele nos mostrará o caminho do arrependimento e nos fará andar pela estrada correta, basta que nossa mente seja cada vez mais conformada à Sua mente. Tudo é espiritual sim, no sentido de que a totalidade de quem somos e temos é Dele, por meio Dele e para Ele. Simples assim.



Pela verdadeira espiritualidade,


Soli Deo Gloria!

Nenhum comentário:

Postar um comentário