Após cerca de um mês, eis-me aqui novamente.
Admito que, nessas últimas semanas, o que se pode chamar de "inspiração" - se é que posso me atrever a dizer que já tive real inspiração enquanto escrevia - tem passado longe... Logo, se não há algo válido a ser dito [ou escrito], o melhor é se calar [ou não fazer "textão"], embora muitos não o entendam.
No entanto, dessa vez, gostaria de escrever algumas coisas que vêm permeando a minha mente há alguns dias e que, somente hoje, tive condições de organizar a fim de escrever esse texto. Desse modo... "let's go"!
Inicialmente, esse texto é majoritariamente baseado em uma clássica obra da literatura inglesa chamada "O médico e o monstro", escrita por Robert Louis Stevenson, obra que certamente inspirou a criação de uma música com o mesmo título pela Banda Resgate. Bem, quanto a isso, pretendo falar um pouco sobre a obra e incluir trechos da canção que poderão esclarecer melhor o assunto - além de elucidar as minhas reflexões.
Na obra mencionada, existe um personagem chamado Dr. Jekyll, o qual [na estória] se dá conta de ser algo como "um misto bizarro de bem e mal", de modo que "sua 'natureza má' coibia a sua 'natureza boa'". Ao longo da narrativa, ele descobre uma poção que poderia ajudar a separar as duas "naturezas" e, dessa maneira, surge uma suposta esperança de que sua "natureza boa" seria libertada dos efeitos do mal bem como se tornaria capaz de atingir os objetivos traçados. Entretanto, numa certa noite, ele ingeriu a poção e seu lado mau veio à tona, sendo muito pior do que se poderia imaginar. Para tanto, nada melhor que citar um trecho do próprio texto original:
"Percebi ser, ao primeiro sopro dessa nova vida, mais perverso, dez vezes mais perverso, vendido como escravo a meu mal original; e o pensamento na quele instante envolveu-me e agradou-me como vinho. [...] Cada ato e pensamento [de Edward Hyde] centrava-se em si mesmo".
[Robert Louis Stevenson, O Médico e o Monstro]
Edward Hyde seria como o "alter-ego" do Dr. Jekyll ou, em poucas palavras, o seu lado "monstro" [vale ressaltar que, na língua inglesa, a palavra "hyde" deriva das palavras "hideous" - que significa horripilante, abominável, monstruoso - e "hidden" - o particípio passado do verbo "to hid - esconder", i.e., "escondido"]. Em suma, o Dr. Jekyll foi surpreendido pelos resultados da poção, cujo uso não teve o efeito desejado por ele [o controle da "natureza má" e a libertação da "natureza boa"], porém o efeito exatamente oposto - o que indica, de certa maneira, que não conhecemos bem a nós mesmos da maneira como normalmente acreditamos.
Portanto, pensando bem, o caso do Dr. Jekyll/Edward Hyde pode ser devidamente aplicado a qualquer um de nós - mas com uma peculiaridade: diferentemente do exemplo da literatura, nós não temos uma "natureza má" que coabita com uma "natureza boa", nem mesmo somos capazes de fazer qualquer coisa para libertar nosso suposto "lado bom inato" [até porque esse "lado bom inato" simplesmente não existe]. Logo, algumas perguntas se fazem pertinentes, assim como na música supracitada:
"Quem eu sou na verdade? Dá pra saber? Qual a minha identidade, sem me esconder?"
Existem várias respostas para essas perguntas, porém apenas uma delas é a verdadeira - e, exatamente por isso, é a única que não é tolerada, visto que parte do pressuposto de que "apenas o correto conhecimento de quem é Deus nos conduz ao correto conhecimento de quem nós somos". Mas, se é o conhecimento de Deus que nos permite saber quem nós somos verdadeiramente, o que Ele diz a respeito disso?
Para tal, nem precisarei sair do contexto da obra, pois o próprio excerto do livro anteriormente destacado inclui expressões como "percebi ser... mais perverso, dez vezes mais perverso..." bem como "vendido a seu mal original..." e "cada ato e pensamento [de Edward Hyde] centrava-se em si mesmo", termos que compõem categorias tipicamente cristãs, visto que está escrito na Bíblia que...
"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente perverso; quem o conhecerá?" [Jeremias 17, vs. 9]
"Em verdade vos digo que todo aquele que vive pecando é escravo do pecado" [João 8, vs. 34]
"Sabemos que a Lei é espiritual; eu, contudo, não o sou, pois estou vendido como escravo ao pecado... Sei que em mim, isto é, em minha carne, não habita bem algum" [Romanos 7, vs. 14 e 18a]
"...Os gentios, que vivem na vaidade de seus pensamentos, estando obscurecidos de entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância que há neles, pela dureza de seu coração e, tendo perdido a sensibilidade, eles se entregaram à depravação..." [Efésios 4, 17b-19a].
Resumidamente, o ensino bíblico é simples: assim como relatado em nuances por meio da estória do "doutor e do monstro, Jekyll e Hyde", a maldade que há em nós suplanta qualquer suposta presença de alguma "virtude intrínseca" - na verdade, as Escrituras destroem veementemente o que é conhecido como o "mito do 'bom selvagem'" do Jean-Jacques Rousseau [segundo o qual "o homem é naturalmente bom, mas o meio exterior o corrompe"], dizendo em contrapartida que "o homem é naturalmente mau e, por isso, ele mesmo corrompe tudo o que está a seu redor". É como o "toque de Midas às avessas", pelo qual todo o "ouro" vira "escória", uma realidade na qual todos estão voltados somente para si mesmos, de modo que "...não há lugar para Deus em nenhum de seus planos..." [Salmo 10, vs. 4] e "...falam como amigos com o próximo, mas abrigam maldade no coração" [Salmo 28, vs. 3b], o que corrobora com a parte da música que diz: "a vida dupla é o nosso disfarce pra enganar". Em suma, "#somostodosmonstros".
Por outro lado, queria citar outros trechos da música:
"Pra se separar o joio, deixe crescer
Pra o encontro com a verdade, um deles tem que morrer..."
Esse trecho da música faz menção à parábola de Jesus sobre o "joio e o trigo" [Mateus 13, vs. 24-30 e 36-43], na qual o trigo é a figura dos "filhos do Reino" e o joio representa "os filhos do Maligno". Nesse caso, ambos crescem juntos e até mesmo se confundem um com o outro [ou seja, o joio pode "parecer ser trigo" e o trigo "pode dar impressão de que é joio"], de forma que é apenas no momento da colheita que ambos podem ser precisamente discriminados, a fim de que o trigo [plantação boa] seja recolhido nos celeiros e o joio lançado no fogo. Na canção, o joio pode ser a imagem do "lado escondido/Hyde ou monstruoso" e o trigo a do "lado saudável/Jekyll", de modo que "um deles deve morrer para que a verdade seja encontrada" - ou, de outra sorte, o encontro com a Verdade é capaz de matar o lado "monstro"/joio, restando apenas o "trigo"/boa plantação.
Mas que "Verdade" é essa que é capaz de tornar "monstros" em algo belo e apreciável?
Para responder a pergunta, cito o último trecho da música:
"Só conhecendo a verdade pra se libertar
O amor de Jesus é o remédio que vai te curar..."
Sem delongas, foi o próprio Jesus que disse "...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará... se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres..." [João 8, vs. 32 e 36], indicando que a "verdade libertadora" à qual Ele se referira era Ele mesmo, o Filho - ora, a afirmação é que somente o Filho pode libertar verdadeiramente, cuja principal implicação é a de que quaisquer outras alternativas de libertação são falsas, pois também está escrito a respeito de Jesus que Ele é "...o caminho, a verdade e a vida..." [João 14, vs. 6].
Isto é, fazendo alusão ao episódio da poção que era bebida pelo Dr. Jekyll, todos nós precisamos beber de um outro cálice - o cálice contendo o sangue de Cristo, pois "...todo aquele que come de minha carne e bebe de meu sangue tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia..." [João 6, vs. 54]. Sim, o "remédio que pode nos curar" é o sangue de Cristo, sangue que "nos purifica de todo pecado", "o qual foi "derramado em favor de muitos, para remissão dos pecados", pois "nEle temos a redenção pelo Seu sangue...", redenção que é definida como "o perdão dos pecados, segundo as riquezas de Sua graça...", sangue pelo qual Ele nos "libertou dos nossos pecados". Obviamente, isso não significa que temos que tomar literalmente o sangue de Cristo, mas sim que devemos olhar firmemente e confiantemente para o Salvador crucificado, que sangrou até pelo suor ao tomar outro cálice em nosso lugar - o cálice da ira de Deus, tomando-o inteiro, sem deixar uma gota para nós, a fim de que todos os que viessem a Ele fossem definitivamente salvos, i.e., reconduzidos a Deus, para andar com Ele desde já e, enfim, desfrutá-Lo para sempre. Ele é o Médico que veio para nós, "os monstros", pois "...os saudáveis não precisam de médico, mas sim os 'monstros'" [Marcos 2, vs. 17 - adaptado].
Será que, ao olharmos para quem de fato somos, já nos damos conta de que, na verdade, não somos "bons quanto gostaríamos de ser"? Ou melhor, quanto tempo será necessário para que reconheçamos que, intrinsecamente, "somos todos monstros"?
Finalmente, quando iremos levar a sério o fato de que, "se somos todos monstros", apenas o encontro com a Beleza Verdadeira poderá nos libertar dessa nossa "feiura"?
Pela alegria de saber que nEle sou libertado,
Soli Deo Gloria!