Depois
de aproximadamente dois meses de abstinência forçada – meu velho e querido computador
estava em manutenção -, estou de volta.
Não
quero perder muito tempo com detalhes desnecessários, visto que em dois meses
muitas idéias e reflexões surgiram - embora não fosse possível publicá-las, uma
a uma. Dessa maneira, decidi expor alguns
breves pensamentos sobre um “impasse” que tem ocupado minha mente, cuja
inspiração é o título de uma composição do Lobão: a tensão entre o rigor e a misericórdia.
Por fim, parafraseando outra canção,
espero “que o desenlace desse impasse termine em valsa”, se assim Deus o
conceder.
Rigor
e misericórdia.
Inicialmente,
é bom considerar que, ao ouvirmos a
palavra “rigor”, logo nos remetemos a exigências, à submissão a um padrão
determinado, a severidade ou mesmo a arbitrariedades quaisquer, de modo que
o adjetivo relativo “rigoroso” normalmente não tem uma reputação positiva –
ora, não gostamos de nos submeter a normas inflexíveis, de seguir padrões
que não combinam com nossas próprias opiniões ou mesmo de nos adaptar a certas imposições
externas inesperadas ou repentinas. Por outro lado, quando a situação está
a “nosso favor”, simplesmente tudo muda como que “da água para o vinho” – isto é,
temos a tendência de abusarmos quanto à
medida desse “rigor” ou mesmo de exigir dos outros o que nem nós mesmos somos
capazes de atender, o que faz alusão à máxima do revolucionário comunista
Trotsky sobre a duplicidade moral: “uma
é a nossa moral; outra é a moral deles” [entenda-se “deles” como uma
palavra referente aos inimigos da revolução, neste caso].
Por
outro lado, quando escutamos a palavra
misericórdia, a sensação inicial é oposta à anterior, pois “misericórdia”
aponta diretamente para a idéia de favor, condescendência, compaixão, clemência
ou [conforme a raiz do significado das duas palavras que dão origem à
expressão] de “ter o coração propício à
miséria alheia” – “miseriæ” =
miséria (latim) + “καρδιά/cardiá” =
coração (grego). Entretanto, da mesma maneira, a tendência humana – e isso atinge a nós todos, sem exceção, seja
mais claramente, seja mais discretamente – é
de sempre exigir mais misericórdia [uma vez que cada um se julga digno e
merecedor de mais benefícios] e de demonstrar
menos dela, fato que se justifica com base na mesma “duplicidade moral”
supracitada ou no conceito de que o próximo não é “tão merecedor” dos mesmos
benefícios que eu devo receber. Nesse contexto, se fazem pertinentes algumas
palavras presentes no Evangelho de Mateus, nas quais Jesus Cristo afirma que “com o juízo com que julgarmos, seremos
julgados, e com a medida com que medirmos os outros, nós seremos medidos” – ver
Mateus 7, vs. 2.
Logo,
eis o dilema: qual dos dois escolher?
O rigor? A
misericórdia? Os dois?
Quanto? Quando?
Como?
Espero
ser bem-sucedido na tentativa de buscar uma solução.
Dessa
forma, tendo sido postos os fundamentos básicos para a exposição do tema, uma
das aplicações mais oportunas desse “dilema” é o quadro nefasto do mundo
moderno, que pode ser resumido nas palavras afiadas do profeta hebreu Isaías [conforme
o livro que leva o seu nome], que disse “...ai
daqueles que chamam ao mal ‘bem’ e ao bem ‘mal’, que chamam a luz de ‘trevas’ e
as trevas de ‘luz’, que chamam ao amargo ‘doce’ e ao doce ‘amargo’...” (Isaías
5, vs. 20). Ou seja, a lei, o
senso comum, a norma basilar de conduta é a “inversão total” de todo e qualquer
valor ou padrão – como escrevi no post anterior, “o que não é, é... e o
que é, não deveria ser”. Logo, dentre as diversas manifestações dessa “inversão”,
está o fato de que o “rigor” é algo cada vez mais “démodé” [ou “fora de moda”]
e, em contrapartida, a “misericórdia” é usada de modo cada vez mais banal e
leviano - por exemplo, a grande parte daqueles que cometem crimes
(inclusive hediondos) são apenas “vítimas da sociedade e do sistema desigual”
[e, por isso, não podem ser responsabilizados pelos delitos que cometem – é muito
“rigor”, não?], ao passo que se busca, de todas as maneiras possíveis e imagináveis, ou
justificar o injustificável ou ter misericórdia de quem não é miserável mas,
pelo contrário, promoveu e promove miséria [como, por exemplo, as
centenas de milhões de mortos por proponentes de uma “ideologia” – ou seria uma
religião política? - que devastou o século XX com genocídios por todo o mundo
ou a legitimidade de uma religião que matou mais de 600 milhões de pessoas
desde o seu surgimento até hoje]. Em suma, é “falta de rigor” com quem
merece rigor e misericórdia desperdiçada com quem não está apto para recebê-la.
Além
disso, outro aspecto explicitado no texto profético é que o destino preparado para aquele que “chama o mal de bem e o bem de
mal” é indicado pela interjeição “ai!” – isto é, “quem dera não fosse verdade!”,
“que desventura!” ou, fazendo menção da declaração de Jesus a respeito de Judas
Iscariotes, o traidor: “melhor lhe seria não ter nascido!” [Marcos 14,
vs. 20b]. Em outros termos, o que está por vir sobre todos esses “agentes de perversão”
é somente rigor, com total ausência de misericórdia – neste caso, não haverá
dilema algum, pois está escrito a esse respeito que “assim como a palha é consumida pelo fogo e o restolho é devorado pelas
chamas, assim também as suas raízes apodrecerão e as suas flores, como pó,
serão levadas pelo vento, pois rejeitaram a Lei do Senhor e desprezaram a
palavra do Santo de Israel” [Isaías 5, vs. 24]. O texto é claro – a razão
da punição “com todo o rigor” é a rejeição da Lei de Deus e o desprezo para com
a Sua Palavra, mas... Como pode ser isso? Um livro antigo, “ultrapassado”, retrógrado, “homofóbico” “machista”, “racista”,
"fascista”, [“motorista”, “taxista”, “eletricista” etc.] realmente deve ser
considerado digno de tal reverência? Antes de tudo, uma coisa é certa: a
sua opinião (nem qualquer outra) a respeito não faz a menor diferença.
Todavia,
agora, respondendo à pergunta, “o meu voto é sim!” - uma vez que esse “livro” não é somente mais um “livro”, mas é um
livro que afirma ser “a verdade” [João 17, vs. 17], bem como que está “para
sempre firmado no céu” [Salmo 119, vs. 89], que é “lâmpada para os pés e luz
para o caminho” [Salmo 119, vs. 105], sendo também “poderoso para salvar a alma”
[Tiago 1, vs. 21] e que, na
prática, ao longo desses dois milênios da chamada “era cristã”, mudou
civilizações inteiras e construiu outras [particularmente a nossa “civilização
ocidental”, que está cada vez mais entrando em colapso, exatamente pelo
abandono deliberado do “Livro”], tornou
homens maus e incrédulos em homens piedosos e sábios (a exemplo de muitos
dentre os chamados “Pais da Igreja” e os “teólogos reformados”), levantou incontáveis mártires que deram
suas vidas [o que existe até hoje, enquanto você está lendo esse texto] por sua
fidelidade à mensagem do “Livro” (como os famosos Policarpo de Esmirna ou
Jan Huss, além da desconhecida Blandina de Lyon e Latimer da Inglaterra) e que, acima de tudo, continua a fazer com
que homens e mulheres pecadores, em todo lugar, percebam a sua condição e,
conscientes da condenação divina que está sobre eles, recorrem ao único escape
possível, o qual [ironicamente] é Deus – Deus encarnado, o Deus-Homem, Jesus Cristo, o único Mediador, aquele em
quem o Criador reconciliou consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados
[1 Timóteo 2, vs. 5 e 2 Coríntios 5, vs. 19].
No
entanto, o dilema continua em suspenso... Rigor ou misericórdia?
Bem,
a partir da realidade de que, em
primeira instância, o veredicto que pesa sobre todos nós, seres humanos, é “rigor
total e misericórdia zero”, pois “todos os que tropeçam em um ponto da
Lei de Deus se tornam culpados de transgredir todos os outros” [Tiago 2, vs.
10] e, dessa forma, “...todos os que
estão debaixo da Lei estão debaixo de maldição, pois ‘maldito todo aquele que
não atentar para todas as coisas escritas na Lei, para as cumprir’...” [Gálatas
3, vs. 10], de modo que a tensão diante da qual estamos não tem uma
resolução feliz – melhor, tem a
resolução mais infeliz que se poderia imaginar -, será que há algum espaço,
por menor que seja, para misericórdia?
Sim, existe espaço –
pois, quase que no mesmo lugar, está escrito que “a misericórdia triunfa sobre
o rigor” [Tiago 2, vs. 13 – adaptado].
Mas,
como que funciona esse triunfo?
Bem,
essa é a parte da postagem que resolve o nosso “dilema” - pois, para que a “misericórdia” triunfasse, foi necessário rigor,
muito rigor, o rigor mais horripilante que se poderia conceber - visto
que a maior demonstração de misericórdia jamais dada [antes, hoje e para
sempre] incluiu o rigor de Deus em satisfazer a Sua demanda por justiça, de
maneira que o próprio Deus teve que suportar esse rigor em seu corpo e em sua
alma, pois Ele suou gotas de sangue
enquanto orava angustiado na solidão do jardim [Lucas 22, vs. 44], disse “tenho sede...” [João 19, vs. 28b] poucos
momentos antes de morrer crucificado em aparente vergonha e deu o grito mais
indecifrável da história: “...Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
[Mateus 27, vs. 46], sobre o qual afirmou certa vez Martinho Lutero: “...após
algumas horas lutando para compreender essa passagem, reconheci que ‘Deus
abandonando Deus’ está muito acima de qualquer compreensão...”. De
fato, Deus resolveu o dilema de se escolher “entre o rigor e a misericórdia”
unindo ambos em um só ato e em Si mesmo, para que a Sua sabedoria, que “torna
louca a sabedoria deste mundo”, fosse manifestada a todos, na terra e nos céus,
a fim de que Seu plano eterno de salvar um povo para Si fosse cumprido e,
assim, Seu nome fosse glorificado como Lhe é devido – ou seja, “entre o rigor e a misericórdia”, devemos
aprender com Ele, que conciliou a dureza requerida para apaziguar Sua ira com a
bondade necessária para efetuar a Sua redenção.
E
nós? Como temos agido?
Agimos
somente, e em todas as circunstâncias, com um rigor seco e desprovido de graça?
Ou,
por outro lado, temos sido “politicamente corretos demais”, vendo luz onde só
existe trevas, quando Jesus Cristo afirma que “se a luz que há em nós é na
verdade trevas, quão grandes trevas serão” [Mateus 6, vs. 23]?
Pela
alegria de que Ele foi “rigorosamente misericordioso” comigo,
Soli Deo Gloria!
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