"Eu sou o homem que viu a aflição
Pela vara de seu furor".
Lançando mão das palavras do Profeta,
Em suas lamentações pela ruína de seu povo,
Eis-me aqui, diante de minhas próprias ruínas,
Sem qualquer esperança de conforto.
Na contramão de certo trecho dos Salmos,
Em que todos somos convocados
A nos alegrar no "dia que fez o Senhor",
Não quero ter motivos para sorrir.
Assim como "Raquel que, chorando pelos filhos,
Se recusa a ser consolada",
Este é o meu dia de dor.
"Quiero llorar, pero no tengo lágrimas".
Ora, "o riso é loucura", disse o sábio,
"E a alegria, de que serve?"
Se "o que sucede ao tolo
Também acontecerá com o inteligente",
Não seria tudo vaidade?
Para que, então, buscar a própria felicidade?
Um nobre dinamarquês certa vez dissera
Que "...a felicidade é uma porta
Que sempre se abre pra fora...",
De sorte que "quem forçá-la para dentro,
Ordena que o amor vá embora".
É possível ser deveras feliz
Num mundo "encurvado sobre si"?
O que fazer quando o "segundo grande mandamento"
É corrompido em "...amarás a ti mesmo
Para que possas amar o teu próximo..."?
Ora, todos nós somos viciados
Em "forçar a porta para dentro"
E, imersos num sentimentalismo ensimesmado,
Nos encarceramos em nossa suposta liberdade.
Contudo, amar é "cuidar que se ganha em se perder"
Bem como "estar-se preso por vontade",
De modo que quem não perde, não ama,
E quem deseja "se salvar", já está perdido -
Perdido de si mesmo e também de Ti mesmo.
Mas bendito és, ó Sumo Pastor das almas,
Pois buscas a ovelha perdida até encontrá-la
E, tomando-a com cuidado sobre os ombros,
Faz festa no céu diante dos anjos.
Todavia, queremos ser "livres das amarras e fardos"
Para "seguirmos nossos próprios planos"
Ou, nos julgando "oprimidos" e "anulados",
Quebramos a lealdade que outrora juramos.
Ó Deus, quão terrível é nosso coração -
Enganoso e desesperadamente corrupto! -
Do qual procedem a mentira e a traição,
Homicídio e soberba, ingratidão e furtos.
Fingimos que amamos e desonramos quem nos ama,
Temos sede de sangue e de justiça própria,
E, esquecendo-nos do bem que recebemos,
Do que não nos pertence é que nos apossamos.
Resta-me, tão-somente,
Me apegar às Tuas palavras,
Pelas quais me vivificas
E me consolas na longa jornada:
"Pereceria, sem dúvida,
Se não cresse que veria
A bondade do Senhor
Na terra dos viventes".
De fato, eu não tenho mais esperança,
Porém creio em Ti contra ela.
Embora tenha razões para me ofender,
Sei que tanto o mal quanto o bem
Procedem do Altíssimo, o soberano Rei.
De que, então, eu me queixarei,
A não ser apenas de meus próprios pecados,
Pelos quais, muitas vezes, sou ludibriado,
A fim de ultrajar o Santo de Israel
E afrontar Aquele cujo trono está nos céus?
Socorre-me Tu, visto que és misericordioso,
Para que eu ame os que me odeiam,
Ore pelos que me perseguem,
Abençoe aos que me amaldiçoam
E faça o bem a qualquer que me maltrata.
Sim, ó Deus amantíssimo e gracioso,
Quando meu coração desejar se vingar
A ponto de minhas mãos intentarem até matar,
Faze-me como Cristo, manso e humilde,
O Qual "quando injuriado, não injuriava,
Mas entregava-Se a Quem julga justamente"
E, perdoando a quem não sabia o que fazia,
Redimiu a muitos outrora impenitentes.
Doce e eterna redenção me outorgaste,
A mim, o principal dos pecadores,
Na maldita cruz, o Teu Filho entregaste,
Para salvar aqueles que eternamente amaste
Do pecado, da morte "y de todos los dolores".
Nas Tuas Santas Escrituras
Tu mudaste o nome de muitos -
Abrão se tornou Abraão,
Jacó foi denominado Israel,
Saulo passou a ser conhecido como Paulo
E Oséias é também chamado Josué.
Aquele que era o "pai da altura"
Tornou-se o "pai de muitas nações".
Quem quis ser "usurpador" -
Ao "segurar o calcanhar" do irmão mais velho -
Agora era "o que luta com Deus e prevalece".
O "perseguidor" passa a ser o "perseguido"
E, após uma batalha vencida por milagre,
Quem era chamado "salvo pelo Senhor"
É conhecido como "o Senhor é a salvação".
Logo, ainda que o novo nome que nos prometeste
Esteja reservado para a eternidade futura,
Hoje sinto que o meu por Ti já foi mudado.
Aquele que é "próprio do homem",
Aquele que é "varonil" e "masculino"
Também será chamado de "salvo pelo Senhor",
Não somente pela redenção supracitada,
Mas também por ser como um "Oséias",
Chamado para unir-se a quem é desleal,
E que trocou o marido pelos amantes,
Assim como Israel fizera Contigo,
Prostituindo-se com falsos deuses.
Se Tu, que nada nos deves,
Estendes a Tua mão aos desobedientes e rebeldes,
Quem sou eu para não imitar-Te?
Quando conhecemos o Teu amor
Aprendemos a desprezar a nós mesmos
E, "preferindo-nos em honra uns aos outros",
Amamos de modo não fingido.
Entretanto, não permitas que eu me vá,
Como que levado por violentas ondas,
E assim diga como o "Mestre do Trivium":
"Apaga-te, vela fugaz!
A vida não é senão uma caminhada
Sombria, um pobre ator
Que se pavoneia e gasta a sua hora
No cenário,
E logo ninguém mais o ouve;
Vem a ser um conto,
Narrado por um idiota,
Cheio de ruído e fúria,
Que não significa nada".
[Macbeth, William Shakespeare]
[Macbeth, William Shakespeare]
Sem desprezar o mérito e a beleza
Das palavras do poeta das "terras da Rainha",
Existem palavras ainda mais valiosas
Das quais devo sempre me lembrar
E que foram ditas na distante "Palestina".
Tu és bom para quem Te busca,
E salvas os que em silêncio Te aguardam
E, embora pões fardos sobre nós
Para que nos fartemos de afronta e desonra,
Tu não nos rejeitarás para sempre
Mas nos acolherás em glória.
Embora por vezes nos entristeças,
Sei que usas de grande compaixão
Conforme Tua bondade infinita
E, mesmo que recebamos de Tuas mãos
Tanto o bem, quanto o mal,
Teu prazer está na benignidade
Pela qual aplacas a Tua justa ira.
Ó Deus, ajuda-me a crer no possível.
Sei que, como afirmara um grande escritor,
"Nem todas as lágrimas são um mal".
E, de todas as lágrimas que podem ser vertidas,
As mais valiosas provêm de corações quebrantados,
Que entendem a extensão de seus pecados
E, assim, podem valorizar o Redentor crucificado.
A maior aflição é melhor do que a menor transgressão,
E até o inferno tem um aspecto positivo -
Visto que através dele executas Teu juízo -,
Porém não há bem inato algum na iniquidade,
De tal modo que, por isso, é "o mal infinito".
Senhor, faz-me sofrer [se assim for preciso]
Para que eu não peque contra Ti
E, assim, despreze o sacrifício de Teu Cristo.
No entanto, ainda que eu seja pó e cinza,
Imploro a Ti compaixão para com a minha causa,
Para que eu saiba que Tu não te cansas
E, por isso, fortaleces os cansados
E multiplicas as forças a todos os fatigados.
Embora eu possa perder tudo -
Amigos, namorada, bens e família,
Empregos, dinheiro e até a própria vida -
Eu não posso [e nem desejo] perder-Te.
Tu és a verdadeira "pérola de grande valor",
O "tesouro escondido no campo",
Pelo qual vale a pena vender tudo o que se tem
Ou mesmo ter tudo o mais como escória
A fim de ganhar-Te,
Para assim, finalmente, ser achado em Ti.
Tu és a minha "alegria soberana e verdadeira",
O "Sumo Bem" no qual todo o bem reside,
Em cuja presença a tristeza salta de alegria
E os que parecem "mortos" na verdade "vivem".
Tu és Deus de vivos!
E eu ainda estou aqui!
No mais, como diz uma bonita canção,
Eu quero "...me lembrar de sempre acreditar
Que, quando eu morrer, eu vou viver,
E, sem parar,
Pra sempre glorificar o meu Deus...".
Visto que minha vida está escondida em Ti
E, por isso, meu verdadeiro lar está no céu,
Peço que Tu, na minha peregrinação, me guies,
Até o dia em que "serás pra sempre meu".
Soli Deo Gloria!
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