Eis-me de volta, após uma ausência necessária.
Nesse meio tempo, desde o 1º de abril e o último post, algumas coisas aconteceram - desde a conclusão de meu mestrado até encontros inusitados pelo campus, onde línguas e culturas se misturaram (africanos e latinoamericanos, em meio a diálogos em francês e espanhol, incluindo até inglês, italiano e alemão) - e, em meio a novidades boas e algumas indignações recorrentes, ideias fervilharam na mente.
É hora de "vir e jogar tudo pra fora".
O título deste texto foi inspirado num pequeno trecho da canção "Alagados", do grupo Os Paralamas do Sucesso - a qual fala sobre o cotidiano tendo como pano de fundo a Cidade do Rio de Janeiro, visto que na letra se fala da cidade "que tem braços abertos num cartão postal" e da "favela da Maré" - , onde se lê:
"Mas a arte é de viver da fé
Só não se sabe fé em quê..." [Alagados - Os Paralamas do Sucesso]
Arte de viver.
Quando vejo essa frase, a primeira coisa que vem à minha mente é a velha dúvida: "a arte imita a vida ou a vida imita a arte"? Ao longo de muitos séculos, aqueles que se dedicam a esse tipo de indagação ou busca intelectual provavelmente não conseguiram ter uma resposta clara sobre esse impasse, embora eu, na minha limitação e subjetividade, defenda que "a arte imita a vida" ou "reflete a vida que se vive" - ora, basta estudarmos um pouco de história da arte que perceberemos que a arte antiga ou clássica era repleta de impressões da vida religiosa e cultural da época (como no Egito e na Grécia), assim como na Idade Média (mediante a admirável arte bizantina, a imponente [e preferida] arte gótica, dentre outras manifestações) e na Idade Moderna (com a beleza dos movimentos renascentista e barroco) e, mais recentemente, expressando uma certa "antirreligiosidade" ou o abandono da beleza e a busca pela "transgressão", o que é um reflexo fiel da desilusão e do caos da sociedade pós-moderna. Mas, por outro lado, a declaração "arte de viver" é bem mais abrangente e "filosófica", pois leva em conta que viver normalmente envolve talento e habilidade, a busca pela beleza (ou não), a necessidade de satisfação e realização e, de uma forma ou de outra, requer espiritualidade - seja de que maneira for. Em suma, basta olhar um pouco ao redor para se reconhecer que é necessário ter o "know how" da vida ou, como disse o poeta na canção, ter a "arte de viver"; caso contrário, a vida será, no máximo, uma sobrevida, um fardo, algo vão e insípido.
Viver da fé.
Fé - eis uma palavra controversa em nossos dias. Todos os seres humanos, de uma maneira ou de outra, têm "fé" - ao menos no sentido de "boa expectativa" ou "pensamento positivo" para o futuro. Dentre esses, existem aqueles que tem uma "fé" mais transcendente", por assim dizer [por exemplo, em algo superior, um princípio maior, uma energia que permeia as coisas ao redor etc.] e, assim, procuram desenvolver a si mesmos e alimentar essa fé pela relação com essas coisas. Além disso, outros apresentam uma fé mais dogmática ou legalista [onde normas, ditames, "revelações sobrenaturais" ou determinados "escritos sagrados" são recebidos como "verdades inquestionáveis" por aqueles que nelas acreditam]. Certamente não é possível escrever sobre isso num breve texto como esse mas, no fim das contas, algo precisa ser esclarecido, doa em quem doer: a questão não é ter fé (como é unanimidade por aí afora), mas sim em quê/em quem essa fé é depositada. Ou seja, falar em "viver da fé" é algo muito sério, de modo que essa suposta fé não deve ser direcionada a algo frágil e inconstante e, pior do que isso, a algo enganoso e/ou ilusório.
Na verdade, numa sociedade em que se fala muito sobre "ter fé no futuro", "fé para superar as dificuldades", "fé para atingir objetivos", "fé para lutar por uma causa" [seja ela justa ou não], o que se vê é que, como a música citada acima prescreve, a maioria de nós entra no esquema da "arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê" - ora, se as pessoas nem sabem mais dizer quem elas são [uma vez que tudo é ensinado como sendo uma "construção social" e, por isso, é algo retrógrado e opressor], como elas poderiam ter capacidade de saber por si mesmas onde colocar a fé que elas (supostamente) têm? Na melhor das hipóteses, pode-se considerar que as pessoas possuem certa "sinceridade" quando o assunto é fé, mas isso não basta - é necessário mais do que saber em que/em quem se deve crer, mas também crer com uma fé que seja digna do objeto/alvo dessa fé. E, sinto lhe informar, isso é impossível para qualquer um de nós.
Mas talvez você pense: que atrevimento é esse?
Como você pode dizer que é impossível para mim "crer na coisa certa" e de maneira digna dessa "coisa"?
Sim, é impossível pra você, é impossível para mim, é impossível para qualquer um.
Sempre que reflito sobre isso, recordo de uma passagem um tanto aterrorizante do Novo Testamento, registrada pelo apóstolo Tiago, que diz:
Tu crês que há um só Deus? Fazes bem! Até os demônios crêem e estremecem.
[Tiago 2:19]
A única maneira de entender o texto é essa: somente "ter fé" não vale nada, "ter fé" num "deus" produzido por minha própria mente é ainda pior e, a depender da situação, crer no Deus verdadeiro não basta, pois os demônios também crêem e [diferentemente dos seres humanos, que acham que podem zombar de Deus, que desacreditam Dele de maneira descarada e insolente, que blasfemam Dele e de Sua palavra, que escarnecem de Seu Filho Jesus Cristo e que, finalmente, vivem no pecado como se Deus não se importasse com suas iniquidades - ora, Deus é um delírio, não é?] estremecem. Em outras palavras, os demônios, sob certo ponto de vista, estão em "melhor condição" que a maioria dos seres humanos [embora não tenham mais esperança de redenção], pois aqueles fazem o que todos nós deveríamos fazer - crer em Deus e tremer na Sua santa presença. Na prática, se qualquer um de nós apenas têm uma fé "intelectual" e que não seja refletida em amor, devoção e obediência [ainda que seja no Deus Único e Verdadeiro, como disse Tiago], isso não é suficiente, pois essa fé deve ser aceitável diante daquele em Quem se crê e, nesse caso, Ele só aceita ser alvo da fé que provém de Si mesmo.
Dessa maneira, todos nós só poderemos sair de um patamar análogo ao dos demônios [que crêem em Deus, estremecem diante Dele mas, mesmo assim, O odeiam e, por isso, já estão condenados por Deus] se Ele nos conceder uma fé que Lhe é agradável - e isso é graça divina. Lemos nas Escrituras que a "fé é um dom de Deus", que ela "vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus" e que "ninguém pode receber coisa alguma, se lhe não for dada do céu" - isto é, se Deus não concede essa fé, nenhum de nós pode produzi-la sozinho, por si mesmo. Eu sei que o nosso orgulho é quebrado em pedaços quando consideramos essas coisas, mas é como li certa vez numa frase: "a verdade irá te libertar, mas antes disso ela irá te enfurecer". Resumidamente, toda vez que nos deparamos com coisas que incomodam nossa mente e nossa alma, particularmente quando o assunto é Deus, duas coisas sempre andam juntas - a nossa incapacidade de fazer qualquer coisa a nosso próprio favor e a responsabilidade que temos de recorrer Àquele que pode fazer por nós o que ninguém mais é capaz de fazer.
Finalmente, "a arte de viver da fé" só será "arte de viver" [viver de fato, viver sem iludir a si mesmo] caso a fé que tivermos esteja no lugar certo - isto é, Deus - e, além disso, ser uma fé digna de quem Ele é [ora, não estamos falando de uma namorada, nem do professor intelectual da faculdade (cada vez mais militante e menos acadêmico!) nem mesmo de um político honesto (ô coisa rara!), mas de Deus]. Ora, em outro trecho das Escrituras pode-se ler a declaração audaciosa do "...vivemos pela fé, e não pelo que vemos..." - o que denota que é a fé que traz sentido à vida, fé em Deus, que veio Dele e que deve ser devolvida a Ele em amor e obediência. Todo aquele que pratica "a arte de viver da fé" (mas sabendo em quem se crê) sabe que não deve colocar sua mente e seu coração naquilo que se vê (e que é passageiro), mas sim no que é eterno (mas que ainda não é possível enxergar). Enfim, quem vive pela fé está ciente de que a aparência do mundo passa e, portanto, é apenas um "peregrino em terra estranha", alguém que sabe a Quem pertence e que aguarda o seu Lar.
E você?
Sua "fé" é em si mesmo, num "deus" idealizado por sua cabeça ou não ultrapassa a "crença" de um demônio - que crê e treme -, visto que você zomba e blasfema de Deus em vez de temer a Ele?
Mas, se você reconheceu que precisa da fé que só Deus pode dar, vá a Ele agora mesmo, suplicando Sua ajuda, pedindo a Ele para te dar essa fé aceitável e genuína (a fé no Filho de Deus, morto pelos nossos pecados e que está vivo), pois "Ele não está longe de cada um de nós" ou, como disse um poeta, "a fé 'ta na vida" - ou, em outras palavras, a fé me reconduz à Vida.
Pela alegria de viver pela fé Nele,
Soli Deo Gloria!
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