terça-feira, 29 de outubro de 2024

De herdeiros e arautos da verdadeira "Chama Imperecível"...

Após alguns meses sem tempo (e, sobretudo, sem qualquer inspiração), estou aqui novamente! 

Ora, como dizem os italianos, "chi non muore, si rivede" - ou, em bom português, "quem é vivo sempre aparece"!

Desse modo, visto que eu acredito que a "inspiração" para escrever não tenha chegado até agora - a qual, usualmente, vem apenas quando estou indignado ou furioso -, prefiro não perder mais tempo com palavras dispensáveis e ir ao que realmente interessa (ou não): o texto de hoje. Logo, espero que o resultado final desse esforço seja proveitoso. Sigamos!


Nos últimos meses, tenho estado bastante atarefado com o trabalho de professor de duas disciplinas e de gerenciar um pequeno projeto de empreendedorismo (sem contar demais atribuições pessoais), de forma que este blog pareça ter sido "deixado às traças"... mas não é o caso, como se pode ver! Assim, dentre as várias ocupações deste período, uma delas foi a de estudar mais a fundo "O Senhor dos Anéis", a principal obra de J. R. R. Tolkien, cujo impacto no imaginário de seus leitores e admiradores é quase imensurável. Como resultado, obtive a grata surpresa de perceber as diversas conexões entre certos personagens da trama e Jesus Cristo, destacando-se os aspectos profético, sacerdotal e régio (referente à realeza) - o que, na teologia, é chamado de "Tríplice Ofício de Cristo". Nesse sentido, não poderia haver circunstância mais adequada para este texto do que este mês de outubro de 2024, quando muitos recordarão, mais uma vez, o episódio que mudaria para sempre a Civilização Ocidental (a despeito dos chiliques dos "chatólicos de rede social"): a Reforma Protestante

Todavia... o que "O Senhor dos Anéis" (uma obra escrita por um devotado católico-romano) teria a ver com a celebração do movimento religioso mais antagônico à religião de seu autor? Além disso, o que faz do momento atual de nossa civilização a ocasião mais auspiciosa para tais (possíveis) correlações? Embora creia estar sendo bastante ousado, pretendo responder a essas perguntas até o final e, de preferência, com muitas doses daquele "santo sarcasmo" que tanto aprecio. Seja Deus, pois, a minha fonte de senso de humor, verdade e perspicácia!


Primeiramente, ao se observar mais de perto os personagens principais de O Senhor dos Anéis (daqui em diante, LoTR - sigla em inglês), gostaria de destacar um deles, conhecido como o "mago mais amado de toda a Terra Média": Mithrandir, ou Gandalf, o Cinzento, ou mesmo "Gandalf, o Cavaleiro Branco", feito "...mais poderoso do que os nove cavaleiros do Senhor do Escuro...". Para quem não conhece bem LoTR, Gandalf é um "Maiar" (e.g., uma estirpe de criaturas muito poderosas, embora tivessem sido criadas para serem servas de Eru Ilúvatar, a "divindade suprema da Terra Média" e do universo em que a saga ocorre). Nesse contexto, Ilúvatar é o "Possuidor do Fogo Imperecível", o "Detentor da Chama de Anor", o/a qual pode ser concedido(a) somente se Eru, o Seu dono, assim o quiser - o que, na história, aconteceu exatamente com o nosso velho mago "...de ira fácil e riso bom...", cujas palavras "...eram sempre sábias e cheias de esperança...". 

Nesse ínterim, não se deve deixar de mencionar a emblemática batalha entre Gandalf e o temível Balrog, em Minas Moria, quando o mago cinzento se põe em combate para proteger seus "amigos tolos" da "Sociedade do Anel" até que, no clímax da luta, ele diz: 

"...Eu sou servo do Fogo Secreto, portador da Chama de Anor...
O "fogo escuro" não vos servirá, Chama de Udûn...
Volte para a Sombra... VOCÊ NÃO PASSARÁ! (eng., YOU SHALL NOT PASS!)..."


No fim das contas, Gandalf consegue "vencer" o Balrog (mas não totalmente) pois, como que por um "capricho irônico", o terrível dragão enlaça sua cauda nas pernas do mago e, em seguida, a ponte de Khazâd-Dum se parte e ambos caem num abismo para nunca mais serem vistos - pelo menos um deles, uma vez que, algum tempo depois, o outrora "Cinzento" reapareceria como "Gandalf, o Branco", confirmando a vitória da "Chama Imperecível" contra o "Fogo Escuro"

À parte tudo isso, você pode dizer que "as perguntas anteriores ainda continuam sem respostas" - o que é verdade até o momento -, mas tenham paciência! Se ficarem até o final, poderão verificar se as respostas foram satisfatórias ou, ao contrário, terão condições de criticarem o que for preciso! Por isso, não sejam como a maioria dentre nós, que "fazem da ignorância uma fonte de autoridade intelectual" e, por isso mesmo, falam do que não entendem e desprezam o que não são capazes de assimilar por serem exatamente como são: orgulhosos de sua mediocridade. 

Feitas essas observações, respondamos à primeira pergunta: que relação haveria entre LoTR e a Reforma Protestante - no tocante aos seus fundamentos e confissão?

Considerando-se que, em textos anteriores, o tema da Reforma Protestante foi abordado sob variados aspectos, não é necessário apresentá-lo de forma mais detalhada, mas tão-somente ressaltar que este movimento possui como marca primordial o retorno à fé apostólica - i.e., à doutrina de Jesus Cristo, confirmada pela Lei e pelos antigos Profetas - em oposição ao "cristianismo à moda papista", no qual as tradições humanas haviam suplantado a Palavra de Deus e, com isso, feito surgir uma espécie de religião que era qualquer coisa, menos cristã. Desse modo, surgem outras perguntas: em que consiste a fé apostólica? Quais são os reais ensinos de Jesus Cristo? Como as Escrituras hebraicas (i.e., o chamado "Antigo Testamento") ratificam essas doutrinas? Como distinguir o que é "...de acordo com a verdade em Jesus..." do que é "...doutrina de demônios..."? Muito embora os questionamentos sejam muitos, há apenas um único caminho seguro para se chegar a todas as respostas almejadas: o testemunho que o próprio Deus dá acerca de Si mesmo, o qual pode ser conhecido 1) na realidade criada, 2) na consciência humana e, acima desses instrumentos, 3) nas Sagradas Escrituras e 4) em Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne e que nos faz conhecer a Deus, uma vez que "...quem vê o Filho, vê o Pai..." [João 14, vs. 9]. 


Nesse sentido, é importante esclarecer que nem a realidade criada nem a consciência são, em última análise, meios totalmente confiáveis ou suficientes para nos conduzirem a um conhecimento seguro de Deus, de tal sorte que uma intervenção especial da parte de Deus em favor de suas criaturas (a saber, os humanos) é absolutamente necessária, a fim de que Ele mesmo, por Sua livre graça, se dê a conhecer aos homens para que estes possam encontrá-Lo. 

Por tudo isso, Deus decidiu, ao longo da história e em Sua providência, 1) fazer com que Sua revelação (seja de Suas palavras, seja de Suas obras) fosse escrita - para que o Seu conhecimento fosse claro e acessível a quem pudesse e quisesse ouvir/ver/ler - e, de maneira ainda mais evidente, 2) resolveu assumir a própria natureza humana, por obra do Espirito Santo no ventre de uma jovem virgem judia chamada Maria, cujo "menino" seria chamado "Filho do Altíssimo", a Quem "...seria dado o trono de Davi...", para que um dia "...reinasse para sempre sobre a casa de Jacó/Israel..." num "...reino que jamais teria fim..." [Lucas 1, vs. 32-33]. Em suma, sem as sãs palavras das Sagradas Escrituras (e.g., da Bíblia) e sem Jesus Cristo - de fato, onde falta uma dessas coisas, certamente faltará a outra - ninguém pode conhecer verdadeiramente ao Deus verdadeiro e, consequentemente, toda forma de religião daí decorrente será, na melhor das hipóteses, apenas uma tentativa frustrada de se "achar Deus" como que "tateando no escuro" ou, na pior delas, uma "abominação desoladora", uma "operação do erro", uma "aparência de piedade diabólica"

Portanto, os agentes do que denominamos "Reforma Protestante" possuíam, como objetivo central, o resgate de um cristianismo genuinamente apostólico para o mundo de sua época (em particular, a Europa Ocidental), até então sepultado sob os "entulhos da religião romanista", de modo que todos os seus bons frutos - teológicos, eclesiológicos, sociais, políticos, culturais, intelectuais etc. - são advindos de uma mesma fonte: a ação de Deus por meio da Palavra de Deus, mais especificamente por meio do Evangelho, pelo Qual Deus se revela plena e definitivamente aos homens na pessoa de Seu Filho, enviado ao mundo para salvar os pecadores, o Qual morreu, foi sepultado e ressuscitou dos mortos, tendo subido aos céus até que, no dia determinado, regresse ao mundo a fim de julgar os vivos e os mortos com justiça e equidade. A 
propósito, vale lembrar que parte dessas últimas linhas são cláusulas do famoso "Credo dos Apóstolos" (e.g., Credo Niceno-Constantinopolitano), símbolo de fé adotado tanto por católicos quanto por protestantes mas que, na prática, parecia esquecido pela "Igreja da História", de forma que um "pastor alemão" precisou "fazer muito barulho" e, assim, "transtornar o mundo". 


Consequentemente, estes que "transtornariam o mundo" seriam, fundamentalmente, homens e mulheres (tanto jovens como mais maduros, indoutos e eruditos, pobres ou ricos etc.) que levantariam o "estandarte da Palavra de Deus" por onde quer que andassem - à semelhança dos atletas que levam a tocha/chama olímpica até o local onde o fogo deve queimar do início ao fim dos Jogos - e, por isso mesmo, podem ser descritos como "portadores de um Fogo Imperecível" que, embora tivesse sido "ocultado" ou "escondido" em grande medida, não poderia ser contido indefinidamente (como numa erupção vulcânica). 

De fato, tais "labaredas divinas" já estavam chamuscando o solo da Europa (e de muitas partes do mundo antigo, como o norte da África, Oriente Médio e até mais ao leste da Ásia) desde os primeiros séculos, porém a partir da metade do período medieval (sobretudo na chamada "Baixa Idade Média", dos séculos XI-XV) essas "chamas" se tornaram cada vez mais incontidas e se espalharam pelo sudeste da França e norte da Itália (e.g., os Valdenses), chegando às Ilhas Britânicas (com o testemunho de John Wycliffe e seus seguidores, os lolardos) e à Europa Central (com Jan Huss na atual República Tcheca, a partir de quem surgiram os hussitas) até que, após pouco mais de 400 anos, coube à Alemanha ser o palco do "incêndio final", o qual fora possivelmente "profetizado", numa santa ironia, por um dos personagens citados acima enquanto este era martirizado numa fogueira, conforme as seguintes palavras:

"...Hoje vocês assarão um ganso magro
Mas em cem anos ouvirão um cisne cantar;
Vocês não serão capazes de assá-lo 
E nenhuma armadilha ou rede poderá segurá-lo..."

- Palavras atribuídas a Jan Huss enquanto era queimado na fogueira, em 1415, na cidade de Praga 


Apesar de tal declaração ser objeto de controvérsia - de um lado, muitos romanistas afirmam que esse episódio é um mito e que o "arqui-herege Huss" nunca disse isso e, de outro, protestantes que viveram 1-2 séculos depois de Huss defendem a probabilidade dessa "profecia" -, uma coisa é verdade: se Huss disse isso, independentemente de ter sido ou não "intencional", ele acabou "acertando", pois 102 anos depois, na cidade de Wittemberg, surgiu um "cisne alemão" que, diferentemente do poder de gelo do Cavaleiro Hyoga, "lançou fogo sobre a Europa" ao ousar colocar sob questionamento diversas práticas e doutrinas da Igreja Romana - se você ainda não sabe, as 95 Teses de Martinho Lutero compunham uma proposta de debate mais acadêmico e não eram, ao contrário do que afirmam os seus caluniadores, uma espécie de "minuta de um golpe eclesiástico". Ora, os brasileiros que possuem ao menos 2 neurônios saudáveis e o mínimo de decência entendem bem que "minutas de golpe" podem ser somente um "conto do vigário" espalhado (ou melhor, "noticiado") para enganar "idiotas úteis" e, no caso das 95 Teses, diversos "contos do vigário" têm sido propagandeados como se fossem "fatos" - na verdade, será que essa não seria uma das especialidades dos pseudointelectuais seguidores da "religião dos vigários"? Seja Deus o juiz entre mim e quem se encaixar nessa provocação, pois assim haverá justiça. 

Resumidamente, o erguimento do "Estandarte das Sagradas Escrituras" ao longo de todos os séculos da Era Cristã (especialmente no contexto aqui abordado) foi acompanhado do martírio de seus detentores, muitos dos quais selaram seu testemunho com sangue enquanto "ardiam como tochas" diante de seus carrascos (como o próprio Huss, os bispos ingleses Hugh Latimer e Nicholas Ridley, os huguenotes franceses e até "protestantes italianos" etc.), de modo que vale destacar um breve diálogo entre dois desses "portadores do verdadeiro Fogo Imperecível":

[Ridley]: "...Tenha bom coração, irmão,
Pois Deus amenizará a fúria da chama
Ou, então, nos fortalecerá para suportá-la..."

[Latimer]: "...Tenha bom ânimo, Mestre Ridley,
E faça o papel de um homem;
Acenderemos hoje uma vela, pela graça de Deus, na Inglaterra,
Que espero que jamais seja apagada..."

- Trecho de diálogo entre Nicholas Ridley e Hugh Latimer, enquanto eram martirizados vivos na fogueira em 1555, em Oxford, por ordens da rainha católica Mary, a "sanguinária" 

Assim, embora a Inglaterra que sucedeu a Ridley e Latimer tenha sido, de fato, invadida pelas "chamas imperecíveis" da verdade de Deus, hoje a situação é bem diferente - não apenas na Inglaterra, mas em toda a sociedade ocidental - e, por isso, mais do que nunca, é necessário que surjam novos "Gandalfs" entre os que confessam a Jesus Cristo para que, com coragem e firmeza, ajam como "servos da Palavra que é fogo" e, no poder do Espírito (que também é associado ao fogo, por ocasião do Pentecostes), derrotem os "balrogs" que estão assolando a igreja e pervertendo o mundo. 


Assim, retomamos a segunda pergunta: o que torna o momento atual de nossa sociedade a melhor ocasião para relacionarmos a Reforma Protestante ao "Fogo Imperecível" de LoTR? 

Uma análise simples e atenta de nossa época nos permitirá ver que, com respeito a Deus e Sua vontade revelada, pode-se ousar dizer que, talvez, estejamos em um dos momentos mais decadentes de toda a história, apesar de que, como disse certo rei sábio, "...não é inteligente afirmar que os dias passados foram melhores que os atuais..." [vide Eclesiastes 7:10, parafraseado]. Portanto, partindo-se de um fundamento equilibrado e lúcido, nota-se que a facilidade de acesso à informação e ao conhecimento (o que inclui as Sagradas Escrituras, boa teologia etc.) não tem, necessariamente, se refletido em homens e mulheres mais civilizados e tementes a Deus mas, pelo contrário, a proliferação do mal por toda parte parece paulatinamente irreversível. De fato, o próprio Cristo havia predito que "...por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará...", indicando categoricamente que o mal se espalharia em duas frentes: 1) de modo ativo, através dos que vivem na prática da maldade e 2) de modo passivo, por meio do endurecimento dos corações que, cansados da prevalência da impiedade, acabariam por ser afetados por ela. 

Sendo mais direto, pensar nessas coisas me faz, acima de tudo, olhar para mim mesmo e notar que nenhum de nós (começando por este que vos escreve), por mais que tenha conhecimento de Deus e deseje agradá-Lo de forma íntegra, está totalmente imune à "multiplicação da maldade" (especialmente em seu "aspecto passivo"), uma vez que o "mal externo" sempre é uma "extensão do mal interno" e, por isso, quem o pratica está tão-somente demonstrando um pouco de sua natureza, ao passo que quem o vê com reprovação pode, igualmente, ser instigado a tentar "resolver o problema do mal com o mal"

Logo, apenas para dar um exemplo real, quando vemos diariamente hordas de estudantes em países de 1º mundo defendendo publicamente o extermínio de um povo inteiro através do terrorismo (cujo crime é chamado de "resistência") e, aliada a tal imundície, a ação coordenada de autoridades e demais poderosos para a destruição de nações inteiras por meio da "substituição demográfica" (mediante a qual os nativos civilizados são dominados por invasores bárbaros que não desejam nada além do "dinheiro do estado para mantê-los" e "de liberdade para cometer crimes impunemente"), normalmente perguntamos "até quando isso vai durar?" ou nos indignamos (no meu caso, não falta indignação) com a ausência da devida justiça contra tais criminosos e delinquentes. Por tudo isso, o exemplo do velho Mithrandir - que se permitiu ser arrastado pelo Balrog até as chamas de Minas Moria para salvar seus amigos da "Fellowship" (i.e., a "Sociedade/Irmandade do Anel"), enquanto lançava mão do poder do "Fogo de Anor" para derrotá-lo - nos lembra que os "herdeiros da verdadeira Chama Imperecível" (ou "Inextinguível") foram convocados a "...dar lugar à ira de Deus em vez de se vingar..." bem como a "...perder a vida para encontrá-la..." e, nessa jornada de abnegação, devem estar cientes de que seu "testemunho" sempre pode terminar em "martírio" (quem lê, entenda), o qual será recompensado no tempo determinado.


Por outro lado, não é apenas fora dos ambientes e contextos cristãos que a iniquidade tem mostrado a sua cara (e até mesmo se multiplicado) mas, lamentavelmente, os diversos pecados e escândalos existentes na chamada "cristandade", não importando qual o seu matiz/segmento, têm sido mais um dos pretextos usados pelos "inimigos da cruz de Cristo" para que "...o nome de Deus seja blasfemado entre eles..." - e isso "para vergonha nossa". 

Nesse sentido, nos últimos dias, dentre todos os maus exemplos que poderia citar, o que mais tem me entristecido (e também enfurecido) é a atitude negligente e (por vezes) leviana de certas pessoas que se declaram/são reconhecidos como "mestres", os quais, embora até ensinem em suas "comunidades locais" ou produzam conteúdo religioso/teológico (livros, sites, canais etc.) para além delas, a) não demonstram o zelo necessário com o dever de transmitir fielmente "...todo o conselho de Deus...", b) falam do que não entendem, enquanto tentam mascarar a própria ignorância ou ainda c) agem de modo intencionalmente corrupto, tratando o "Deus verdadeiro" como se Ele fosse um ente grotesco e desprezível, cuja imagem nada mais é do que o reflexo do que ELES realmente são. Logo, o correto conhecimento do Ser de Deus, ao qual Cristo se referiu como sendo "a vida eterna" [vide João 17:3], é vilipendiado nas palavras e nos escritos daqueles que nem deveriam "ousar falar das palavras divinas" - como dissera Hugo de São Vítor - mas, como afirmara o apóstolo Paulo, precisam "...ser silenciados, visto que ensinam o que não devem...", dos quais se pode dizer com toda a segurança: "...mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos..." [vide Tito 1, vs. 11-12]. 

Há muitos exemplos que poderiam ser citados para ilustrar esse argumento, mas um só é suficiente: recentemente eu li um artigo por recomendação de um amigo muito estimado (com o qual tenho poucas discordâncias teológicas mais acirradas, mas não tão graves ao ponto de nos "excomungarmos mutuamente") no qual o autor procura, por meio de numerosas citações das Escrituras, provar que o "calvinismo" (nos termos do artigo) exemplifica perfeitamente a afirmação de Jesus aos fariseus, que diz: "...vocês coam um mosquito e engolem um camelo...". Após uma leitura cuidadosa e paciente do texto - na verdade, nem tão paciente assim, para quem me conhece -, o resultado almejado pelo autor (e, provavelmente, por aquele amigo) não foi atingido mas, como já "estava predestinado", eu me tornei ainda mais firme em minhas convicções. Portanto, tendo em vista a recordação da Reforma Protestante durante esse mês e a relevância do "calvinismo" para os desdobramentos dela, é necessário "colocar alguns pingos nos i's" e, assim, mostrar quem de fato tem "coado mosquitos e engolido camelos" com suas falácias e astúcias. 


Inicialmente, deve-se ressaltar que, segundo as Escrituras, a salvação de qualquer pessoa vem unicamente de Deus, por Sua graça e mediante a fé em Jesus Cristo, pois "...ao Senhor pertence a salvação..." bem como "...o justo viverá pela fé..." [vide Jonas 2:9b e Romanos 1:17b]. Logo, não é a "precisão teológica" ou a adoção de uma determinada "linha de pensamento doutrinária" que definirá, em última análise, a salvação de alguém, muito embora o zelo pela verdade divina seja um aspecto fundamental da vida de quem teme verdadeiramente a Deus. Portanto, não cabe a nenhum de nós dar um "veredicto de condenação" a ninguém que pense diferente com relação a certos pontos teológicos (incluindo alguns que nos sejam caros) e, dessa forma, o argumento a ser desenvolvido a seguir parte desse princípio: Deus conhece os que são Dele e, por isso, "...cada um Lhe dará contas de si mesmo..." [e.g., Romanos 14:12].  

Feito esse esclarecimento, coloquemos os "pingos nos i's": em primeiro lugar, pode-se perceber que ainda existe muita ignorância quanto ao que seja "calvinismo" - normalmente, esse termo é usado para se referir à "crença na predestinação" ou, mais amplamente, nos chamados "5 pontos" ou "Doutrinas da Graça" (o que não é de todo errado, mas bastante reducionista). Na verdade, diferentes correntes teológicas, até fora do protestantismo, crêem na predestinação (como os católicos mais agostinianos e tomistas, por exemplo) e, além disso, os chamados "5 Pontos do Calvinismo" (decorrentes dos Cânones de Dort, documento produzido por um sínodo no séc. XVII nos Países Baixos) são apenas uma parte de todo o seu escopo doutrinal, o qual é muito mais abrangente e perpassa a vida cristã como um todo, de forma integral - mas, por favor, não confundam tal afirmação com a "teologia da missão integral", pois isso seria um sacrilégio tão grande quanto a missa! Por tudo isso, ao se tratar de temas dessa seriedade e importância, quem se intitula mestre e se propõe a ensinar temas teológicos/religiosos deve "...tirar as sandálias dos pés..." e ter noção de que "...o lugar em que se está é terreno santo..." e, tendo essa consciência, encarar tais assuntos com humildade, honestidade intelectual, amabilidade e mansidão - o que é cada vez mais difícil de se encontrar, mas não tanto quanto o pseudo-mundial de clubes daquele time verde da capital paulista. 

Em segundo lugar, a leitura do artigo em questão revela seu tom acintoso e soberbo - salientado inclusive por quem o havia recomendado a mim e a outros amigos em comum -, o qual, aliado a sucessivas falhas de interpretação do texto bíblico resultantes de uma busca inglória para "refutar o calvinismo", me levou a reafirmar, com mais veemência que outrora, as velhas convicções igualmente sustentadas por tantos reformadores e respectivos sucessores ao longo da história, a saber: 

a) o pecado atingiu o homem em todo o seu ser, de maneira mortal e radical, de forma que com relação a Deus e a Sua salvação, ele é ignorante, incapaz e obstinado em sua rebelião; 

b) assim, se Deus não tivesse decidido desde a eternidade, por Sua livre graça e vontade, salvar dentre os homens perdidos em seus pecados um povo para Si mesmo, ninguém seria salvo, de maneira que a salvação não é o "pagamento de uma dívida", mas a "concessão de uma dádiva"

c)  logo, para que essa obra de salvação fosse eficiente, eficaz e definitivamente realizada, Deus precisou assumir a nossa natureza e, ao viver a vida que deveríamos viver, morrer a morte que merecíamos morrer, ressuscitar e subir aos céus em glória, obteve eterna redenção a todos os que Lhe pertencem;

d) todavia, para que os benefícios dessa redenção sejam apropriados por nós, pecadores, é preciso que Deus vença a nossa resistência a Ele de tal modo que, quando Ele nos "vence", somos atraídos a Cristo pela ação do Espírito Santo e confiamos tão-somente Nele para nossa salvação;

e) e, por fim, uma vez que Deus Pai, por meio de Cristo e no poder de Seu Espírito, o Deus trino, realiza tamanha obra, ao custo do sangue de Seu Filho e sob o empenho da Sua Palavra, não há possibilidade de que essa redenção seja revogada ou invalidada, mas Deus conserva os Seus filhos seguros, até o fim, para a Sua glória. 


Diante disso, eu bem quisera colocar todos os textos das Escrituras que me viessem à mente para basear todas essas afirmações, porém o espaço é curto (e a paciência dos leitores também!) e ainda precisamos concluir o argumento. Nesse sentido, de forma resumida, eu me recuso a crer num ser, ao qual muitas pessoas se atrevem a dar o nome "Deus", que hipoteticamente "...decide ter, por vezes, a Sua vontade frustrada..." para que a "liberdade da vontade humana" (sic) seja "respeitada" - de fato, um ente como esse é mais fraco que um poodle, pois até esses cães branquinhos e peludos fazem valer sua vontade com os donos à revelia do desejo destes - e, por causa dessa recusa, jamais respeitarei qualquer "mestre/escritor/teólogo" que não exalte, em seus escritos e palavras, o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, o Rei soberano acima de todos os "deuses", que "...faz tudo quanto Lhe agrada..." segundo o "...beneplácito de Sua vontade..." [vide Efésios 1, vs. 5, 11 e 17, Salmo 95, vs. 3 e Salmo 115, vs. 3]. 

À parte isso, não apenas a própria Palavra de Deus é "fogo" (conforme escreveu o profeta Jeremias), mas o próprio Deus é "...fogo consumidor...", de tal sorte que todos os que são chamados pelo Seu nome devem ser "...arautos dessa Chama Imperecível..." a fim de que os que a contemplarem creiam nela (e, consequentemente, Nele) e não sejam lançados nas trevas, onde também há "...fogo inextinguível e ranger de dentes..." [e.g., Mateus 3:12b e 13:50b], visto que "...terrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo..." [Hebreus 10, vs. 31]. 

Finalmente, além de todas essas questões, celebrar o aniversário do "pontapé inicial" da Reforma Protestante deve nos levar a refletir em mais uma coisa: embora seja correto e justo mencionar os grandes homens e mulheres, anônimos e famosos, que fazem parte dessa história e legado, é mais que indispensável ratificar que o/a "personagem principal" da Reforma não é Lutero, nem Calvino, nem Zwinglio ou qualquer outro que os antecedeu (como valdenses, lolardos e hussitas e/ou sucedeu (puritanos, não-conformistas etc.), mas a Palavra de Deus, uma vez que "...enquanto Lutero dormia ou se confraternizava com seus amigos em Wittemberg, a Palavra enfraqueceu o papado de um modo que nenhum príncipe ou imperador faria... Ele nada fez; a Palavra fez tudo...". Nesse caso, não somente a Bíblia como revelação escrita merece maior honra, mas sobretudo a Palavra Viva, O Verbo Encarnado, de Quem todas as Escrituras testificam e, por isso mesmo, não se poderia (e jamais se poderá) comemorar quaisquer outros "Dias da Reforma" sem que Jesus Cristo, o Redentor de todos os que Nele crêem, seja "...tudo em todos...", recebendo assim toda a glória que somente a Ele é devida. Assim, vale mencionar um último trecho das Escrituras, onde se lê:

"...Isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito por meio do profeta Isaías:
'Eis o meu Servo, a Quem escolhi; o meu Amado, em Quem tenho prazer.
Porei sobre Ele o Meu Espírito, e Ele anunciará justiça às nações.
Não discutirá, nem gritará; ninguém ouvirá a Sua voz nas ruas.
Não esmagará o caniço ferido, nem apagará o pavio fumegante,
Até que faça vencedor o juízo. E em Seu nome as nações porão sua esperança'..." 
[Evangelho segundo Mateus, cap. 12, vs. 17-21]


No contexto dessa passagem, Jesus soube que religiosos fariseus e outros poderosos queriam destruí-Lo (matá-Lo) e, por isso, sai do lugar onde estava. Ao se dirigir para longe dali, muitos O seguiram e Jesus curou os doentes que estavam no meio deles. Nesse contexto, Ele adverte a todos que não contassem nada a Seu respeito de modo mais público e, por isso, Mateus lança mão da profecia de Isaías para mostrar o seu cumprimento no ministério de Jesus. Assim, dentre toda a riqueza presente nesse oráculo, gostaria de destacar apenas uma: o Servo do Senhor mencionado por Isaías - isto é, o Messias - seria um Rei gentil e bondoso, cheio de compaixão e de benignidade para com os fracos e arruinados, de modo que as imagens do "caniço ferido/cana quebrada que não é esmagado(a)" e do "pavio fumegante que não é apagado" são emblemas do "jeito de ser de Jesus" que, embora poderoso e soberano sobre tudo e todos, não abusa de Seu poder com os que estão quebrados (como um caniço rachado) e exaustos (como um pavio sem chamas), mas, ao contrário, "...salva os de espírito abatido..." e "...dá forças ao cansado..." [Salmo 34, vs. 18 e Isaías 40, vs. 29]. 

Por isso, a lição principal desse trecho dos evangelhos é que todos nós, invariavelmente, somos "canas quebradas/caniços feridos" e/ou "pavios fumegantes" de tal modo que, se não fosse a misericórdia do Servo do Senhor - o Salvador Gentil, o Rei Humilde, o Messias de Israel e Esperança dos Povos -, todos nós estaríamos perdidos, pois "se Deus fosse contra nós", não adiantaria possuirmos tudo o mais "ao nosso favor", já que ninguém pode (ou poderia) prevalecer contra Ele. No entanto, para nosso consolo e esperança, a realidade é que "...Deus é por nós..." se nos vemos como Ele diz que somos e, conscientes de nossa própria necessidade e miséria, recorremos apenas a Ele para "...recebermos Dele o que nos falta...". Logo, os que confiam/crêem no Servo do Senhor podem estar certos de que o Seu Redentor é bom - "...perigosíssimo, mas bom...", como o Leão Aslam - e que, por isso mesmo, sempre poderão contar com Seu perdão e benevolência, seja quando se virem angustiados em pecados, seja em razão das demais aflições da vida. 

Por fim, a figura do "pavio fumegante que não se apaga" é muito pertinente para todo este texto, de tal sorte que a "atual fraqueza" - ou mesmo o "quase sumiço" - da "...chama da Palavra de Deus..." em nossos dias não nos deve ser um motivo para desânimo ou, como se diz na Itália, "gettare la spugna" (i.e., "jogar a toalha"), pois Cristo, que disse "...edificarei a Minha igreja e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela..." [Mateus 16, vs. 18b], é Quem conservará esse pavio aceso até o fim e, dessa maneira, é Ele que torna tal chama uma "...Chama Imperecível...". Portanto, que Deus nos envie o Seu Espírito e nos renove a fim de que esse "Fogo Secreto" nunca pare de arder e iluminar e, como fruto disso, andemos por toda a parte (até pelas pontes e montanhas mais inóspitas) para "combater o bom combate", erguendo nossas espadas (ou cajados mágicos!) inflamadas pela verdade e, se for preciso "dar a vida em meio às chamas ou à pólvora", que Ele nos ajude - ora, no fim de tudo, o que está por vir é a ressurreição e, com ela, glória e bem-aventurança eternas


E quanto a você? 

Você é um servo da "chama de Udûn" ou já foi atingido pelo "incêndio das chamas de Anor" - e, assim, passou a ser um "servo do verdadeiro Fogo Secreto e Imperecível"?

Você ainda acredita em "falsários de internet" que, por serem militantes da "falsa religião dos vigários", pervertem a história e fazem de uma "marca de sabonete" um "argumento para se vencer debates sem ter razão" (como dizia Schopenhauer)? Ou, em contrapartida, você "busca a verdade com calma" e, sem birra, consegue discernir o erro do caminho certo?

Além disso, você tem estado atento à "multiplicação da maldade" ao ponto de repudiar o mal tanto "do lado de fora" quanto "do lado de dentro"

Por fim, você reconhece a sua real condição de "caniço quebrado" e, assim, percebe que sua maior necessidade é que o Deus encarnado não te esmague com justa ira mas, em misericórdia, te salve para Ele? No mais, se você teme a Deus e está inquieto e aflito por qualquer razão, já se lembrou de que "...não tem para Quem ir...", visto que "...só Ele tem as palavras de vida eterna..."? 



Pela convicção de ser um "caniço ferido" iluminado pela "Chama Imperecível",



Soli Deo Gloria!

quarta-feira, 27 de março de 2024

A antiga "teologia da cruz" contra os "novos fariseus"...

Após um período sem tempo para escrever (e, sobretudo, sem muita inspiração), estamos de volta por aqui.

Como de costume, cada texto novo neste blog é, quase sempre, a vívida expressão de determinados "memes" sobre o chamado "temperamento colérico"nos quais os "protagonistas" dizem que terminarão o que começaram "nem que seja na força do ódio" ou, para fazer um contrapeso mais poético, usualmente remete ao famoso refrão dos Engenheiros do Hawaii, que diz: "se depender de mim, eu vou até o fim". Desse modo, meu desafio é escrever tudo o que seja necessário, no tempo determinado e, caso seja possível, com cada vez menos ódio ao longo dos parágrafos que virão. Que Deus me ajude!


Este texto será estruturado pela interconexão dos conceitos, significados e usos das expressões a seguir: 1) fariseus, 2) teologia da cruz e 3) o "compêndio Quaresma-Páscoa". Tendo em vista que, de um lado, alguns dos vocábulos citados podem causar sentimentos impetuosos a priori (os quais, muitas vezes, são um produto de compreensões imprecisas ou equivocadas, porém já consolidadas no senso comum) e que, por outro lado, ainda há muito desconhecimento sobre outros dos termos mencionados, é bastante oportuno desmistificar certas idéias distorcidas a eles referentes bem como lançar luz sobre o que ainda for mais obscuro ou desconhecido. Portanto, feitas essas observações, o texto será mais facilmente assimilado e entendido. Sigamos, pois, em frente e sem demora!


Fariseus

Fariseus? O que são? Quem são? Onde vivem? Do que se alimentam?

Pondo à parte as perguntas irônicas acima, o termo "fariseu" se refere ao segmento religioso judaico conhecido por seu rigor na observância da Lei de Moisés e de demais tradições complementares, cujas origens remontam ao chamado "período interbíblico" (i.e., após o retorno dos judeus à Terra Prometida durante o domínio medo-persa e com a conclusão do ministério profético característico do Antigo Testamento). Os fariseus eram tidos em grande estima pelos que os cercavam devido à sua devoção e zelo e, nos dias do ministério de Jesus, estiveram presentes nos principais momentos - seja nos milagres, seja ouvindo os ensinos e sermões de Cristo e, sobretudo, por ocasião de Sua crucificação. Finalmente, os fariseus ainda exerceram grande influência entre os judeus durante as primeiras décadas da igreja cristã nascente, a qual durou até 70 d.C - o ano da destruição de Jerusalém e do início da diáspora judaica pelo Império Romano.


Teologia da Cruz.

A expressão "teologia da cruz" ('theologia crucis', em latim) foi central no pensamento do reformador Martinho Lutero, a qual era diametralmente oposta à chamada "teologia da glória" ('theologia gloriae'), associada à igreja romana medieval. Para Lutero, o centro de todo o cristianismo era o correto entendimento de "Cristo, e este crucificado" (citando as palavras de Paulo aos cristãos coríntios), de forma que "no Cristo crucificado estão a verdadeira teologia e o verdadeiro conhecimento de Deus", visto que é por meio da "mensagem da Cruz" que compreendemos, simultaneamente, a gravidade do nosso pecado, a severidade da justiça de Deus contra ele e, acima de tudo, a grandeza do Seu amor manifesto na morte de Jesus em favor dos pecadores. Nesse caso, a "teologia da cruz" era a resposta protestante à "teologia da glória" (marca da ostentação exterior, da falsa piedade e da corrupção presentes no catolicismo romano da época), tendo como alvo destruir toda noção de "salvação por obras e em cooperação com Deus" para, em contrapartida, afirmar que só Deus opera a salvação humana, assim como revelam as Sagradas Escrituras.


Quaresma e Páscoa.

Essas duas estações do "calendário litúrgico" são, possivelmente, as mais significativas para a cristandade (de modo mais amplo), pois tratam especialmente do aspecto mais sacrificial e abnegado da vida de Jesus (destacando a Sua morte de cruz, no período da "Semana Santa"), bem como seu aspecto triunfante (como se vê em Sua ressurreição, a qual marca o início da temporada de Páscoa). Assim, sabendo-se que a morte e a ressurreição de Cristo são episódios estritamente conectados entre si e que possuem suprema importância para a confessionalidade cristã, não haveria como discutir apropriadamente o que projetei para esse texto sem levar esses elementos em conta, pois, se o Evangelho não permear essas "mal traçadas linhas", tudo o que se verá nelas será raiva, indignação, sarcasmo e desdém - os quais até possuem seu valor, mas não a qualquer custo. Desse modo, guardemos o que já foi dito e "entremos no ringue" preparados - caso contrário, vocês poderão sair nocauteados desse blog em menos de 36 segundos!



Feitos esses esclarecimentos, uma pergunta surge: quem seriam os "novos fariseus" aos quais me referi? A resposta a essa pergunta requer, inicialmente, que entendamos como o termo "fariseu" é atualmente compreendido por grande parte das pessoas - em particular, por aqueles que se declaram cristãos. Desse modo, o "fariseu" é/seria aquele religioso mais legalista e rigoroso com a moral e a boa conduta mas que, ao mesmo tempo, pratica(ria) diversos pecados que o torna(ria)m um "hipócrita", o desqualificando como um exemplo a ser seguido e, com isso, levando a religião por ele professada ao descrédito. Nesse sentido, é cada vez mais comum ouvirmos a palavra "fariseu" sendo utilizada de modo impreciso e irresponsável (até mesmo como um tipo de "xingamento") por aqueles que são críticos do cristianismo ou contrários a ele (cujo objetivo é macular ou afrontar a Deus e à igreja cristã como um todo) ou por certos religiosos que desejam se desvencilhar da imagem negativa associada ao "farisaísmo" (i.e., o "modo de vida de um fariseu"). Ou seja, de acordo com essa perspectiva, "fariseu" é um termo que possui(ria) somente más conotações, a tal ponto de que todos que o utilizam de forma equivocada/maliciosa apenas destilam sua hostilidade à fé cristã ou alardeiam sua própria versão da "oração do fariseu" apresentada por Jesus em Lucas 18, a qual diz: "graças Te dou, ó Deus, porque eu não sou como estes fariseus"!

Conseqüentemente, os "novos fariseus" mencionados neste texto formariam o segmento religioso dentro do meio cristão que, embora tenha a pretensão de representar o "verdadeiro cristianismo" (segundo os critérios deles), simultaneamente é/seria marcado pela mesma hipocrisia e impiedade que atribuem àqueles que são alvos de sua oposição e suas críticas. Assim, esses "novos fariseus" são, normalmente, os primeiros a trazer para o ambiente eclesial diversas pautas (sobretudo de natureza política, para fins de "reparação" e "equidade") a fim de convencer a igreja de sua "responsabilidade social", cujo discurso de "amor à humanidade", "tolerância" e "cuidado com a Criação" mascara, muitas vezes, a falta da compaixão individual para com o próximo e o respeito aos pais, bem como a intolerância para com todos os que são considerados uma "ameaça à causa" pela qual lutam e, finalmente, a substituição da devoção a Deus e da sacralidade da vida humana por um "neopaganismo verde", onde "florestas" e ovos de tartaruga valem mais que bebês no ventre - ou mesmo fora dele. 

A esse respeito, vale a pena recordar duas citações: a primeira está no clássico "Os Irmãos Karamazov" do escritor russo Fiodor Dostoievski, que diz "quanto mais 'amo a humanidade' em geral, menos amo os seres humanos em particular"; a segunda, não menos importante, é atribuída a G. K. Chesterton, onde se lê que "Cristo não amava a 'humanidade', mas amava os homens... nem Ele nem nenhum outro pode amar a 'humanidade', pois seria como amar uma gigantesca centopéia". Portanto, fica evidente que o uso de narrativas de grande apelo emocional e afetivo, mas que não são ancoradas na realidade nem expressam um padrão de justiça legítimo, não passam de 1) embuste para enganar os ingênuos e de 2) instrumentos de autoglorificação de pessoas ímpias e que não temem a Deus, mas querem fazer de conta que o fazem. 


Nesse ínterim, deve-se acrescentar que a comunidade cristã/evangélica do Brasil testemunhou, particularmente no mês anterior, o surgimento de uma composição chamada "Evangelho de Fariseus", feita por uma jovem cantora e instrumentista paraense durante sua participação em um programa destinado a encontrar novos talentos da "música gospel". Embora não seja minha intenção primordial desmerecer a canção (e muito menos fazer qualquer comentário indevido sobre a compositora), a repercussão causada pela música ultrapassou as redes sociais e alcançou até a classe política do país, de modo que certos trechos da letra se tornaram objeto de polêmica e de discursos mais acalorados, tanto caluniosos quanto verdadeiros. Na canção, é dito que os cristãos estão vivendo ensimesmados (com "campanhas e eventos para si mesmos"), que "o dízimo é prioridade em lugar dos corações", que "cada fariseu escolhe a sua própria versão do Evangelho" enquanto crianças desaparecem traficadas na região do Marajó (ilha muito pobre no norte do Brasil) e, por fim, que a "Amazônia está em chamas devido ao descaso da 'falsa noiva' de Cristo, a qual está com seu ego superaquecido". Por tudo isso, alguns disseram que a música era um "alerta profético" para a "igreja brasileira" (a propósito, a própria cantora se definiu como uma "profetisa em tempos de caos"); por outro lado, outros foram bastante críticos às sugestões dadas pela letra, destacando um "viés político" sutilmente pernicioso nas entrelinhas da música. 

Logo... quem estaria certo
Os defensores da música ou seus "opositores"? Será que isso tudo realmente importa? 

Em outras palavras, haveria alguma relação entre todas essas coisas e a "Teologia da Cruz"? 
O que a Quaresma e a Páscoa teriam a dizer no tocante aos "evangelhos de fariseus" e aos seus seguidores?


Todas essas perguntas podem ser respondidas a partir da tese central desse texto, a saber: a suprema necessidade dos chamados "novos fariseus", assim como dos fariseus do passado e de todo ser humano é a "antiga teologia da Cruz", conforme revelada nos episódios da Quaresma e da Páscoa, nos quais Jesus Cristo, o Deus-Homem, cumpre a missão que lhe fora dada pelo Pai e, após sofrer a morte de cruz em lugar dos pecadores, ressuscita dos mortos para atestar a Sua divindade e garantir a redenção de todos por quem Ele dera Sua vida

Ditas essas coisas, o primeiro aspecto a ser considerado ao longo dessas respostas é que, ao mesmo tempo que a letra da música citada aponta problemas graves e reais do contexto cristão/evangélico brasileiro (como a "teologia da prosperidade", o egoísmo e a indiferença de muitos crentes para com os que sofrem e a pouca relevância da igreja na esfera pública), há algumas ressalvas a serem feitas. De fato, a genuína fé em Deus exige um conhecimento puro e correto acerca de quem Ele é, de Suas obras na história e do que Ele demanda de Suas criaturas e, por isso mesmo, quaisquer incongruências e equívocos doutrinários relacionados a Deus e à Bíblia devem ser corrigidos com zelo e celeridade, pois essas são questões de vida ou morte... de vida ou morte eternas! Portanto, eu não estou de brincadeira!

Dessa forma, os principais problemas relativos à mensagem dessa canção são 1) a atribuição de uma culpa generalizada à igreja como a "responsável" pelo caos social e pela "crise ambiental" (sic), 2) a superestimação de certos "papéis sociais" que a igreja deveria exercer como a marca indelével de sua identidade e 3) a linguagem irreverente para se dirigir à igreja, em tom condenatório e temerário, o que denota arrogância e ignorância sobre a natureza dela. 



Assim, sobre o ponto 1), deve-se salientar que a missão da igreja NÃO É resolver as mazelas sociais, "salvar o planeta" e nem mesmo dar um fim ao tráfico sexual de crianças (por mais que a solidariedade com os pobres, o usufruto responsável dos recursos naturais e o combate à pedofilia sejam nobres e muito necessários), mas sim GLORIFICAR A DEUS por meio de um culto verdadeiro, da proclamação do Evangelho ao mundo, da comunhão entre seus membros, da obediência periódica e constante às ordenanças cristãs (Batismo e Ceia) e da disciplina eclesiástica, de sorte que outros benefícios que a igreja pode conceder à sociedade seriam frutos decorrentes de sua fidelidade à sua real vocação. Quanto ao ponto 2), a identidade da igreja está em Jesus Cristo e é definida pela sua união com Ele e, por isso, quaisquer substitutos de Cristo como o fundamento da igreja, sobre Quem ela está firmada, devem ser terminantemente eliminados e destruídos, não importando quão "relevantes" estes pareçam para a sociedade moderna e, principalmente, para que a Igreja não busque ser "amada pelo mundo", desprezando Aquele que a amou e Se entregou por ela. Finalmente, um dos maiores males da cristandade atual é o desconhecimento do que de fato é a Igreja de Cristo e, com isso, o subsequente menosprezo a ela - ora, se nenhum homem deixa de se indignar quando ouve a sua esposa ser aviltada e zombada, quais sentimentos/afetos se elevam no coração de Cristo quando a Sua noiva é maculada pelas palavras dos que dizem segui-Lo? Se devemos tomar cuidado com nossas palavras ao falarmos com nossos amigos, pais ou autoridades civis/judiciais (embora algumas destas nos despertem somente raiva em lugar de respeito!), quanto mais ao nos referirmos à "esposa do Cordeiro"! Bom seria que tais bocas se calassem

Os "novos fariseus", portanto, acham que precisam "salvar a Igreja" de ser "mal vista pelo mundo" - mas quem disse que ela deve ser "bem vista" por ele? -, instituindo a si mesmos, em última análise, como os "vanguardistas" desse "processo de redenção". Entretanto, a Bíblia diz, ao contrário do que todos gostariam que dissesse, que quem "salva a Igreja" (no caso, salvou, está salvando e salvará) É JESUS E NÃO VOCÊ (ou EU, ou quem quer que seja), de tal modo que a preocupação dos que são discípulos de Cristo deve ser tão-somente andar fielmente "Coram Deo" (diante de Deus), procurando viver à luz da fé que professa com os lábios, visto que é Deus quem cuida da Sua Igreja e, no tempo certo, a vindicará diante de seus detratores e inimigos. Ah, eu mal posso esperar por isso!


Em contrapartida, ousarei afirmar que os "novos fariseus" não estão presentes apenas entre os "religiosos ativistas" (por assim dizer) que normalmente estão engajados em "causas sócio-políticas", mas igualmente dentre os que são (ou se consideram) diametralmente opostos aos mais "militantes". Estes últimos, por sua vez, podem ser encontrados nas comunidades cristãs mais históricas e tradicionais, sendo ferrenhos defensores de sua herança e tradição teológica, ocupando as salas de aula (ou as cátedras) em instituições de ensino renomadas em diversas partes do mundo e, muitas vezes, sobem semanalmente aos púlpitos bem como dão diariamente as caras nas redes sociais, através das quais buscam maior alcance e influência sobre sua audiência (seja ao vivo e em cores, seja virtual). Vale ratificar, porém, que pretendo tratar dessa questão com seriedade e amabilidade, pois todos estamos cientes de que "sob o pretexto de dizer a verdade, doa em quem doer" podemos tão-somente destilar orgulho, ira e leviandade contra o próximo - i.e., a verdade deve ser dita (e será!) com toda a firmeza que lhe convém, mas sem ignorar o bom senso e a sobriedade. Que Deus, mais uma vez, me ajude! 

Simultaneamente à polêmica da canção "Evangelho de Fariseus" (abordada acima), outras "tretas" têm surgido pelos "rincões da internet" - o que seria dos "webcrentes" (sic) sem as tretas inúteis, não é mesmo? -, a exemplo de 1) a obrigatoriedade de casais cristãos saudáveis de terem MUITOS filhos, 2) a absoluta proibição de se representar, sob qualquer forma, a pessoa de Cristo em imagens, por ocasião da popularidade de uma série chamada "The Chosen" - e.g., "Os Escolhidos", focada na vida dos apóstolos de Jesus - e 3) a restrição da "ortodoxia cristã" apenas a determinados círculos teológicos mais "confessionais", o que automaticamente lançaria todos os que não compõem esses "grupos seletos" no "balaio dos hereges", "quintas-colunas", "papistas transfigurados" ou outra ofensa imbecil presente nos comentários do Instagram. 

Inicialmente, reitero que as Escrituras ensinam que "os filhos são herança do Senhor", sendo descritos "como flechas na mão do guerreiro", de modo que "aqueles que enchem deles a aljava são felizes" (vide Salmo 127). Logo, gerar filhos é uma grande bênção divina (e.g., Gênesis 1:28-29), de sorte que os cristãos devem ver os filhos como "riqueza" e não como "despesa" e, sobretudo, precisam defender a vida desde a concepção ao combater a "cultura da morte" associada à "pauta abortista", rejeitando todo resquício de idéias derivadas do feminismo e movimentos semelhantes. Além disso, é evidente que a Bíblia reprova todo tipo de idolatria e descreve esse pecado como um dos mais estúpidos e perversos, salientando que Deus deve ser compreendido como um Ser singular e incomparável e, como resultado, nós devemos adorá-Lo consoante à Sua dignidade e excelência. Nesse sentido, os preceitos nos quais a idolatria é proibida (Êxodo 20:3-6; Deuteronômio 6:13; 1 João 5:21) englobam não apenas a condenação do pecado exterior (a saber, expresso na veneração de imagens, amuletos, estátuas, totens etc.), mas também condenam a "idolatria do coração", a qual é mais difícil de detectar e facilmente assume uma "forma de piedade", embora esconda uma atitude hipócrita e dissimulada. Por fim, eu sou um cristão fortemente convicto das doutrinas que professo e nas quais creio (tanto que eu evito entrar em debates, pois possivelmente ganharia a disputa!) e, por isso mesmo, sei do elevado valor de se cultivar a confessionalidade e de preservar as boas tradições. Entretanto, uma teologia biblicamente coerente e saudável precisa ser acompanhada do fruto do Espírito Santo, de humildade e da "sabedoria do alto" (ver Tiago 3:13-18) nas vidas daqueles que a defendem por toda parte, pois está escrito que "como o corpo sem o espírito está morto, assim a fé sem obras é morta" (Tiago 2:26). 
 

Por tudo isso, se faz necessário dizer que, quanto à exigência de se formar famílias numerosas, os dois maiores equívocos são que a) nem sempre o desejo de se ter muitos filhos será um desejo santo - p. ex., os casais podem desejar isso apenas para exibir a "vida perfeita" na internet, ou para procurar firmar a própria identidade em algo que não seja Cristo etc. - e, de forma particular, b) NÃO EXISTE qualquer preceito referente a QUANTOS filhos um casal deve ter e nem que a falta de filhos seja necessariamente pecaminosa (muito embora diversos pecados podem motivar o desinteresse pelos filhos, especialmente num mundo dominado pelo materialismo e pelo feminismo). Assim, aos tantos que se têm constituído "especialistas" ou "influencers espirituais" em nosso tempo, o alerta bíblico é um só: não deve haver muitos "mestres" no meio cristão, pois o juízo reservado para eles será mais rigoroso (vide Tiago 3:1). No entanto, aos tantos que acham que podem suportar o juízo de Deus e, mesmo assim, desejam continuar a "produção de seus conteúdos", eu envio outro aviso: as idéias têm conseqüências, e as palavras vãs também

No tocante ao problema da representação icônica de Jesus (em desenhos, quadros, vitrais etc.), sabe-se que o coração/a mente humano(a), devido aos efeitos do pecado, é tendencioso(a) às fantasias e ao autoengano, de forma que o devido zelo com respeito ao Ser de Deus é mais que necessário. Contudo, mesmo os mais zelosos e eruditos dos pensadores e intelectuais da história da Igreja estão sujeitos a erros e, por isso, seu legado teológico (livros, declarações de fé, catecismos etc.) também pode conter (e provavelmente contém!) lacunas e inadequações doutrinárias, fato que deve nos conduzir sempre à ÚNICA fonte de autoridade de fé infalível e inerrante: as Sagradas Escrituras. Desse modo, uma das maiores urgências do meio cristão mais tradicional (sobretudo o reformado, com o qual me identifico) é o ABANDONO RADICAL e CATEGÓRICO do que chamarei aqui de ROMANISMO REFORMADO, segundo o qual são adotados os "6 SOLAS" em lugar dos 5, sendo o último deles o "Sola Confessionis" - ou seria "Westminster's Alone"? Ou seja, enquanto se diz que "somente a Bíblia é a fonte de revelação e autoridade para o cristão, sendo a única regra que pode constranger a sua consciência", na prática se vê uma equivalência entre a Bíblia e os símbolos de fé, de forma que tais símbolos são definidos como A INTERPRETAÇÃO FIEL das Escrituras, o que faz com que tais protestantes sejam, nesse aspecto, exatamente iguais aos romanistas que tanto condenam. Ah, vale relembrar que o romanismo é uma "religião apóstata" e eu sou, com alegria, um "protex", pois eu quero uma "fé saudável e protegida"

Finalmente, no que se refere ao "sectarismo da ortodoxia cristã", o que foi dito acima também se aplica, pois a multiplicação de "teólogos de caixinhas de stories e de reels" testifica a decadência do labor teológico em nossa época, sendo um grave sintoma da maldita separação entre "conhecimento e devoção", de tal maneira que o que eu mais desejo é TOTAL DISTÂNCIA desses "mestres soberbos e engraçadinhos" (que pensam que a vida com Deus consiste em "se exaltar enquanto se zomba do próximo" ) até o nível "algorítmico", para que eu não tenha o desprazer de ver "recomendações" de vídeos e postagens idiotas feitas por gente ainda mais idiota. Além disso, é a partir da consciência da real supremacia das Escrituras sobre toda tradição religiosa (incluindo as boas tradições!) que podemos adotar uma conduta humilde para com irmãos de fé que pensam e agem diferente de nós em questões adiáforas (i.e., não-essenciais) e, com isso, reconhecer que o "reino de Cristo" é formado por "homens de toda tribo, povo, língua e nação" - o que inclui aqueles que não são iguais a nós, mas são igualmente amados por Ele.


Portanto, a verdadeira solução para todas as denúncias feitas até esse instante é a "Velha Grande História" - a qual chamei de "Antiga Teologia da Cruz", lançando mão da expressão de Lutero -, a qual é recordada por diversas comunidades cristãs em todo o mundo ocidental de modo mais intencional nessa Semana Santa (e na próxima, no caso dos cristãos ortodoxos/orientais), a saber: a "História do Evangelho", do Deus "que amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito" (João 3:16), Daquele "que não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate de muitos" (Marcos 10:45), de Quem "veio ao mundo buscar e salvar o que se havia perdido" (Lucas 19:10)que "se esvaziou e assumiu a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens e, sendo achado em figura humana (vale salientar!), foi obediente até a morte..." (Filipenses 2:7-8) etc., para que "todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna", cujo fim não seria uma cruz romana nem um sepulcro aberto numa rocha, mas a mais bendita das manhãs - a manhã da ressurreição, o Domingo da Páscoa!

Mas... por que/como a recordação da vida e obra de Jesus Cristo nos ajudariam a combater os diversos "evangelhos de fariseus" (ou melhor, os "novos fariseus" que infestam o meio evangélico), sejam as variantes "militantes", sejam as "confessionais", ou ainda as "ortodoxo-sectárias"?  

Primeiramente, o Evangelho de Cristo (e.g., "do reino de Deus", "da salvação", "da glória do Deus bendito", "da paz" etc.) nivela todos os homens, sem exceção, ao mesmo patamar de miséria e condenação pois, se somente em Cristo há verdadeira redenção, nenhum ser humano tem qualquer segurança/descanso diante de Deus caso confie em si mesmo ou em outrem. Ou seja, embora não seja o Evangelho em si que fundamente a punição do homem pecador (esse é o papel da Lei divina, pela qual vem o "pleno conhecimento do pecado" - Romanos 3:20), o anúncio das "boas-novas" já pressupõe a realidade das "más-novas" e, por isso, o Evangelho é imprescindível tanto para os que não temem a Deus (ou não crêem Nele) quanto para os que já professam sua fé no Cristo proclamado nele, como também dissera Martinho Lutero: "nós precisamos ouvir o Evangelho todos os dias porque nos esquecemos dele todos os dias". Nesse sentido, outra citação vem bem a calhar, onde se diz: "antes da Reforma, o problema da Igreja NÃO ERA que ela não tinha a Bíblia, mas que ela não tinha mais O EVANGELHO", dita pelo pastor batista Jonas Madureira (cujo único pecado é ser palmeirense!). Isto é, apesar de o Evangelho (como texto) ser parte do Novo Testamento (que é parte da Bíblia), o período que antecedeu a Reforma não era desprovido de elementos e práticas relativas às Escrituras, mas estava esvaziado do Evangelho e, por isso, a cristandade estava adoecida, visto que a glória de Deus em Cristo fora ofuscada por invenções e tradições humanas. Talvez seja, pois, exatamente isso que está se repetindo agora mesmo, na nossa cara, dadas as "tretas" na internet, os radicalismos tolos e as especulações fúteis que apenas produzem contendas e que não são "conforme à piedade", mas "servem apenas para a perversão dos ouvintes" (ou dos seguidores). 


Por outro lado, a mensagem que a Semana Santa pode nos trazer, no tocante a compreender com maior profundidade os últimos dias de Jesus até Sua morte e Sua ressurreição, igualmente nos ajuda a relembrar que Deus sempre cumpriu Seus planos da história, de acordo com Seu santo conselho e desígnio, usando diferentes meios e instrumentos pelos quais esses planos pudessem ser executados e, após a conclusão de todos os Seus atos de revelação, Ele continuou a agir na história a fim de preservar o Seu conhecimento para que as gerações futuras O conhecessem e O servissem. Dessa forma, apesar de que Deus possa, em Sua providência, atuar (ou tenha atuado) em algumas épocas de modo mais glorioso e abençoador do que em outras, os resultados dessas intervenções divinas particulares também incluem o contexto histórico de cada época e, com isso, não existe nenhum legado teológico que seja isento de influências sociais e culturais, o que torna todas as boas tradições e heranças religiosas sujeitas a equívocos e, portanto, não-infalíveis. 

Assim, se Deus sustentou a Sua verdade e a Sua igreja (a verdadeiramente "católica", não a romanista) por aproximadamente 16-17 séculos sem a necessidade de um movimento confessional específico - enquanto se pudesse pensar que a "verdadeira Noiva de Cristo" estaria sob ameaça mortal na ausência desses "purificadores da religião" -, por que ainda muitos se comportam como se Deus tivesse se tornado dependente desses "gladiadores da pureza" para salvar ou santificar os Seus eleitos? Que "eleição incondicional" (ou "perseverança dos santos") é essa que, supostamente, "dependeria" de pré-requisitos humanos, específicos de uma tradição, restrita a um território e circunscrita num século, para ser(em) validada(s)? Para quem me conhece bem, devo ratificar que sou um convicto defensor das "Doutrinas da Graça" (i.e., a doutrina da salvação reformada) - ao ponto de fazer o meu próprio "Programa Vejam Só", caso queiram discutir comigo a respeito delas! -, contudo é triste ver que muitos irmãos (pois assim os considero), no ímpeto de reafirmar seus distintivos e sua identidade, parecem "cair da graça" (quem lê, entenda) sob o véu do orgulho espiritual e do "zelo confessional". De fato, eu até desejo estar errado em alguns aspectos que permeiam essas críticas (caso esteja agindo sem amor para com eles) mas, se esse não for o caso, que Deus seja o Supremo Juiz entre nós, pois "Ele é sempre verdadeiro, e todo homem mentiroso" (Romanos 3:4).


Finalmente, a meditação no significado da Semana Santa (que, claramente, não é uma ordenança das Escrituras, mas pode ser uma ocasião muito oportuna para se aprender/recordar que a fé cristã não consiste primordialmente numa "argumentação logicamente bem elaborada", mas numa "verdade historicamente situada e devidamente comprovada") nos ajuda a entender quem verdadeiramente é Jesus Cristo e qual a natureza de Sua obra. Num mundo onde a quantidade de "versões de Jesus" ultrapassa em muito a torcida do Corinthians (a maior do Brasil, já que não é "terceirizada" como outras por aí), nada é mais indispensável do que o conhecimento do Jesus bíblico - ou seja, o único verdadeiro. A propósito... quem é o Jesus revelado na Bíblia? O que Ele fez e qual a importância de se saber essas coisas?

De fato, falar exaustivamente sobre o Cristo verdadeiro, o das Sagradas Escrituras, é totalmente impossível e, por isso, eu vou destacar apenas um aspecto: o Jesus da Bíblia é o "Verbo que se fez carne" e não o "Verbo que se fez enunciado/silogismo/documento de fé", de tal maneira que, ainda que não possamos vê-Lo fisicamente hoje (visto que Ele está numa condição de exaltação e, assim, Sua glória nos destruiria se O contemplássemos como estamos e, por isso, vivemos pela fé), Ele assumiu nossa natureza de modo DEFINITIVO. Isto é, o Jesus das Escrituras, desde o momento em que o Espírito Santo O gerou no ventre de Maria, jamais deixará de ser, em certo sentido, "como um de nós" e, portanto, podemos entender que a redenção da Criação envolve, obrigatoriamente, a redenção da realidade material. Ora, a demonização da matéria e a superestimação do "espiritual" são coisas de GNÓSTICOS e NÃO DE CRENTES, cuja postura foi chamada pelo apóstolo Paulo de "filosofia vã" e pelo apóstolo João de "espírito do Anticristo". Nada mais irônico, pois, que observar "antipapistas" sendo possivelmente guiados pelo mesmo espírito que orienta o papado!

Para finalizar, é pertinente reiterar que é por meio da própria revelação escrita (a Bíblia) que compreendemos que o Deus verdadeiro, subsistente em três pessoas igualmente divinas (embora distintas entre si), decidiu se revelar de forma cabal através da ENCARNAÇÃO, tornando-se visível para todos os que viram Jesus de Nazaré, o Filho do Deus vivo, chamado de "a imagem/o ícone do Deus invisível" (Colossenses 1:16) - ou seja, Aquele que faz o Pai, que habita em luz inacessível (1 Timóteo 6:16), "ser visto" -, pois está escrito que "quem vê a Cristo, vê o Pai" (João 14:9). Logo, se realmente levássemos o "Sola Scriptura" a sério, jamais o substituiríamos pelo "Sola Confessionis" (como se ambos fossem a mesma coisa), mas colocaríamos as coisas nos seus devidos lugares e cumpriríamos, na prática, o que afirmamos na teoria: a Bíblia é a "norma normans" (a regra que regula, a norma que normatiza) e tudo o mais - confissões, catecismos, credos etc., por mais notáveis e bíblicos que sejam - é "norma normata" (a norma que é normatizada, a regra que é regulada). Esta é a hora de fazer valer, mais do que nunca, o slogan "ECCLESIA REFORMATA ET SEMPER REFORMANDA SECUNDUM VERBUM DEI" (e.g., "a igreja reformada, que sempre se reforma, segundo a Palavra de Deus"), pois são as ações que mostram o que de fato cremos e não meramente os nossos discursos e a nossa retórica. 


Após tudo o que foi escrito, a conclusão é: aproveitemos a Quaresma/Semana Santa para sermos especialmente relembrados do Filho de Deus, que "nasceu de mulher na plenitude dos tempos" (Gálatas 4:4), viveu a vida sem pecado que não seríamos capazes de viver, "carregou em Seu corpo os nossos pecados" na cruz (1 Pedro 2:24), foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia (o Domingo da Páscoa) “por nós e para nossa salvação”. Abandonemos, também, as contendas infrutíferas e vazias, as quais não passam de "vitrines" para uma soberba velada (que, muitas vezes, se disfarça de "rigor doutrinário"), lembrando-nos que "com Deus não se brinca" (como se Ele fosse igual a nós!) e, com base nessa consciência, tratemos as coisas santas com reverência e temor, como uma expressão viva de nossa devoção a Deus, sem corrompermos o conhecimento de Deus em prol de "causas políticas" ou "pautas sociais", mas servindo a Ele do jeito Dele, visto que esse é o único jeito possível.

Que a "Antiga Teologia da Cruz" prevaleça, e os "novos fariseus" se rendam diante dela - ou sejam por ela abatidos!
Que Cristo, e somente Ele, seja o objeto de nossa fé para a salvação, pois "Ele é uma rocha firme, e tudo o mais é areia movediça"!
Que nossos corações se enterneçam, mais uma vez, pelo Servo Sofredor, o Redentor Crucificado, a fim de sermos aperfeiçoados em amor e humildade, conformando-nos a Ele em Sua morte para podermos participar da Sua ressurreição!

Hoje ainda é sexta-feira; amanhã será sábado; mas calma... o Domingo está chegando!




Pela certeza de que a "Teologia da Cruz" triunfará no final,



Soli Deo Gloria!