Embora acredite estar quase sem inspiração, decidi retornar aqui.
Desse modo, espero não escrever além do necessário pois, parafraseando o notável José Ortega y Gasset, "...a obra de caridade mais oportuna de nosso tempo é não publicar textos supérfulos..". Que eu tenha êxito nessa breve jornada.
O título desse texto faz uma alusão a um episódio deveras perturbador registrado nos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), no qual alguns religiosos judeus (mestres da Lei mosaica e demais autoridades) questionam a Jesus, como se lê a seguir:
Jesus entrou no templo e, enquanto ensinava, aproximaram-se dele os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo e perguntaram: Com que autoridade fazes estas coisas? E quem te deu tal autoridade? [Mateus 21, vs. 23]
Após essa pergunta, Jesus replicou dizendo que, se aqueles homens respondessem uma pergunta sobre a procedência do batismo realizado por João Batista (conforme o relato bíblico, um profeta que foi enviado ao povo de Israel para anunciar a chegada do Messias prometido), Jesus diria a eles de onde vinha a Sua autoridade. Neste caso, visto que aqueles religiosos se perceberam encurralados com a pergunta de Jesus - eles disseram que não sabiam de onde era o batismo de João, conforme Mateus 21:27, embora soubessem que era do céu e não de homens -, Ele também não lhes disse de onde vinha a autoridade para realizar os Seus feitos.
Por outro lado, o objetivo dessa postagem é falar sobre quais têm sido as prioridades pelas quais muitas coisas estão sendo invertidas - especialmente as coisas concernentes ao que se chama de "reino de Deus". Contudo, diferentemente da postura daqueles que queriam apanhar Jesus em alguma armadilha e que foram surpreendidos pela sabedoria e perspicácia Dele, não quero apenas lançar perguntas ao ar ou polemizar, mas de fato levantar questões que sejam úteis para uma busca humilde pela verdade - seja ela qual for, esteja onde estiver.
Inicialmente, o que significa prioridade?
Prioridade é definida como "...condição do que é o primeiro em tempo, ordem e dignidade..." ou está associada à idéia de "preferência" ou "primazia". Portanto, "prioridade" é algo cuja atribuição ou concessão deve ser feita de modo responsável, uma vez que envolve aquilo que, porventura, seja mais urgente, hierárquico ou de maior valor intrínseco. No mais, "prioridade" também diz respeito a proeminência, de sorte que, quando determinada ação é feita para dar prioridade a algum propósito ou para beneficiar alguém em particular, tal propósito ou pessoa deve possuir alguma importância ou valor inato que justifique tal atitude. Por exemplo, seja num caixa preferencial no supermercado, nos assentos dos transportes públicos ou nas responsabilidades rotineiras, todos os seres humanos agem conforme as próprias prioridades - mesmo que jamais reconheçam isso.
Isto posto, a pergunta principal desse texto é: num mundo (ou numa realidade) onde todas as prioridades parecem fora de seus lugares ou em absoluta "entropia"/desordem, algum de nós estaria/está imune quanto a dar prioridade ao que/a quem não é digno dela?
Em outras palavras: por quais prioridades temos invertido as coisas?
E, particularmente (falo a quem se professa cristão), por quais prioridades temos invertido as coisas do Reino de Deus (ao qual dizemos pertencer e pelo qual dizemos lutar)?
A esse respeito, não vou me deter falando sobre o que poderia chamar de "confusão de prioridades" que assola a sociedade atual (particularmente, no mundo ocidental), a qual está nitidamente expressa tanto na inversão/perversão de valores (que são substituídos por coisas que não tem valor algum ou que são intencionalmente vis) quanto pela ausência total da percepção de que há uma ordem no mundo, pela qual pode-se reconhecer que determinadas coisas são mais excelentes do que outras e, por isso, aquelas devem ser priorizadas em relação a estas. Em contrapartida, mais uma vez pretendo me restringir ao contexto dito "religioso/cristão" e abordar o problema da "confusão de prioridades" entre aqueles que deveriam saber perfeitamente quais coisas devem ser valorizadas e quais devem ser simultaneamente postas em segundo plano e, finalmente, quais também deveriam ser desprezadas.
Nesse sentido, quando o assunto a ser considerado é o "reino de Deus" (conforme seu conceito bíblico), provavelmente quem mais falou sobre o assunto foi o próprio Jesus Cristo, especialmente nos evangelhos anteriormente citados. De fato, desde antes de sua manifestação pública para o exercício de seu ministério, João Batista já convocava aqueles que o ouviam ao arrependimento porque "...o reino dos céus estava próximo..." (vide Mateus 3, vs. 2) - o que apontava para a chegada do Cristo - mas, quando Jesus começa o Seu ministério, a linguagem muda radicalmente, pois Ele convocava as pessoas ao arrependimento "...porque o reino dos céus era chegado..." (Mateus 4, vs. 17).
Ou seja, Jesus Cristo é quem traz o reino dos céus/de Deus aos homens, de modo que agora todos os seres humanos, em todo lugar, deveriam se arrepender dos seus pecados, visto que todos sairiam do chamado "tempo de ignorância" quanto ao conhecimento de Deus. Como resultado, nenhum de nós poderia mais se considerar "senhor de si mesmo" ou como que tendo "o rei na barriga", pois o verdadeiro Rei, o Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, havia sido enviado ao mundo para que todos, sem exceção, estivessem cientes a Quem deveriam temer e honrar - seja por bem e para o próprio deleite ou bem-aventurança, seja por mal e para a própria condenação.
De fato, é notório que, desde os tempos do próprio Jesus Cristo, alguns não entenderam muitas coisas com relação ao "reino de Deus" ou "reino dos céus", a exemplo da sua procedência e natureza (como Pôncio Pilatos, de acordo com João 18:33-37) da sua finalidade (como na Parábola do Semeador, registrada em Mateus 13:10-15) e de seus frutos ou marcas distintivas (vide Lucas 17, vs. 20-21 e Mateus 21, vs. 42-43). Todavia, muitos de nós, ainda hoje, continuamos sem compreender em que consiste o reino de Deus, qual é o seu fim principal e quais são as suas verdadeiras características, de maneira que a ausência de um conhecimento correto sobre isso tem causado diversos estragos sem precedentes em muitos ambientes cristãos - os quais, muitas vezes, têm se disfarçado sob máscaras de "avivamento", de "fé engajada e prática" ou de "relevância".
Considerando os trechos bíblicos acima, podemos constatar que o reino de Jesus Cristo não é desse mundo (ainda que muitos acreditassem que Ele seria o rei que libertaria os judeus do vigente domínio romano), assim como que Deus designou que os mistérios do reino dos céus não seriam revelados a todos indistintamente e, finalmente, que a manifestação do reino de Deus não deveria ser inicialmente visível nem suas reais características seriam baseadas em aparência mas sim em evidências concretas. Portanto, tendo isso estabelecido, dentre os muitos equívocos referentes ao reino de Deus que podem ser vistos no meio cristão atual, um dos que há muito tempo vem me perturbando [creio que não somente a mim, mas a outras pessoas que tenham os mesmos fundamentos] é concernente à questão da prática missionária - i.e., a que se refere à pregação ou anúncio da mensagem do Evangelho. Quanto a isso, o exemplo que trago me causa certa tristeza, já que é particularmente relativo a alguém que admiro em diversos sentidos, mas que por vezes tem tropeçado em certas declarações que podem, talvez, ofuscar desvios doutrinários muito graves que podem ou poderão, infelizmente, influenciar muitos outros a seguirem idéias enganosas.
O exemplo consiste numa fala em que foi afirmado que, no tocante à missão da Igreja, tal pessoa não iria à Europa porque lá não existem favelas como nas grandes capitais do Brasil, nem bairros inteiros muito carentes, nem comunidades de ribeirinhos ou indígenas, nem o sertão nordestino ou qualquer situação de pobreza que requeira da Igreja uma ação para reconstrução e combate às mazelas sociais correspondentes. Nesse ínterim, eu saliento que os cristãos, sejam individualmente, sejam coletivamente, podem e devem buscar atenuar as necessidades dos seus semelhantes e procurar se compadecer de todos os que sofrem, contudo a missão da Igreja não está direcionada a promover uma "redenção material" ou uma "salvação dos males da vida terrena" a partir de suas próprias "boas obras", mas sim em proclamar a Jesus Cristo e as obras Dele. Isto é, sem o conhecimento da mensagem de Jesus Cristo, e dele crucificado, mesmo que muitas pessoas saiam da miséria, aumentem o seu padrão de vida e tenham suas privações reduzidas, não pode haver salvação, de modo que com a morte, todos os bens e melhorias adquiridas ficarão para trás e, logo adiante, o que se segue é o juízo divino e a condenação ao inferno. Ora, o próprio Cristo disse que "...do que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, e perder a sua alma..."? [Marcos 8, vs. 36]
Além disso, outro problema que acompanha a "inversão de prioridades" supracitada é a dissimulação ou hipocrisia que pode estar presente em uma suposta atitude de zelo ou cuidado para com os pobres em detrimento de uma real obediência a Deus, como registrou o apóstolo João:
Mas um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, que mais tarde iria traí-Lo, objetou: "porque esse perfume não foi vendido, e o dinheiro dado aos pobres? Seriam trezentos denários!" Ora, ele não disse isso por se interessar pelos pobres, mas porque era ladrão; sendo o responsável pela bolsa de dinheiro, costumava tirar o que ali era lançado. [João 12, vs. 4-6]
Nessa passagem, Jesus está na casa de Lázaro (a quem Ele ressuscitara) e, enquanto comiam, Maria (irmã de Lázaro) tomou um frasco de nardo puro de muito valor e derramou aos pés de Jesus, enxugando-os com os próprios cabelos. Diante de tal cena, Judas tentou dar a impressão de se importar com os pobres ao criticar a atitude de "desperdício" de Maria - como se fosse desperdício "dar prioridade" a Jesus em um gesto sincero e humilde de adoração! - mas, na verdade, sua atitude não era nada além de fingimento a fim de parecer alguém solidário, benevolente e altruísta enquanto agia de modo traiçoeiro. Atentemos que, neste caso, o personagem da história dos evangelhos que buscou mostrar que se importava com os pobres [certamente, se fosse hoje em dia, Judas poderia ser alguém que tentaria fingir que amava as favelas, os sertanejos e os africanos mais carentes e que criticaria os investimentos em missões na Europa, por exemplo] é o mesmo que a Bíblia chama de "filho da perdição" [ver João 17, vs. 12] e a quem Jesus chamou de "diabo" [vide João 6, vs. 70-71], o que indica que é possível que, dentre aqueles que parecem os mais bem-intencionados, existam alguns que sejam verdadeiros "lobos em pele de cordeiro" - assim como Judas o era.
Em suma, sabendo-se que a missão da igreja reside fundamentalmente na proclamação da glória de Deus expressa em Jesus Cristo para o bem de todos aqueles que O reconhecem como redentor - visto que todos pecaram e estão privados da glória de Deus, de acordo com Romanos 3:23 -, todos os seres humanos precisam igualmente do Evangelho, sejam pobres ou ricos, brancos ou negros, ribeirinhos ou moradores das vilas medievais da França, africanos ou britânicos, doentes ou saudáveis, moradores de Tóquio ou de Medellín, empresários de New York ou sertanejos do Piauí. Embora, obviamente, alguns desses grupos de pessoas possuam mais necessidades do que outros, todos compartilham da mesma carência principal, do mesmo grande infortúnio, da mesma condição mais miserável - a escravidão sob o pecado, o curso do mundo e a vontade de Satanás e o juízo de Deus, até que Jesus Cristo se interponha como Mediador e, pelo Seu sangue, aplaque a ira divina e possa justificar aqueles que jamais poderiam justificar a si mesmos.
Dessa maneira, será que estamos tão enredados nas coisas terrenas que, à semelhança da semente que cai entre os espinhos na parábola, os cuidados deste mundo e o engano das riquezas [ainda que seja supostamente para o benefício dos outros em vez do próprio] têm sufocado a Palavra semeada, de modo que esta já não produz fruto?
Será que temos caído no grande pecado de querer servir a dois mestres [ou dois senhores], pensando que estamos conseguindo amar e servir a ambos simultaneamente enquanto, pelo contrário, amamos e servimos apenas a um deles e odiamos e desprezamos o outro?
Sendo mais claro, o "senhor e mestre" de todos nós, que nos declaramos cristãos, tem sido o Deus verdadeiro [o Pai de Jesus Cristo] ou Mamom [as riquezas do mundo]?
Diante de tais perguntas, posso parafrasear o que os mestres da Lei e os anciãos dos judeus perguntaram a Jesus quanto à fonte de autoridade Dele e fazer uma pergunta final: "...por qual prioridade invertemos essas coisas..."? Se a nossa noção do reino de Deus é aquela pela qual o concebemos como "comida e bebida" [vide Romanos 14, vs. 17 - embora o contexto da passagem bíblica à qual me refiro trabalhe com outra ênfase], certamente viveremos como se esse reino fosse material e expresso nas coisas da terra, conquanto as Escrituras afirmem que este é "...justiça, paz e alegria no Espírito Santo...", o que mostra claramente que a natureza e as marcas desse reino estão firmadas nas realidades espirituais eternas ao invés da aparência desse mundo, que é passageira [1 Coríntios 7, vs. 31].
Finalmente, as Escrituras corroboram esse ensino em muitas outras passagens, ao afirmar que devemos "...pensar nas coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à direita de Deus, e não nas que são da terra..." [Colossenses 3, vs. 1-2], que os inimigos da cruz de Cristo são aqueles "...cujo deus é o ventre, os quais só pensam nas coisas terrenas e cujo fim é a perdição..." [Filipenses 3, vs. 19], que "...nada trouxemos para esse mundo, e é manifesto que nada devemos levar dele..." [1 Timóteo 6, vs. 7] e que, por fim, devemos "...buscar primeiramente o reino de Deus e a Sua justiça, e todas estas coisas - se referindo ao comer, beber e vestir - serão acrescentadas" [Mateus 6, vs. 33].
Ora, se ao longo da missão de levar o Evangelho ao mundo, nos preocupamos com coisas que qualquer ímpio pode fazer - como doar cestas básicas, roupas, água potável ou uma moradia digna, mesmo que essas coisas sejam boas e possam também glorificar a Deus - e não fazemos o que qualquer ímpio jamais fará [ou seja, pregar o Evangelho], nossa missão sempre será frustrada e nunca contará com a bênção de Deus, pois se virmos o nosso semelhante num caminho de injustiça e nos recusarmos a avisá-lo a fim de que ele se arrependa e se volte para a justiça, o sangue dele recairá sobre a nossa mão, mesmo se fizermos todas as ações solidárias em seu favor. Nesse caso, todas as boas ações serão inúteis para que ele seja livrado do inferno, caso ele não tenha sido unido a Cristo pela fé Nele.
Ouso escrever isso com temor e tremor [pois eu também estou incluído nisso] e, embora use dessa linguagem severa e dura, desejo que os cristãos (começando por mim mesmo) que lerem esse texto possam buscar em Deus a graça e a coragem necessárias para reconhecerem seus pecados de "inversão de prioridades" a fim de reeducá-las e, desse modo, sirvam a Deus com fidelidade e amor, para que pessoas de todos os povos, tribos, línguas e nações [sejam quais forem as suas realidades sociais] se voltem dos ídolos para o Deus verdadeiro e, assim, desfrutem desde já da verdadeira vida - a vida eterna, que consiste em conhecer a Deus e a Jesus Cristo, que foi enviado ao mundo para salvar os pecadores [João 17, vs. 3 e 1 Timóteo 1, vs. 15].
Qual tem sido a sua maior prioridade?
O reino de Deus ou algum outro reino?
Caso você acredite estar priorizando o reino de Deus, esse reino é o mesmo revelado nas Escrituras e possui o mesmo Rei ou, pelo contrário, é um reino distorcido do verdadeiro e possui um rei usurpador?
Finalmente, até quando continuaremos a recusar a nos render ao verdadeiro Rei, cujo retorno é iminente e que será seguido do juízo sobre todo o mundo [e não apenas sobre a Terra Média]?
Pela convicção de que o Reino é a prioridade,
Soli Deo Gloria!
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