Após alguns meses de ausência (como normalmente ocorre por aqui), estamos de volta.
De início, existem diversos motivos para este retorno, mas o principal deles é a combinação de episódios recentes que têm revelado a face mais sórdida e desprezível de muitos ao nosso redor a um certo conjunto de eventos bem mais antigos - os quais, contudo, mostraram o que acontece quando "a luz resplandece nas trevas e estas não prevalecem contra ela", como vemos em seu lema "Post Tenebras Lux" ou "Depois das Trevas, a Luz". Ficou curioso? Fique até o fim e, com paciência, leia.
Esse texto pretende ser um "ponto de virada" que vire as coisas "de baixo para cima" - conforme o seu título em inglês -, de modo que nenhum dos seus poucos leitores permaneça numa "apatia com aparência de virtude" e, consequentemente, não se oponha ao mal (não importando qual seja) de acordo com as reais proporções dele, tornando-se culpado do seu triunfo. Ou seja, minha intenção é "tirar a paz" de todos os que passarem por aqui a fim de que essa "apatia" se transforme em coragem em defesa do bem e da verdade - sobretudo aquela "Verdade", pela qual todas as demais coisas são verdadeiras.
Logo, sem mais rodeios, sigamos em frente - e que Deus me ajude.
Primeiramente, não haveria modo mais justo de introduzir esse texto do que mencionando um episódio dos Atos dos Apóstolos (relato bíblico que apresenta as primeiras décadas da história da igreja cristã no séc. I, desde Jerusalém até outras partes do antigo mundo greco-romano), no qual também houve um "ponto de virada", como mostrado a seguir:
"...Paulo e Silas [...] chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga judaica.
Como de costume, Paulo entrou na sinagoga e, durante três sábados, conversou com as pessoas que estavam lá sobre as Sagradas Escrituras [...], provando que o Messias precisava morrer e ressuscitar dos mortos. Ele disse [...]: este Jesus, que eu lhes anuncio, é o Messias (i.e., o Cristo).
Alguns deles se convenceram e se uniram a Paulo e Silas [...], mas os judeus ficaram com inveja e, junto com alguns agitadores que reuniram na praça do mercado, eles formaram um bando. Eles causaram confusão pela cidade e atacaram a casa de Jasão (Jasom), tentaram encontrar Paulo e Silas e... como não os encontraram, eles arrastaram Jasão e alguns outros seguidores de Jesus para apresentá-los aos líderes da cidade, gritando:
Estas pessoas são conhecidas por causar problemas, virando o mundo de cabeça para baixo, e agora elas/eles vieram para cá... Todos eles desobedecem às leis do imperador romano, cometendo traição ao dizerem que há outro rei, chamado Jesus..."
- Atos dos Apóstolos 17, vs. 1-7 (Bíblia Livre para Todos, versão de Portugal)
Esse trecho relata a chegada de Paulo e Silas a Tessalônica (localizada na antiga Macedônia e na atual Grécia), que à época estava sob o domínio romano. Durante um período de 3 semanas (ou um pouco mais, talvez), Paulo esteve na sinagoga debatendo com os judeus da cidade, provando pelas próprias Escrituras que Jesus era o "Messias prometido". Como resultado, alguns creram na pregação de Paulo, mas outros ficaram indignados a tal ponto de organizarem motins e ataques aos novos cristãos, acusando-os de traição contra Roma em razão de sua fé em Jesus Cristo.
Nesse contexto, os opositores de Paulo e Silas descrevem com precisão a real natureza dos mensageiros de Cristo e de sua mensagem ao afirmarem que "eles estavam virando o mundo de cabeça para baixo" - os quais, segundo o Palavrantiga, estariam "...subvertendo o mundo por amar a Esperança que salta os muros...". Assim, esse momento viria a ser um "turning point" para toda aquela região e até mesmo para todo o Império, uma vez que a fé cristã era (e é!) tanto uma postura religiosa quanto uma decisão política, por meio da qual cada cristão estaria confessando que "César" não era o seu Κύριος (e.g., Kyrios - port., "Senhor"), mas unicamente Jesus Cristo - o que poderia (e ainda pode) custar tudo, incluindo a vida.
Por tudo isso, pode-se concluir que, desde os tempos do Novo Testamento, assumir um compromisso com Jesus Cristo de modo resoluto e público sempre tem sido um "motivo de transtorno" e "incômodo" para todos os que não crêem Nele, de forma que não há como ser um discípulo Dele sem "subverter" a "Cidade dos homens" - seja aquela em que todos agora estamos, seja a que tantos dentre nós desejam erguer por meio de suas "utopias políticas" e outras fantasias. Em face disso, em que sentido a noção de um "virar o mundo de ponta-cabeça", o discipulado cristão e a Reforma Protestante estariam relacionados? Por que essas coisas, devidamente associadas uma à outra, deveriam nos tirar do "conformismo diante do mal" circundante para que sejamos como soldados que se adequam à máxima latina "SI VIS PACEM, PARA BELLUM" (e.g., "se queres paz, prepara-te para a guerra")? Leia os próximos parágrafos e (assim espero!) encontrará a resposta.
É provável que muitos dentre nós conheçam o seguinte silogismo: "tempos maus criam homens fortes e homens fortes criam tempos bons; mas tempos bons criam homens fracos e homens fracos criam tempos maus". Assim, o ciclo apresentado por essa citação pode ser claramente observado ao longo do tempo, pois a experiência mais comum às diferentes sociedades mostra que o sofrimento acaba por fortalecer as culturas e povos cujos fundamentos e raízes são mais firmes e, por outro lado, causa o esfacelamento daquelas "civilizações" onde as chamadas "virtudes cardeais" - a saber, fortaleza, prudência, justiça e temperança - estão ausentes.
Nesse sentido, podemos citar o povo judeu/israelita que, embora tenha enfrentado ao longo de sua história milenar diferentes situações de escravidão, escassez, oposição e hostilidade de povos inimigos, massacres, exílio, diásporas até que, no último século, foi alvo de genocídio (esse sim de verdade!) pelas mãos dos nacional-socialistas alemães (e.g., nazistas) sob o comando de Hitler, conseguiu permanecer vivo, preservando suas tradições, cultura, religião e identidade, constituindo-se um exemplo notório de uma sociedade forte e capaz de "ressurgir das cinzas" - assim como o Cavaleiro de Bronze "Ikki de Fênix" no clássico anime "Cavaleiros do Zodíaco". Em contrapartida, pode-se mencionar o Império Babilônico, o qual durante alguns séculos antes de Cristo se tornara o maior poder existente e cuja glória havia se estendido por vários territórios no Antigo Oriente Próximo (i.e., Oriente Médio), inclusive até os judeus do antigo reino de Judá (pertencente à dinastia de Davi). No entanto, com a ascensão dos medo-persas e, mais tardiamente, dos gregos, selêucidas, ptolemaicos e romanos, a outrora "grande Babilônia", edificada pelo famoso rei Nabucodonosor II, seria feita uma "perpétua desolação", uma "terra sem homens nem animais" que seria "afundada no rio Eufrates para nunca mais se reerguer", o que indicava que seu esplendor ficaria restrito aos grandes museus que surgiriam séculos após a sua ruína.
Consequentemente, o que diferenciaria os judeus dos babilônios (ou caldeus)? Por que aqueles continuam entre nós como um povo forte (com muitas das pessoas mais prósperas do mundo, contendo cerca de 8% dos prêmios Nobel etc., embora sejam somente cerca de 15-17 milhões em todo o planeta) e os últimos são apenas parte de registros arqueológicos - de grande valor, sem dúvida -, apesar de que existem caldeus ainda hoje em países como Iraque e Síria? Uma resposta simples é: a quantidade de "tempos maus" vividos pelos judeus os tornaram mais fortes (o que voltamos a ver claramente desde 7 de outubro de 2023), de forma que tais virtudes, em alguma medida, têm sido vistas no meio deles há milênios - o que não foi o caso dos babilônios. Logo, sem as devidas qualidades morais, qualquer civilização está sujeita à degeneração e, portanto, a ser destruída.
Desse modo, uma explicação bastante razoável para a situação catastrófica da humanidade atual - e, em particular, das nações e culturas que foram mais privilegiadas com bons valores e diferentes virtudes (como as supracitadas) - é que os "tempos bons" não têm sido acompanhados por uma atitude de conservação desses valores nos últimos 2 séculos (especialmente do séc. XX até aqui), mas por uma postura de ressentimento histérico, negação contumaz da realidade imediata, desejo desenfreado de falsear e substituir a história e, acima de tudo, por um ódio assassino por tudo e todos que sejam considerados uma ameaça ao "sentimentalismo tóxico" bem como aos planos daqueles que, à semelhança do excrescentíssimo juiz Dias Toffoli, se reconhecem "editores/censores de uma sociedade inteira, de um país inteiro e - ouso dizer - até do universo inteiro". Em poucas palavras, o "homem-massa" de Ortega y Gasset se tornou o padrão de conduta e, como resultado, a maioria de nós desfruta de benesses pelas quais não lutamos e desprezamos em nossos discursos até que, por fim, desejamos destruí-las "em nome de um mundo melhor".
O que justificaria, pois, a existência de hordas de "estudantes" (que não estudam, obviamente) em marcha pelos campi e pelas praças e ruas de cidades como São Paulo, Nova York, Londres, Barcelona, Lisboa, Berlim, Bruxelas, Roma, Paris, Amsterdam, Bogotá, Melbourne etc. a defender uma "causa" cuja marca é o massacre de pessoas inocentes - incluindo a queima ou o esquartejamento de bebês vivos - senão a ausência absoluta de amor ao próximo e a perda total do senso de humanidade? Que adjetivo seria mais adequado para descrever essa "sede insaciável de sangue" além de "diabólico"? Sem dúvida, se eu descobrisse um vocábulo que comunicasse melhor a magnitude do mal de que estamos falando, certamente este termo seria o mais aplicável; contudo, uma vez que me falta a devida erudição, direi que a maldade dessa "gente" é indescritível.
A propósito, embora eu já tivesse uma noção a respeito de como identificar uma possessão demoníaca, a partir do dia 10 de setembro de 2025 (data do homicídio brutal do Charlie Kirk - um cristão protestante, pai de duas filhas e ativista conservador) eu testemunharia tudo às claras: por toda parte, especialmente em vídeos curtos na internet, eu acompanhei algumas das cenas mais imundas e vis já registradas, nas quais criaturas abomináveis e sub-humanas, mais repulsivas do que qualquer verme ou parasita, de almas mais podres e fétidas que um corpo contaminado por um câncer em metástase (ou em putrefação), celebravam, com risos visivelmente satânicos, o assassinato a sangue frio de um homem que tão-somente gostava de debater ideias com um espírito cordial e cortês. Dessa forma, é muito provável que o contraste entre a nobreza do Charlie Kirk e a sordidez pútrida de seus "inimigos" justifique o fato destes últimos o odiarem ao ponto de assassiná-lo e comemorar esse crime hediondo, tendo em vista que o Homem mais justo que esse mundo já viu - na verdade, o Único verdadeiramente justo - também fora, como está escrito, "odiado sem motivo" (vide João 15, vs. 25; e.g., Salmo 35, vs. 19 e 69, vs. 4) e igualmente assassinado "pelas mãos de homens ímpios" (Atos 2, vs. 23 - e.g., 4, vs. 27). Todavia, há uma diferença importante a ressaltar: o Kirk foi tirado de sua família e amigos pelo poder da morte e eles não mais o verão (ao menos por enquanto), mas o Filho de Deus ressuscitou e hoje vive para que todo aquele que Nele crê (como no caso do Kirk) "tenha a vida eterna" e seja "ressuscitado no último dia" (João 6, vs. 39-40) para nunca mais morrer, assim como Ele foi (Romanos 6, vs. 9 e 14, vs. 9).
De fato, se formos relatar em detalhes as injustiças e desgraças que ocorrem diariamente ao nosso redor, teríamos de fazer a mesma pergunta do autor da Epístola aos Hebreus enquanto escrevia sobre os chamados "heróis da fé" - a saber: "E O QUE MAIS DIREI"?
Faltar-me-ia tempo para falar de Iryna Zarutska (jovem ucraniana e refugiada de guerra que foi degolada friamente por um criminoso reincidente num trem nos EUA pelo simples fato de ser BRANCA, já que o bandido NEGRO dissera ter "pegado a garota branca" após esfaqueá-la no pescoço) e de tantas outras meninas/mulheres brancas por toda a Europa, América do Norte e Oceania que têm sido abusadas, agredidas, assediadas, estupradas e mortas por animais selvagens com "aparência humana" que afirmam fazer isso "em nome de seu deus único" e como parte de sua "lei divina". Ora, o que esperar de uma "pseudo-religião" baseada num "profeta" que não passava de um carniceiro pedófilo, o qual ousou se casar com uma menina de 6 anos (cuja consumação ocorreu quando ela tinha somente 9 anos!) e marcada por uma expansão feita através da escravidão, genocídio e terror? Do mesmo modo, não se pode supor que uma mentalidade político-social fundamentada na "abolição das verdades eternas" e na "destruição de tudo quanto existe" possa produzir quaisquer bons frutos, porém unicamente desordem, loucura, perversão, calamidades e morte por onde passa e se estabelece.
Logo, ao considerarmos a presença de males tão desenfreados e ilimitados (de acordo com a nossa perspectiva puramente humana), a única fonte de consolo e esperança é que, embora não nos recordemos de muitas dessas maldades e injustiças e sejamos impotentes contra elas, Deus não se esquece delas e, no tempo determinado, tomará vingança contra todos os malfeitores que, por enquanto, assolam o mundo impunemente.
Portanto, em face de impiedades quase incontáveis, toda atitude de indiferença e letargia, assim como toda ausência de indignação justa e ousada, é prova incontestável de que não basta afirmarmos que defendemos a justiça e a verdade ou que "detestamos o mal e nos apegamos ao bem" se, NA PRÁTICA, preferimos a "política de boa vizinhança" ou evitamos os "conflitos desnecessários" em lugar de "...libertarmos os que estão sendo condenados à morte e salvarmos os que cambaleiam ao ser levados para a matança..." (Provérbios 24, vs. 11), de forma que não poderemos dizer: "...não sabíamos de nada!...", pois "...Aquele que pesa os corações e atenta para a nossa alma perceberá, ficará sabendo e pagará a cada um segundo as suas obras..." (vs. 12). Entendamos de uma vez por todas: diante de Deus, a covardia que nos impede de fazer o que é certo e a "tolerância" diante do mal" exercida "em nome da paz" NÃO SÃO VIRTUDES, MAS PECADOS - e, por isso mesmo, se não nos arrependermos dessas coisas, o nosso destino é a perdição eterna, o lago de fogo que arde com enxofre, como está escrito:
"...Quanto, porém, aos covardes [...], a parte que lhes cabe será no lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte..." [Apocalipse 21, vs. 8]
Isto é, se Deus "...não nos deu espírito de covardia, mas de fortaleza, de amor e de temperança..." (vide 2 Timóteo 1, vs. 7), os que confessam pertencer a Deus (e.g., os cristãos) não podem ser covardes enquanto chamam à sua tibieza "inteligência emocional" (eis uma expressão ridicularmente imbecil!) e, ao mesmo tempo, devem demonstrar coragem "na medida certa" e "conforme a ocasião", uma vez que a "sabedoria do alto" é, dentre outras coisas, "...pacífica, tratável, moderada e cheia de bons frutos..." (ver Tiago 3, vs. 17). Queira Deus, pois, usar esses "tempos maus" em que estamos a fim de sermos fortalecidos Nele e "...na força de Seu poder...", pois somente assim estaremos habilitados para combater os nossos "reais adversários" até que, após termos feito tudo, permaneçamos inabaláveis (vide Efésios 6, vs. 10-13).
Diante dessa realidade, consideremos a seguinte situação: algum de nós flagra um terrorista armado atacando uma jovem para violá-la ou matá-la e, embora tendo consciência do mal representado pelo terrorismo e podendo impedir o crime, nada é feito (por nós) para ajudá-la... Que valor real teria o nosso "repúdio ao abuso de mulheres" - ou a nossa "oposição à criminalidade" - sem as devidas evidências concretas? Como resultado, conclui-se que a coragem (ou a fortaleza) é conditio sine qua non para que qualquer virtude seja verificável e genuína. Por isso, recordemos os eventos que culminariam na "Reforma Protestante" - os quais virariam o mundo "de cabeça para baixo" ou, dentro desse texto, seriam o "ponto de virada" do mundo da época "de baixo pra cima" -, já que tais acontecimentos são um exemplo notório de que "sem a coragem, todas as demais virtudes acabam por se tornar inúteis" (i.e., inoperantes ou mesmo inexistentes).
Inicialmente, deve-se reiterar que, nos últimos anos, um texto com alguma temática referente à Reforma Protestante tem sido publicado aqui a cada outubro e, por isso, não é necessário repetir muitos detalhes históricos provavelmente já mencionados. Portanto, a seguinte linha do tempo é suficiente para nos situarmos no ambiente histórico desse "turning point" religioso e civilizacional:
SÉCULOS XII-XIII: surgimento dos Valdenses (fr. Vaudois; it. Valdesi), conhecidos pela defesa ao acesso à Bíblia em língua vernácula e pela modéstia material; eles foram tratados como hereges pelos romanistas;
SÉCULOS XIV-XV: surgimento de teólogos como John Wycliffe (Inglaterra), Jan Huss (Boêmia, Rep. Tcheca) e Girolamo Savonarola (Toscana, Itália), que também defenderam o acesso livre às Escrituras no vernáculo, desafiaram a autoridade papal e a corrupção na Igreja Romana;
SÉCULO XVI: o "século da Reforma" propriamente dito, pois em 1517 Martinho Lutero publicaria suas 95 Teses na Alemanha e após alguns anos, sua excomunhão consolidaria o que chamaríamos de Protestantismo; no mais, diversos outros nomes surgiriam dentro do movimento, como João Calvino (França e Suíça francesa), Ulrich Zwínglio (Suíça germânica), Martin Bucer, William Farel etc. bem como diversos documentos e livros baseados nessa "fé nascente" (ou renascente);
SÉCULO XVII: diferentes movimentos advindos da Reforma surgem e se consolidam em várias partes da Europa, como o movimento puritano britânico (que incluía presbiterianos, congregacionais, batistas etc.), os não-conformistas (igualmente plural), os menonitas e os arminianos neerlandeses (que eram mais destoantes dos demais grupos), dentre outros;
Mas a pergunta que fica é: por que a Reforma foi/teria sido um "turning point" que deveria motivar os cristãos a procurar assumir a mesma atitude hoje?
Primeiramente, a sociedade que viveu nos locais e épocas citadas acima era bastante distinta da atual, tanto no sentido político quanto no cultural/espiritual. A mentalidade do europeu medieval era profundamente religiosa e, mesmo em locais onde diferentes crenças "coexistiam" - como na Península Ibérica, invadida por muçulmanos desde o séc. VIII e ocupada por eles até o fim do séc. XV -, o pensamento greco-latino/católico-romano fundamentava a sua visão de mundo. Dessa maneira, os pressupostos a partir dos quais a sociedade funcionava eram, em linhas gerais, baseados na fé em Deus, na noção de eternidade, na busca do bom, do belo e do verdadeiro, bem como do respeito ao indivíduo associado à valorização das raízes/tradições e da realidade comunitária.
Em contrapartida, a despeito destes aspectos positivos que compunham o que viria a ser a "Civilização Ocidental", havia um problema que não deve ser ignorado: muitas vezes, o "poder religioso" se misturava ao/com o "poder civil" e, consequentemente, a corrupção, a injustiça e até a perversão da própria religiosidade passariam a integrar aquela sociedade - em particular, os próprios círculos e ambientes religiosos. Como resultado, essa sociedade experimentaria o seu "turning point" mediante a confluência de diversos marcos históricos, a saber: o Renascimento nas artes e na vida intelectual, a "conquista dos mares" e as "descobertas de novos mundos" e, em especial, a Reforma Protestante, movimento religioso influenciado pelo "retorno às letras clássicas" (i.e., grego e latim) causado pelo Humanismo Renascentista, cujos frutos iriam além dos limites das cátedras de teologia e filosofia nas universidades e transformariam as vidas de príncipes e duques, de freiras e de monges, de futuros advogados e até de sapateiros, conforme se vê no exemplo a seguir:
- Senhor Lutero, eu sou apenas um sapateiro. Como eu posso fazer algo para agradar a Deus?
- Lutero: faça o melhor sapato que puder e venda-o por um preço justo!
Na verdade, é razoável reconhecer que pessoas mais simples tenham feito seus "serviços menos sagrados" para agradar a Deus antes que a Reforma ocorresse (por exemplo, os artesãos dos vitrais e das esculturas das catedrais góticas), porém seria apenas a partir da Reforma que o "modo de enxergar a vida ordinária" mudaria radicalmente. Com isso, cada "trabalho comum" passaria a ser um "serviço litúrgico" - ou seja, a adoração a Deus seria uma obra ativa de todo indivíduo temente a Deus e não somente do clérigo, visto que todos estes haviam sido chamados por Deus para serem Seu "sacerdócio santo" (o que é devidamente expresso na doutrina reformada do "sacerdócio universal de todos os crentes"). Portanto, a comunhão com Deus não mais "exigiria uma mediação humana especial", com exceção da "única mediação" real e legítima: Jesus Cristo, o Deus-Homem.
Logo, por mais que essa mudança seja apenas um dos diversos efeitos causados da Reforma, ela aponta para o seu principal fundamento - o qual também é o seu alvo: a suficiência e a exclusividade de Jesus Cristo como sustentáculo da "verdadeira religião" e, consequentemente, de toda a existência. Dessa maneira, qualquer estrutura, hábito, tradição, pensamento, crença e/ou modus vivendi que não fosse segundo Cristo mas conforme "os rudimentos do mundo" ou "a imaginação dos homens" (vide Colossenses 2) deveria ser, obrigatoriamente, subvertido(a). Tal "subversão" acabou acontecendo, mas não sem muitas tensões e disputas acirradas, nem sem guerras e/ou perseguições religiosas, as quais exigiriam coragem e sacrifício de todos os que passariam a professar a "nova fé (re)nascente", cujo testemunho implicaria, para muitos, o ódio mortal de seus opositores e, como resultado, o ostracismo forçado, o banimento social e, finalmente, o martírio, de modo que o sangue vertido seria como o "derradeiro verso" de um "poema de fidelidade", como se pode perceber na seguinte inscrição presente na Catedral de Notre-Dame de Paris:
"...Puisse mon sang être le dernier versé...",
ou
"...Que meu sangue seja o último a ser derramado...".
Nesse caso, embora a declaração anterior tenha sido feita pelo arcebispo Denys Affre (i.e., um católico), assassinado durante um processo revolucionário na França em 1848 - o que é bastante irônico, pois nesse mesmo ano Karl Marx publicaria o "Manifesto Comunista" -, sua mensagem reflete de modo apropriado todas as atrocidades que os protestantes tiveram de suportar a partir do séc. XVI em razão da hostilidade dos próprios católicos (e.g., a Noite de São Bartolomeu em 1572; a perseguição implementada pela "Bloody Mary", a "rainha britânica sanguinária" etc.) em diversos países da Europa como França e Inglaterra, além de Escócia, Itália, Espanha, Alemanha, Bélgica, Países Baixos etc.. Essa constatação prova, de forma inequívoca, que a impiedade é a marca registrada de qualquer ser humano que não vive de acordo com Cristo (ou melhor, de todo aquele em quem Cristo não vive) - seja daqueles que se mostram notoriamente ímpios, seja daqueles que possuem apenas uma "aparência de piedade, mas negam-lhe o poder" (vide 2 Timóteo 3, vs. 5a). Quanto aos últimos, diz o apóstolo Paulo, "...afaste-se também destes..." (vs. 5b).
Diante disso, deve-se salientar que os segmentos que constituíram a Reforma não buscaram, a priori, um afastamento total da igreja oficialmente instituída, mas a sua "purificação" moral, litúrgica e doutrinária (conforme já acontecera nos movimentos que a tinham precedido). Entretanto, não foi necessário que Lutero e os demais reformadores obedecessem ativamente ao mandamento de Paulo a Timóteo, tendo em vista que a "Igreja Romana" se encarregaria das "excomunhões dos novos hereges". Ou seja, semelhantemente ao episódio da destruição do Um Anel em O Senhor dos Anéis, o estabelecimento da Reforma e a consolidação de comunidades cristãs separadas da corrupção do romanismo seria, acima de tudo, "um triunfo da Providência", assim como Frodo não teria conseguido "cumprir a sua missão" sem a "ajuda inusitada" de Sméagol/Gollum - o qual se tornaria, de modo surpreendente, o "heróico anti-herói" da saga da Terra Média.
Contudo, você pode/deve estar se perguntando: de que forma todos esses relatos e comparações influenciariam a nossa vida prática hoje? Quais frutos poderiam surgir em nossa realidade a partir do conhecimento desses eventos? E em que sentido o legado da Reforma deveria nos impulsionar a agir no mundo para que este tenha o seu "turning point" e seja subvertido "de baixo para cima"?
Permaneça apenas mais um pouco e você descobrirá.
Infelizmente, é razoável afirmar que a geração atual é a mais fraca, covarde e "emasculada" de toda a história, a tal ponto de gloriar-se de sua "frescura sofisticada" e de demonizar qualquer vestígio de força, sobriedade, austeridade e convicção que odeia enxergar nos outros. Logo, apesar de que essas qualidades possam ser vistas em qualquer ser humano de bom caráter, elas são próprias de homens de bom caráter, evidenciando que a degeneração que caracteriza a nossa humanidade reflete, de modo particular, uma decadência da masculinidade - ou mesmo uma guerra contra ela. Essa "revolução misândrica" (e.g., revolta generalizada contra os homens e tudo o que é masculino) atingiu a sociedade de modo abrangente e contaminou o modo de pensar de diferentes tipos de pessoas em toda parte - negros e brancos, ricos e pobres, instruídos e analfabetos, americanos e brasileiros, religiosos e céticos etc. -, embora os países de cultura ocidental estejam sendo mais gravemente devastados por essa "subversão social". Nesse contexto, é fundamental esclarecer que essa subversão tem sido exitosa sobretudo em razão da omissão da comunidade cristã que, em lugar de "...condenar as obras infrutíferas das trevas..." (vide Efésios 5, vs. 11) ao agir como "sal da terra e luz do mundo" (vide Mateus 5, vs. 13-16), têm preferido "se esconder dos conflitos para evitar se indispor com o mundo" ou, na pior das hipóteses, já tem abandonado a identidade cristã que dizia possuir para assumir a sua provável verdadeira natureza: o joio semeado no meio do trigo, cujo semeador é o diabo (vide Mateus 13, vs. 38-39).
Diante disso, conclui-se que a Reforma Protestante jamais teria acontecido se os homens cristãos do passado não "tivessem sido fortes" ou "se portado varonilmente" (i.e., agido como homens, conforme 1 Coríntios 16, vs. 13), de modo que o "turning point" mais importante da história religiosa do Ocidente deve ser reconhecido, em certo sentido, como resultado de uma "masculinidade verdadeiramente masculina" - ou melhor, uma "masculinidade de acordo com a estatura de Cristo", o Homem perfeito. Em outras palavras, se os valdenses, Wycliffe e os lolardos, Huss, Lutero, Calvino, Cranmer, Latimer, Knox, Beza, Farel, Guido de Brès e tantos outros fossem todos "malakoi" (e.g., do hebraico, como diria o Nelipe Feto), dificilmente saberíamos que "somente as Escrituras" são a autoridade final em termos de fé e conduta, que "somente Cristo" é mediador entre Deus e os homens, que "somente a fé" é necessária para a justificação, que "somente a graça de Deus pode salvar eficazmente o pecador" e que, por tudo isso, "somente a Deus" devem ser dadas glória e honra e nunca a homens, instituições ou quaisquer ídolos inúteis. Ou seja, onde não há "homens homens" (como vemos no comercial do desodorante Old Spice), o que resta é tão-somente escravidão, ignorância e perdição moral e espiritual.
Assim, como já foi dito, nossa situação atual não é tão diferente dos dias dos reformadores, pois, embora não haja atualmente uma hegemonia religiosa similar à da igreja romana na Europa à época (com exceção dos países de maioria cristã ortodoxa e de domínio otomano, neste caso), nota-se a presença dos mesmos problemas e desafios enfrentados pelos protestantes do passado, tanto externamente (e.g., a hostilidade política, a oposição de outros grupos religiosos etc.) quanto internamente (tolerância com falsos ensinos e falsos mestres, o comprometimento doutrinário a fim de agradar a sociedade etc.).
Por isso, se os cristãos de hoje desejam experimentar um "novo turning point" análogo à Reforma (ainda que não venha a ter o mesmo alcance), é necessário imitar, com intrepidez e convicção, o exemplo daqueles que "viraram o mundo medieval civilizado de ponta-cabeça" para que aqueles que estavam ao seu redor redirecionassem o seu olhar "downside up" (port., "de baixo para cima"), tendo em vista que a "forma de religiosidade" vigente era um emblema do que Agostinho de Hipona (e o próprio Lutero) chamariam de "incurvatus in se" (lat., "curvada sobre si") - a saber, uma suposta devoção a Deus baseada teoricamente numa "sinergia entre a graça divina e a cooperação humana" que, de modo prático, consistia sobretudo em costumes vazios, em preceitos puramente humanos e na fé em si mesmo e suas "boas obras". Logo, o "turning the point downside up" é um convite ao abandono de todas as tentativas humanas de manipular a Deus "conforme a nossa própria imagem e semelhança" a fim de receber somente Dele a revelação de quem Ele é, de quem nós somos, de como Ele administra os Seus desígnios e de como devemos reagir a tudo isso. Isto é, toda falsa religião deve ser "lançada fora, ao fogo" (incluindo o Romanismo e as demais "ideologias" e "utopias políticas") e apenas a "religião pura e imaculada para com Deus, o Pai" (nas palavras de Tiago) deve ser recebida, a qual é legitimamente católica e apostólica, porém jamais romana.
Desse modo essa firmeza de fé, que pode ser sintetizada no moto "Fides Reformata et Semper Reformanda Est Secundum Verbum Dei" (lat. e port.; "Fé reformada sempre se reformando segundo a Palavra de Deus"), também deve se manifestar de modo público e, como resultado, terá de ser provada em meio ao ódio do mundo, bem como ao desprezo dos "falsamente piedosos", aos ardis de satanás e às fraquezas remanescentes naqueles que a possuem. Logo, por mais que muitos dos que professam a fé evangélica não se vinculem ao protestantismo histórico (na verdade, possivelmente os "reformados de facto" sejam a minoria), todos os que genuinamente pertencem a Jesus Cristo precisam/precisarão tomar para si o mandato divino de "...combater o bom combate da fé..." (vide 1 Timóteo 6, vs. 12) em todas as trincheiras, mesmo que sejamos "assassinados com um tiro fatal no pescoço num campus universitário", massacrados aos milhares e odiados pelo mundo por usarmos uma estrela de 6 pontas em bandeiras, tatuagens e correntes, alvos de um "genocídio velado" perpetrado por "bárbaros" seguidores da "religião dos lobos solitários com problemas mentais" ou caluniados como os "grandes culpados de todos os males do mundo". Ora, o tempo de agirmos como "ursinhos carinhosos acovardados" acabou e, por isso, "...sejamos fortes e sejamos homens..." (ver 1 Reis 2, vs. 2), já que "frescura" é coisa de bebida cítrica ou de sorvete de frutas.
Por tudo isso, pode-se resumir esse texto (um texto longo, sem dúvidas) na seguinte sentença: se Deus levantou homens fiéis a Ele e cheios de coragem para "subverterem o mundo ao virá-lo de baixo para cima" através da defesa incansável da "Verdade de todas as verdades" ao ponto de morrerem por ela (ou por Ele) em razão da Reforma Protestante, não podemos esperar qualquer reversão da situação calamitosa atual a menos que nos portemos como homens fiéis a Deus e tenhamos a coragem necessária para fazermos o mesmo que os reformadores e seus antecessores/sucessores fizeram. Ou seja, o discipulado cristão nunca foi, não é e nem será apenas a identificação com um discurso emocionalmente atraente e intelectualmente estimulante, mas a assimilação prática da fé em Jesus Cristo - ou, melhor do que isso, é a "...vida do próprio Cristo manifestada em nosso corpo mortal..." (vide 2 Coríntios 4, vs. 11), a qual será inevitavelmente vista em todos os locais onde houver alguém que verdadeiramente segue/siga a Cristo, visto que "...não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte..." (vide Mateus 5, vs. 14).
Tal atitude produzirá, sem dúvidas, somente dois resultados: a aceitação ou a rejeição, a fé ou a incredulidade, a adoração a Deus ou a obstinação diante Dele. Portanto, sabendo-se que é Deus quem "transporta o homem do domínio das trevas para o reino de Seu Filho amado" mediante a obra do Espírito Santo, que "...convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo..." (vide Colossenses 1, vs. 13 e João 16, vs. 8), o dever dos seguidores de Cristo ou de cada "protex" - cuja fé é "saudável e protegida", purificada de toda superstição e heresia - é testemunhar acerca Dele, pois é Ele quem "atrai os pecadores a Si na medida em que é levantado" ante os olhos deles (e.g., João 12, vs. 32). Desse modo, se porventura vierem "tempos de refrigério" no meio desses dias maus em que estamos, estejamos cientes de que eles vêm "...da presença do Senhor..." (ver Atos 3, vs. 20) e atribuamos a Ele toda a glória por Seus benefícios - ou, como dissera Lutero sobre a Reforma e o enfraquecimento do papado: "...eu não fiz nada; [...] a Palavra de Deus fez tudo...".
Mas e quanto a você?
Está satisfeito com a sua vida ou acredita que ela precisa de um "ponto de virada"?
Você é daqueles que comemora a morte de inocentes por "divergências políticas" fazendo vídeos sórdidos (comportando-se como um endemoninhado) ou ainda conserva algum senso de humanidade e de amor ao próximo?
Por outro lado, você é um "cristão professo" que tem vivido uma vida apática e de conformismo com o mal? Se sim, até quando permanecerá em sua covardia sem ao menos se indignar interiormente diante da prevalência da iniquidade no mundo?
Finalmente, se você acha que a sua vida precisa ser "virada de ponta-cabeça", para qual direção o seu olhar está voltado? Para si mesmo (onde há somente incertezas, insatisfação e impotência - por mais forte que você se sinta ou acredite ser) ou para Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, o Qual veio dos céus por nós e nos foi dado para nossa salvação eterna e suficiente?
Pela alegria de ter vivido um "turning point" eterno,
Non nobis Domine, non nobis, sed nomini Tuo da gloriam!
Soli Deo Gloria!