Após cerca de dois meses ausente, acredito que preciso escrever novamente.
E, como freqüentemente acontece, esse deverá ser mais um texto que eu não gostaria de ter de produzir, uma vez que seus motivos têm me indignado há muito - e não somente a mim, mas a muitos outros em tantos lugares do mundo e, acima de tudo, certamente são alvo da ira divina, a qual, sem a menor dúvida, é infinitamente mais feroz e implacável do que qualquer manifestação humana análoga.
Eu não sei se conseguirei manter a sobriedade até o fim do texto mas, apesar de avisar de antemão aos prováveis poucos leitores dessa eminente possibilidade, peço a Deus - de quem vem o domínio próprio e a mansidão que não me são inatas - que me ajude a ser sereno. Todavia, como nem toda cólera é em si mesma ruim ou reprovável, aqueles que (porventura) continuarem a leitura devem estar preparados.
O tema desse texto tem sua inspiração em uma música da banda britânica The Killers - acho que já ficou visível que eu gosto de músicas que vêm das "terras da rainha" - chamada "Human" (que significa, como pode-se notar, "Humano"). Dessa maneira, sabendo-se que o título dado ao post significa (traduzido do inglês) "Nós somos humanos ou nós somos assassinos/matadores?", eu procurarei responder a essa pergunta a partir de alguns trechos da letra buscando relacioná-los com as razões da indignação e da fúria citadas nos parágrafos acima. Logo, sem mais demora, vamos ao que realmente interessa.
Primeiramente, é importante entender corretamente o que significa ser "humano" pois, como se pode ver, nossa época é quase que majoritariamente caracterizada pela absoluta ignorância ou perversão deliberada do "humano" - seja do conceito, seja do próprio ente humano concreto - e, por isso, é indispensável que saibamos o que é ser "humano" antes de respondermos à pergunta do texto. Nesse sentido e de modo mais simplificado, as alternativas principais para a questão "o que é o ser humano?" são 1) o ser humano é produto de processos evolutivos que começaram em formas de vida "inferiores" e que, ao longo do tempo, conduziram ao estado da atual espécie que conhecemos (denominada Homo sapiens sapiens) sem que houvesse intervenções externas aos mecanismos naturais (particularmente, de natureza inteligente ou transcendente) e 2) o ser humano é produto da ação de um ente inteligente e relacional (ou, no mínimo, de vários entes), de modo que esse(s) agente(s) exterior(es) pôs/puseram no ser humano marcas ou traços de si mesmo(s) ou elementos que apontam para si mesmo(s). Isto é, o ser humano é resultado de processos naturais não-guiados ou é resultado de uma criação intencional (seja por ação de vários entes/deuses - como nas tradições ditas pagãs ou politeístas - ou de um único Deus - como no Judaísmo, no Islamismo e no Cristianismo).
De fato, existem algumas variantes dessas duas visões majoritárias supracitadas - as quais procuram construir modelos de integração entre a idéia de criação divina e a mediação de fenômenos/mecanismos que possam ser entendidos de acordo com as teorias evolutivas, a exemplo do denominado "criacionismo evolucionário" -, mas esse texto não tem o objetivo de se aprofundar nesses desdobramentos. Portanto, com base no que já foi exposto, a depender de qual daquelas alternativas nós adotamos como verdadeira a respeito do que realmente somos, a nossa autoconsciência e, conseqüentemente, a nossa relação com os outros, com a realidade que nos cerca e (em última instância) com Deus (ou com o "transcendente" ou "metafísico") será radicalmente distinta em comparação com os mesmos aspectos naqueles que adotam a possibilidade oposta à nossa. Ou seja, se "quase toda a soma de nosso conhecimento, que de fato se deva julgar como verdadeiro e sólido, consiste no conhecimento de Deus e no conhecimento de nós mesmos" - como dissera o teólogo francês João Calvino -, se não soubermos ao menos quem de fato somos [e, sobretudo, se desprezamos o conhecimento de Deus] certamente viveremos no auto-engano e, como resultado, nos destruiremos mutuamente - assim como tudo o que estiver a nosso alcance.
Dessa forma, quais seriam as conseqüências concretas da adoção de ambas as perspectivas? Quais são as marcas deixadas pelos "humanos" que sabem o que realmente é o "ser humano"? Por outro lado, quais seriam os frutos produzidos por aqueles que possuírem um conceito maculado sobre si mesmos?
Embora talvez não seja o modo mais fácil, eu tentarei responder às perguntas do último parágrafo à luz da questão central do texto ao lançar mão de versos da música já mencionada, a qual em um de seus trechos diz:
"...There is no message we're receiving / Let me know if your heart is still beating..."
ou
"...Não há nenhuma mensagem que estejamos recebendo / Deixe-me saber se o seu coração ainda está batendo..."
A imagem que me vem à mente ao pensar nesse trecho à luz das perguntas que pretendo responder é a de "ausência de sinais ou evidências de vida" em um interlocutor hipotético pois, nessa situação fictícia, quem está em busca desses vestígios "não recebeu qualquer mensagem" e, por isso, deseja saber se o coração desse interlocutor "ainda está batendo" - i.e., se ainda há ali algum "sinal vital". Partindo dessa figura, o que podemos dizer sobre nós, os humanos, em nossos dias?
Em primeiro lugar, diferentemente do caso mostrado na letra da música, nossa época é de tal natureza que as "mensagens", as "narrativas", os "discursos" e a "linguagem engajada" se tornaram o elemento central da dinâmica e da organização sociais de um modo jamais visto ou concebido nos séculos anteriores, de forma que o que não falta são "mensagens" de todos os tipos e para "todos os gostos" [so to speak]. Nesse contexto, onde diversas vozes se levantam para proclamar suas "mensagens" e "narrativas" aos quatro cantos do mundo - cujo alcance é praticamente ilimitado e está à distância de um click -, todos querem, de alguma maneira, serem ouvidos e notados a fim de que seus discursos sejam acolhidos ou, como tem sido cada vez mais freqüente, passem a ser norteadores do modus vivendi daqueles que (supostamente - ou mesmo obrigatoriamente) devem dar ouvidos ao que está sendo falado. Dito isso, apesar de que, na prática, fosse esperado que todas as diferentes "mensagens" que os diferentes "humanos" podem transmitir (ou têm transmitido) fossem igualmente consideradas como dignas de serem ouvidas [ao menos a priori], o que se tem visto é o "cancelamento" de todo e qualquer "discurso" ou "conteúdo" que seja considerado [por quem?] como "ofensivo", de incitação ao ódio", "preconceituoso" ou "sensível" - e, infelizmente, não somente dos discursos em si, mas inclusive daqueles cujos discursos são censurados nesses termos, de modo que muitos corações já não estão mais batendo, seja por causa de uma "boca racista" calada com tiros "à queima roupa", por ser um "menino branco pisando na grama do meu jardim", por se defender tratamentos profiláticos "anticientíficos" e "negacionistas" (sic) e, claro, porque não se pode criticar aqueles que são "editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro".
Em outros termos, a recente "cultura do cancelamento" apenas põe uma máscara [infeliz coincidência?] sobre as reais intenções de seus promotores, os quais, na medida em que possuem os meios de ação para implementá-las, não hesitarão (como já é patente) em "cancelar" concretamente/fisicamente todo aquele que (supostamente ou de fato) represente qualquer elemento ou aspecto da realidade odiado pelo "cancelador", como a aparência física [mas somente se for branco(a), de olhos claros, magro(a) e bonito(a)], as ponderações no campo científico [vulgo "negacionismo"], determinadas origens étnicas [como judeus ou os uigures no noroeste chinês, por exemplo], a prosperidade financeira [a alheia, obviamente] ou as crenças religiosas [i.e., o cristianismo]. Desse modo, não tem sido apenas os corações dos "cancelados" sob a tirania sanguinária dos "canceladores" - que se espalham como ervas-daninhas de modo cada vez mais organizado, inclusa a retaguarda dos poderosos que os patrocinam - que "não estão mais batendo" pois, sob outro ponto de vista, todo "humano" que não consegue mais conceber a sua existência fora dos parâmetros do "ódio radical a tudo quanto existe" [exceto a si mesmo e aos seus caprichos estúpidos e impiedosos disfarçados de "direitos"] já não tem mais dentro de si um "coeur qui bat" e, portanto, está cada vez mais anti-humano - embora possa até pensar ser parte da vanguarda de uma "nova humanidade".
Na verdade, se pensarmos na definição do que é o "humano" a partir do conceito de "coração" - como nas abordagens baseadas na tradição neocalvinista holandesa, a qual em última análise é fundamentalmente bíblica -, não há como não mencionar versículos bíblicos correspondentes, como mostrado a seguir:
"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida". [Provérbios 4, vs. 23]
"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem poderá conhecê-lo?" [Jeremias 17, vs. 9]
Ao considerarmos estes versos das Escrituras, duas são as conclusões centrais: 1) a nossa "vida como ela é" ou quem somos como "humanos" flui do coração e 2) esse coração, que é a fonte da vida como um todo, é enganoso e terrivelmente perverso, de tal sorte que nenhum de nós, humanos, por mais perspicaz que seja, por mais culto e erudito, por mais que reflita sobre os mistérios da vida (ontológica e metafisicamente), pode [nem poderá] conhecer plenamente a si mesmo [e igualmente ao outro]. Logo, recordando os versos já citados da música, a situação de nosso coração é de tal sorte desordenada que, por nossa própria conta, jamais seremos capazes de acessar as reais "mensagens" que nos revelariam o que somos ipsis literis e, como resultado, nunca perceberemos que os corações dos humanos, sem exceção, já "pararam de bater" desde que nos rebelamos contra Aquele "em quem está a Fonte da Vida" e "em cuja Luz nós vemos a luz" - ou seja, embora "vivos", estamos simultaneamente mortos, posto que deliberadamente passamos a viver em oposição ao Criador, o Qual formou os corações dos "humanos", conhece as nossas obras e mesmo os "segredos dos homens", os quais serão finalmente revelados no tempo determinado "segundo o Evangelho", uma vez que está escrito que "não há nada oculto que não venha a ser revelado" [Lucas 12, vs. 2].
Portanto, uma vez compreendido o que de fato é o "humano" - uma criatura feita à imagem de seu Criador, inicialmente boa e sem máculas em nenhuma de suas faculdades e dimensões [ainda que limitada e dependente], mas que caiu desse estado em direção ao que é chamado de "depravação total" ou "corrupção radical" -, podemos finalmente buscar responder à indagação central desse texto.
Para isso, insiro a seguir alguns trechos de outra música conhecida como "Humanos" [originalmente intitulada "Até quando?"] do Oficina G3 - banda cristã brasileira de rock -, onde se diz:
"...Humanos que em amor gostam muito de falar / Mas nunca fazem nada pra demonstrar
Humanos que pedem paz em toda a terra / Mas que a buscam com armas e tanques de guerra
[...]
Humanos que só falam e fazem muito pouco / Humanos que só julgam e se enxergam pouco
Humanos que em Deus gostam muito de falar / Mas não O conhecem e nem O querem aceitar..."
Como se vê, a mensagem desses versos é bem direta: nós, os humanos, somos [quase sempre] "belos hipócritas" - embora não haja beleza alguma na hipocrisia -, atuando nos palcos e plataformas em que ocupamos espaço [sejam concretas ou 'virtuais'], ao mostrar um "discurso superficialmente bonito e emocionalmente apelativo" enquanto, simultaneamente, negamos com nossos atos o que declaramos com nossas palavras [ou stories, status, vídeos, tweets etc.]. Não são necessários mais do que 2 neurônios para se reconhecer que os mesmos dentre nós que mobilizam causas - normalmente expressas em hashtags - em nome do "amor", da "paz" e do combate a qualquer idéia ou conceito terminado em "-ismo" [ou outro sufixo qualquer] são aqueles que depredam o patrimônio público, destroem monumentos históricos, incendeiam catedrais, saqueiam lojas de avenidas inteiras [como a Champs-Élysées em Paris ou a 5th Avenue em NYC], estabelecem zonas proibidas ao acesso policial e a não-residentes [vide o caso de Seattle há algumas semanas e as zonas mais islamizadas na Europa] e, como não poderia deixar de ser, até fazem festas em navios de luxo às margens do Mediterrâneo com patrocínio de "dinheiro público" (sic) - embora também matem animais domésticos para consumo próprio, assediem e violentem mulheres indefesas, agridam covardemente qualquer pessoa que seja considerado um "desafeto" ou "inimigo" e, sempre que podem, os matam impiedosamente.
Gostamos de "falar de amor" mas nossos atos são cheios de ódio; erguemos palavras de ordem tais como "No Justice, No Peace" ["Sem Justiça, Sem Paz"] e empreendemos guerras injustas afirmando lutar pelo bem comum; colocamo-nos acima de tudo e de todos [i.e., fazemos uma auto-deificação] e sentenciamos tudo o que nos cerca e que "nos ofende" à categoria do que "não pode existir" e, sobretudo, usamos até o nome de Deus (ainda que cada vez mais raramente) para justificar as atrocidades que praticamos, o que mostra uma absoluta ignorância sobre quem Ele realmente é - um Ente santo e que não tem qualquer deleite no pecado e no mal - e sobre o que Ele demanda de Suas criaturas racionais - o temor a Seu nome e a obediência aos Seus mandamentos, dentre os quais consta "não tomar o Seu nome em vão" [conforme Êxodo 20, vs. 7]. Diante desse quadro, vêm a calhar a pergunta fundamental do refrão da mesma música anterior: "...quando vamos viver a vontade do Deus Pai - de viver Seu amor e de vivermos em paz?..." ou, de outra forma, "quando deixaremos de ser 'matadores' ou 'canceladores' e voltaremos a ser, de verdade, 'humanos'"?
Ao refletir sobre como responder a essa inquietação, a primeira coisa que creio ser importante elencar é que eu, como talvez nunca antes, não tenho passado um dia sequer sem me enfurecer com a avalanche de crimes, impiedade, violência, cinismo, demagogia, dissimulação, tirania, ódio ressentido e impunidade que, embora seja parte da realidade humana desde o Pecado Original, tem se espalhado como joio pelos "campos do mundo", de tal maneira que, caso eu tivesse poder para acabar com (ou pelo menos atenuar) essa situação, certamente perderia a conta de quantas cabeças seriam fuziladas pelas minhas próprias mãos - melhor, quantas vezes eu usaria uma boa espada templária [até porque guilhotina é coisa de revolucionário esquerdista que se inspira no "siècle des lumières"] para enviar ao inferno todos aqueles que vivem para servir aquele para quem o inferno foi preparado [vide Mateus 25, vs. 41 e João 8, vs. 38, 41 e 44]. Nesse ínterim, se alguém que chegou até essa parte do texto se espantou com o que acabei de escrever, saiba que do seu coraçãozinho podem sair [e saem, pois assim disse Jesus Cristo conforme registrado por Mateus (cp. 15, vs. 18-19) e Marcos (cp. 7, vs. 20-22)] os mesmos maus pensamentos e desígnios - ainda que você esteja convencido da ilusão de que é uma "boa pessoa". De fato, graças a Deus, eu não tenho [e provavelmente jamais terei] os meios de ação que me possibilitariam fazer essa "justiça com as próprias mãos" supracitada, pois esta seria, na verdade, injusta, uma vez que "a ira do homem não produz a justiça de Deus" [Tiago 2, vs. 20].
Nesse sentido, se atentarmos honestamente para o que realmente somos capazes de sentir, maquinar, desejar, cobiçar, arquitetar e, em última instância, de realizar, seremos compelidos a admitir que, à semelhança dos "canceladores" [mantidas as devidas proporções, quando necessário], também somos humanos "desumanizados", cuja Imago Dei foi contaminada pelo pecado em todas as suas faculdades. Embora saibamos em nossa consciência que há um único Deus, Criador e Sustentador de tudo quanto existe e para quem são todas as coisas, deliberadamente não O glorificamos tal como Ele é e nos entregamos a vãos raciocínios que nos tornam insensatos, corrompemos a Sua glória consoante a imagem de Suas criaturas e transformamos a Sua verdade em mentira para prestar às criaturas a adoração devida somente a Ele e, por fim, desprezamos o Seu conhecimento [Romanos 1, vs. 21-22, 23, 25 e 28], pelo que o próprio Deus, de forma "soberanamente irônica", nos deixa "seguir os nossos próprios conselhos de acordo com nosso coração obstinado" [Salmo 81, vs. 12] ao ponto de pensarmos que, enfim, "nos libertamos da 'tirania' de um Deus caprichoso, egoísta, mau e repressor". Contudo, como dissera C. S. Lewis, esse é o tipo de pessoa a quem Deus, no fim de tudo, diz/dirá "seja feita a vontade de vocês", indicando que Deus, ao unir Seu livre-arbítrio [livre-arbítrio existe, mas só Deus tem!] e as causas secundárias [aqui a maldade humana] sujeitas à Sua providência, faz exatamente o que tais "humanos" mais anseiam: a total privação da fruição de Deus para, em troca, ter de suportar [se é que seja possível] o Seu implacável juízo.
Por tudo isso, será que a única expectativa possível é a de que tudo "andará de mau a pior" e, assim, jamais conseguiremos nos libertar [ou ser libertados] desse estado lastimável? Ou será que, como certa vez um poeta cantou, "a humanidade é desumana, mas ainda temos chance"?
Para responder a essa dúvida, vou me basear em outro pequeno trecho da primeira música aqui destacada [Human], onde se pode ler:
"...My sign is vital, my hands are cold / And I'm on my knees looking for the answer..."
Que traduzido é:
"...Meu sinal é vital, minhas mãos estão frias / E eu estou de joelhos procurando a resposta..."
Mais do que nunca, eu posso me apropriar destes versos como se eu mesmo os tivesse escrito, pois há um bom tempo eu me reconheço e me sinto como esse compositor: alguém que, embora ainda esteja vivo, está como que "com as mãos frias" num dia típico no inverno europeu ou na América do Norte, querendo apenas um lugar acolhedor para se sentir aquecido e, de preferência, para ficar bem longe de tudo - e de quase todos. Não obstante a imagem anterior das "mãos frias", o que de fato tem se esfriado em mim [e com razoável freqüência] é a predileção para "olhar com bons olhos" [i.e., com alguma medida de altruísmo] para o mundo; todavia, diferentemente dos melancólicos, tal frieza normalmente se tem manifestado não mediante desilusão ou niilismo, mas [como um bom colérico] através de recorrentes desejos de retribuição ou compensação à luz do "olho por olho e dente por dente" - o qual, embora seja um princípio bíblico, não deve ser usado como subterfúgio para a vingança e pecados similares [ver Mateus 5, vs. 38-42].
Em outras palavras, a cada notícia de saque, roubo, assassinato a sangue frio, estupro, aborto [em toda e qualquer situação, visto que sempre é um assassinato de um humano indefeso], destruição de estátuas e monumentos históricos, atentados ao pudor, assédio, exploração da miséria para fins escusos, incêndios criminosos, ataques terroristas de toda espécie, censura, abuso de autoridade ou qualquer outro ato criminoso, meu sentimento mais comum têm sido o de anelar ardentemente o "cancelamento de todos os canceladores" - ou mesmo de fazê-lo. Eu tenho estado cansado - como escrevi na publicação anterior - de toda essa desgraça que nos tem sufocado diariamente [assim como fazem as focinheiras que ainda temos sido obrigados a usar sem qualquer comprovação concreta de eficácia mas, unicamente, por causa da "ciência, ci-êêência, ci-êêêêênciaaaa!"] e, diante da fúria de cada dia, muitas vezes não consigo enxergar que os "canceladores" e tutti quanti [sem vista grossa em relação às iniquidades deles] ainda são "imagem e semelhança de Deus" e, simultaneamente, acabo cometendo [incluso o senso das proporções reais] os mesmos pecados deles, uma vez que me comporto como um "cancelador potencial" por [felizmente] não possuir o poder de ser um "cancelador efetivo". Nesse sentido, são pertinentes as palavras do apóstolo Paulo quando escreveu que "...feliz é aquele que não se condena naquilo que aprova..." [Romanos 14, vs. 22].
No entanto, não é somente pela frieza crua e ácida que esses versos têm sido apropriados por mim ultimamente, mas sobretudo porque, em meio às constantes indignações e aos desejos de "dar um fim definitivo à parafernália distópica" que tem sido a marca desse ano, eu me vejo prostrado, consciente de minha impotência, enquanto busco descobrir como responder às questões básicas desse texto: somos humanos ou somos matadores/canceladores/assassinos? Quais são as características dos que procuram viver como "verdadeiramente humanos"? E, finalmente, será que há esperança de redenção para nossa "humanidade desumana"?
A figura evocada pelo letrista me conduz à idéia de oração, pois quem "está de joelhos atrás de respostas" adota [ou, no mínimo, demonstra] uma atitude "orante". Desse modo, eu posso me apropriar de algumas palavras que compõem o mais belo e transparente "Livro de Orações" da história - i.e., os Salmos -, dentre os quais destacarei os seguintes trechos:
"Ó Tu que ouves a oração, a Ti virão todos os homens.
Quando os nossos pecados pesavam sobre nós, Tu mesmo fizeste propiciação por nossas transgressões.
[...] Tu nos respondes com temíveis feitos de justiça, ó Deus, nosso Salvador, esperança de todos os confins da terra e dos mais distantes mares. [...]
Tu acalmas o bramido dos mares, o bramido de suas ondas e o tumulto das nações.
Tremem os habitantes das terras distantes diante das Tuas maravilhas; do nascente ao poente despertas canções de alegria". [Salmo 65, vs. 2, 3, 5, 7 e 8]
A primeira mensagem que o salmo nos traz é: Deus é aqui chamado como "Aquele que ouve a oração". Logo, se alguém que "está de joelhos e procurando respostas" as têm buscado do/no Deus verdadeiro, ele as encontrará. Além disso, está escrito que "todos os homens virão até Deus", indicando que é para Ele que todos nós devemos nos dirigir quando estamos aflitos, sem esperança, enfurecidos com a prevalência do mal no mundo [como no meu caso] e, especialmente, quando reconhecemos e sentimos o fardo de nossos pecados, pois quando estes "pesam sobre nós", o próprio Deus age de modo favorável para conosco e perdoa as nossas transgressões. O salmo também mostra que Deus responde àqueles que O buscam "com temíveis feitos de justiça" e, assim, se mostra como o "nosso Salvador" e "esperança de todos os confins da terra" , implicando que Ele não está "passando de largo" quando contempla o mal [a exemplo do sacerdote e do levita na parábola do Bom Samaritano] e, segundo o Seu desígnio, atende às orações dos aflitos, desamparados, indignados e arrependidos trazendo salvação e juízo - e isso por toda a terra. Finalmente, o salmista afirma que Deus é quem "acalma a força das ondas do mar" [Jesus fez isso literalmente por duas vezes nos Evangelhos, cujos episódios ratificam a Sua divindade] e faz o mesmo com o "tumulto das nações" - nada poderia ser mais consolador para esse ano! -, de sorte que tais demostrações de poder produzem, ao mesmo tempo, temor e canções de alegria em todos aqueles que vêem as Suas obras.
Conseqüentemente, o que me resta é dar a devida atenção às palavras do salmista a cada vez que 'estiver de joelhos procurando as respostas', particularmente quanto a "ser paciente na tribulação" [seja em face do mal externo, seja diante do pecado remanescente] e a "alegrar-se na esperança" [tanto a de que Deus tem 'misericórdias novas' todos os dias quanto à da restauração final de todas as coisas]. O Deus que se revela nas páginas da Bíblia não é um 'deus morto' e imóvel - Ele é "Deus de vivos, pois para Ele todos vivem" [Lucas 20, vs. 38] - e portanto, como dizem os versos de uma canção de que gosto muito, Ele é "eterno mas não distante". Ele ouve a oração daqueles que verdadeiramente O invocam e, como também dizem as Escrituras, "todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" [Romanos 10, vs. 13 - vide Joel 2, vs. 32] - salvo não pela eficácia da própria oração ou súplica, mas pelo poder Daquele que é/foi invocado, O qual resolveu "salvar os que crêem por meio da loucura da pregação" [1 Coríntios 1, vs. 21], a qual nada proclama senão "Jesus Cristo, e este crucificado", Aquele que é o "poder de Deus e a sabedoria de Deus" para todos os "humanos", tanto "judeus como gentios". Desse mesmo Cristo, assim como é dito no salmo exposto, se diz que "em Seu nome as nações porão a sua esperança" [Mateus 12, vs. 21], pois está escrito que "Ele é a propiciação - i.e., a satisfação da justiça de Deus pela qual Ele nos mostra Seu favor devido ao aplacamento de Sua ira - pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas pelos do mundo inteiro" [1 João 2, vs. 2]. Ou seja, Jesus Cristo é anunciado como sendo um Salvador "de facto" e não um "Salvador potencial", pois, se Ele é a propiciação que Deus estabeleceu para redimir pecadores, todos os pecadores que são alvo desse favor triunfante de Deus serão redimidos por Ele.
Por fim, e talvez a parte mais importante da conclusão, a Bíblia diz que, em Jesus Cristo, Deus estabeleceu/começou a constituir a "verdadeira nova humanidade" - não aquela do "homem soviético", nem a do "übermensch" (super-homem) de Nietzsche ou qualquer idéia totalitária e bestial (talvez como um prenúncio das obras da Besta do Apocalipse) referente ao "trans-humanismo" -, mas uma humanidade cuja identidade [que foi pervertida na "alma mater do 'novo paganismo' de nossos dias"] não está em nada senão no próprio Cristo, como está escrito:
"...Ele é a nossa paz, O Qual de ambos os povos fez um só e, em Seu corpo, derrubou a barreira de separação que estava no meio [a inimizade],
Anulando em Seu corpo a Lei dos mandamentos expressa em ordenanças, para que dos dois (judeus e gentios) criasse em Si mesmo uma nova humanidade, fazendo a paz,
E reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por meio da cruz, destruindo a inimizade por meio dela..." [Efésios 2, vs. 14-16]
Ora, se Deus, em Cristo Jesus, está estabelecendo uma 'nova humanidade' - a qual é a Sua Igreja, o Corpo de Cristo - através da união de judeus - o povo da aliança, a quem Deus inicialmente se revelou e por meio do qual Ele trouxe o Salvador ao mundo, pois "a salvação vem dos judeus" [João 4, vs. 22] - e gentios, é somente pelo conhecimento e mediação do Evangelho que os "humanos desumanizados", perdidos em seus pecados, carentes da glória de Deus e separados uns dos outros, podem ser reconciliados com Deus e com seus semelhantes. Numa época em que tantas militâncias identitárias estão em voga [particularmente a racialista, pela instrumentalização de movimentos como o Black Lives Matter] - e, infelizmente, muitos cristãos têm sido seduzidos por uma retórica supostamente associada à "justiça social" [a qual em última análise não existe, mas isso pode ser assunto para outro texto] mas que, na verdade, é baseada em ódio e desejo de destruir/cancelar tudo o que supostamente é "racista" e "supremacista branco" (sic)] -, nunca foi tão necessário dizer, em alto e bom som [ou escrever EM CAPS LOCK] que, se coisas como o racismo são pecados [o que para mim é óbvio - por sinal, um pecado abominável], a solução é somente o ARREPENDIMENTO acompanhado da FÉ EM CRISTO e NÃO FAZER REVOLUÇÃO. No mais, se você se diz cristão e não concorda com isso, você nem é cristão [embora você não esteja preparado para essa conversa] e precisa se arrepender urgentemente.
Por tudo isso, a minha esperança frente a essa situação de maldição na qual ainda estamos (por causa dos efeitos da Queda de Adão - ou, por assim dizer, da queda dos "humanos" em Adão), como não poderia ser diferente, está na doce e consoladora certeza de que, um belo dia - que ditoso dia será! -, "os reinos do mundo passarão a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo, e Ele reinará para todo o sempre" [Apocalipse 11, vs. 15]. A partir desse momento não haverá mais nenhum ditador sanguinário, nenhum metacapitalista que use seu dinheiro para perverter nações inteiras pelo fomento de todo tipo de subversão, nenhuma "ditadura sanitária" que acaba com a saúde e a segurança em escala global "em nome da saúde e da segurança globais" e nenhum califado que cortará cabeças dos "infiéis" como sinal do triunfo de um falso monoteísmo, mas somente Cristo, o Rei da glória, "Verdadeiro Deus do Verdadeiro Deus", reinará. Como eu aguardo por isso!
Esse será o momento da "ira de Deus, o tempo determinado para serem julgados os mortos, para se dar o galardão aos Teus servos, os profetas, aos santos e aos que temem o Teu nome, tanto aos pequenos como aos grandes, e de destruíres os que destroem a terra" [Apocalipse 11, vs. 18]. Nenhuma impiedade deixará de ser apropriadamente punida; nenhum malfeitor deixará de ser condenado pela sua maldade; os "destruidores da terra" [que eu tenho visto todos os dias pelo Twitter] serão destruídos pelo Deus de quem eles blasfemam e de quem zombam e, ao mesmo tempo, todos os que foram salvos por Deus em Cristo, desde os profetas até os últimos santos da história, serão recompensados pelo seu Senhor e, assim, também "reinarão com Ele para todo o sempre" [Apocalipse 22, vs. 5]. Maranata!
Se você foi paciente e chegou até esse final, você já parou para pensar no que realmente significa ser "humano"? Em que está a nossa real identidade? Somos produtos de "processos naturais não-guiados" ou somos criação de um Ente inteligente?
Você reconhece que "o coração de seus problemas é o problema de seu coração"? E, diante disso, também reconhece que precisa receber um coração puro [o qual só pode ser dado por Alguém santo]?
Sabendo que Deus ouve as orações do que O buscam com integridade, você já admitiu que precisa buscá-Lo para encontrar as "respostas" para as "questões últimas" de sua existência?
Finalmente, se você for um cristão, até quando você permanecerá apoiando causas "dissimuladamente injustas" com "máscara" (ou focinheira) de "justiça"? Até quando continuará a pensar que pecados se combatem com 'revolução' e não com a pregação e o testemunho do Evangelho?
Pela certeza de que serei plenamente humano Nele,
Soli Deo Gloria!
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