quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A "liberdade que ninguém pega"...

Voltei.

Depois de pensar um pouco sobre a importância de se ter uma perspectiva da vida que seja "além do que se vê", quero relembrar algo que, particularmente, tem muito significado para mim... Quero falar do 31 de outubro!

Mas, espere um momento: esse post não será sobre "gostosuras ou travessuras" e não aparecerão abóboras caricaturadas nas fotos abaixo. Quero relembrar o que desde 2011 tem sido parte deste blog na mesma data - quero falar de algo que começou muito antes de seu 31 de outubro de 1517 mas que, nesse referido dia, se consolidou após a atitude de um determinado monge subvertido por uma nova compreensão da justiça divina. Catedral de Wittemberg. 95 teses. Lutero. Reforma. 


31 de outubro de 2013 - 496 anos da Reforma Protestante. 

Falar de reforma (no seu sentido mais básico) significa falar de mudança radical para algo novo, diferente do que existia antes. Ou seja, quando se fala da "Reforma Protestante" é necessário falar de uma mudança radical de percepção da mensagem cristã, especialmente sobre quem é Deus e como Ele age com justiça para com as Suas criaturas. Uma mudança radical implica resultados totalmente novos e, no caso do movimento iniciado por Lutero na Alemanha do século XVI, o mundo não foi mais o mesmo - começando pela Europa e se espalhando pelo mundo da época até nossos dias, a ideia fundamental de que Deus é acessível a todos somente por meio da fé em Jesus Cristo e que isso é suficiente para que sejamos declarados justos por Deus revolucionou a espiritualidade dos homens. De fato, reformas são um tanto perturbadoras mas, quando acontecem, não passam despercebidas e às vezes trazem benefícios que nunca viriam sem reforma. 


Existe muito para se falar sobre a relevância da Reforma Protestante, mas quero me deter a uma palavra: liberdade.

LIBERDADE.

Talvez essa seja a palavra mais ambígua e controversa de nosso idioma. Alguns que se julgam livres às vezes estão presos por suas próprias consciências e, por outro lado, alguns que parecem estar presos podem estar curiosamente livres. Nesse sentido, a Reforma foi um grito em nome da liberdade - em nome da liberdade de consciência pelo acesso irrestrito à Bíblia pois, na época, a Igreja Católica não permitia que seus fiéis lessem a Bíblia por si mesmos, mas isso era feito apenas pelos padres e demais autoridades eclesiásticas e paroquiais. Logo, a religião era usada para oprimir e não para esclarecer e libertar, o que é bem diferente da proposta de Jesus no Evangelho:

"E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará... Se, pois, o Filho os libertar, verdadeiramente vocês serão livres..." - [Evangelho segundo João, cap. 8, vs. 32 e 36]


Jesus afirma que os que conhecem a verdade são libertos pela verdade e que aqueles que Ele liberta são verdadeiramente livres. Isto é - Ele se define como a Verdade, a única Verdade que pode trazer liberdade. Porém, nem sempre se vê uma liberdade genuína em meio aos ambientes religiosos ditos "cristãos". Assim como foi nos tempos do Novo Testamento e também na época de Lutero, pode-se ver atualmente uma falsa e repressora ideia de "autoridade espiritual" (alguém que, por exemplo, diz onde "eu" tenho que fazer faculdade, que tipo de música "eu" devo ouvir, quais igrejas "eu" não devo conhecer e até mesmo quem "eu" devo namorar e como esse namoro deve ser...), um pensamento errôneo sobre quem é "ungido do Senhor", o crescimento sutil de filosofias ascéticas que tendem a uma santidade superficial e, logicamente, o legalismo que nos infla o ego e nos faz juízes espirituais dos outros. Como a própria Bíblia diz, os dias são maus. 

Contra tudo isso, eu tenho buscado andar livre.


As Escrituras - foco e fundamento de toda a ideologia da Reforma - nos dizem muito sobre a liberdade.

"Estejam, pois, firmes, na liberdade com que Cristo os libertou, e não se submetam mais a jugo de escravidão". [Gálatas 5:1]
"Porque vocês foram chamados à liberdade. Portanto, não usem da liberdade para dar ocasião à carne, mas para servirem uns aos outros pelo amor". [Gálatas 5:13]

"[...] Porque, então, a minha liberdade há de ser julgada pela consciência dos outros?" [1 Coríntios 10:29]
"Ninguém os julgue pela comida, ou pela bebida, ou por causa de dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados - as quais são sombras das coisas que haviam de vir; a realidade, porém, se encontra em Cristo". [Colossenses 2:16-17]

"Já que vocês morreram com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, porque ainda se submetem a ordenanças, como se vivessem no mundo, tais como: não toques, não proves e não manuseies? Todas essas coisas perecem pelo uso, pois são conforme os ensinos e preceitos dos homens..." [Colossenses 2:20-22]


A liberdade dentro do contexto da Reforma também pode ser relacionada ao que se chama de "sacerdócio universal", pensamento segundo o qual cada pessoa que crê em Jesus Cristo tem acesso livre a Deus e pode usar livremente sua nova mentalidade e consciência para viver de modo íntegro e justo. Ou seja - eu não estou subordinado a pessoas nem dependo delas para conhecer a Deus, para me relacionar com Ele e nem mesmo para compreender de forma clara quais são os planos dele para mim. Eu sou livre. 

Desse modo, embora as Escrituras sejam enfáticas sobre a necessidade de relacionamentos interpessoais, comunhão e crescimento mútuo (existem muitos "uns aos outros" na Bíblia), eu não preciso me submeter a falsas "autoridades espirituais" que querem "mandar na minha vida" com pretexto de "falso zelo", não tenho motivos para crer em "ungidões do Senhor" que devem ser obedecidos sem serem questionados (a Bíblia diz que todos os que creem em Jesus foram ungidos por Deus e, por isso, têm conhecimento e capacidade de discernir as coisas), não devo buscar ser "mais santo" por meio de regras e proibições humanas (como não ouvir "música secular" ou não "beijar na boca" durante o namoro) e nem achar que posso julgar o outro com base em meu próprio padrão de justiça. Tudo isso reflete/implica falsa santidade, possui aparência de sabedoria, pretensa humildade e pretensa autodisciplina, mas não resolvem o real problema - pois, como dizia John Stott, "o coração do problema humano é o problema do coração humano". Se não se muda o problemático coração humano, o problema continua sem solução. 


Mas nem tudo está perdido.

Na contramão de toda essa "antiliberdade" cultivada até mesmo dentro de alguns arraiais cristãos, eu me apego ao Livro que anuncia que "...em Cristo encontramos a plenitude...", que "...o jugo de Jesus é suave e que o Seu fardo é leve...", que "...Deus é o libertador do Seu povo...", que "...eu tenho a mente de Cristo e posso discernir todas as coisas..." e que "...todo pensamento deve ser levado cativo à obediência de Cristo..." e não à obediência de quem quer que seja. Se você se considera alguém que anda com Deus pela fé em Jesus e ainda não percebe isso, seja livre Nele! A sua liberdade em Jesus Cristo ninguém pega... Vê se entende! Ele mesmo faz o sublime convite:

Venham a mim, todos os que estão cansados e oprimidos, e Eu os aliviarei.
Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, que sou manso e humilde de coração; e assim encontrarão descanso para as suas almas. [Mateus 11:28-29]


Jesus chama quem não tem mais força ou qualquer perspectiva de melhora e promete alívio. O coração do homem, orgulhoso e intolerante, pode se tornar manso e humilde na medida em que os homens vão até Cristo e aprendem Dele. Se aprendemos a Sua verdade, somos libertos e, por isso, nossas almas encontram paz e esperança. Enfim, quero ser a cada dia reformado por Ele e, a cada nova etapa da obra que Ele mesmo faz em mim, quero me alegrar em ser livre Nele... Sinto muito, mas ninguém "pega" essa minha liberdade!




Pela satisfação de ser libertado dia a dia por Ele,



Soli Deo Gloria!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Quais são as suas lentes?

Estive longe por quase três semanas, mas retornei.

Depois de dias inesquecíveis em terras pernambucanas, aprendendo sobre ir à luta e sobre sair do comodismo para se colocar na linha de frente bem como me divertindo com os velhos amigos e conhecendo novos lugares, voltei pra minha rotina de estudante. Porém, no último fim de semana, fiz outra pequena viagem para um acampamento de estudantes e, como sempre, novos amigos surgiram, além de muito aprendizado sobre a vida e a certeza de que estava no lugar certo. 

Bem, é hora de ir em frente.  


Sendo bem direto, o que tem sido objeto de minhas reflexões desde a viagem à Recife até agora pode ser bem resumido pelo título deste post. De modo mais claro, quais são as nossas lentes? Através de qual prisma/meio/perspectiva enxergamos o mundo e a nós mesmos? O que norteia nossas afeições, sentimentos, pensamentos, mentalidade e atitudes? Em um mundo onde (provavelmente) o principal problema é a crise de autoidentidade - nós não sabemos quem nós somos e, por isso, não sabemos o que fazer da vida nem como lidar com o que está a nosso redor - , acabamos "deixando a vida nos levar aonde ela quiser" e, depois que já estamos praticamente arruinados, "botamos a culpa no destino", como se não fôssemos [de certa maneira] responsáveis por nossos atos... Somos especialistas em escapismo mas, a qualquer hora, isso não vai dar certo. 

Lentes... elas nos dizem muita coisa.


Primeiramente, para aqueles que usam óculos devido a algum problema de visão, as lentes são adaptadas ao tipo de defeito que precisa ser corrigido (astigmatismo, hipermetropia, miopia etc.). Por outro lado, quando saímos para a praia num dia ensolarado ou para outro passeio qualquer e usamos nossos óculos de sol, as lentes nos fazem enxergar a paisagem ao redor com cores diferentes das reais - isto é, a depender das lentes pelas quais olhamos para o que está diante de nós, isso se nos apresentará de uma maneira específica. O filósofo iluminista alemão Immanuel Kant dizia que "os homens olham para o mundo através de lentes..." - ou seja, cada um tem suas próprias lentes e por elas observa o mundo e, com base no que vê, estabelece para si o que vai constituir a sua mentalidade e nortear a sua conduta. Além disso, Jesus Cristo também disse que "a lâmpada do corpo são os olhos" de forma que, a depender do fato de nossos olhos serem bons ou maus, nossos corpos serão iluminados ou estarão em trevas. 

Mas a questão que quero levantar aqui é mais profunda.


Não é apenas a maneira de ver as coisas - é se conseguimos enxergar "além do que os olhos podem ver"... Entende?

Mas você pode me dizer: isso não é um paradoxo? Sim, é. Na verdade, eu até gosto de certos paradoxos. Então... como ver "além do que se pode ver"? 

Particularmente, acredito que a melhor resposta para essa pergunta foi dada pelo escritor bíblico da 2ª carta aos cristãos da cidade de Corinto, onde se lê:

"Por isso não desanimamos; pois, ainda que exteriormente estejamos a nos desgastar, interiormente estamos sendo renovados dia após dia... Pois a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um eterno peso de glória acima de toda comparação... Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas naquilo que não se vê; porque o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno..." 
[II Coríntios 4:16-18]


Considerando o que o texto bíblico diz, estamos meio que entregues ao desgaste e à corrupção no que se refere às aparências. Pensando bem, o mesmo escritor diz em outra carta enviada aos cristãos de Corinto que "devemos usar das coisas do mundo como se elas não existissem, porque a aparência desse mundo passa...". A realidade de que a nossa vida é frágil e efêmera perturba a qualquer um de nossa geração atual, mas a verdade é essa. Como dizia certo poeta que sofreu na pele com uma vida breve, "tudo passa, tudo passará...". Eu. Você. Nosso dinheiro, nosso saber, família e bens. Tudo.  

No entanto, o mesmo texto acima diz que, interiormente, apesar da destruição exterior, podemos ser renovados dia após dia. Ou seja: a parte boa da história, a parte que permanece e que não perde seu valor ao longo do tempo, é aquela que está "além do que os olhos podem ver" - pois está no interior, e não na aparência. Embora estejamos sujeitos a todo tipo de sofrimento, o maior deles ainda é leve e momentâneo. Parafraseando outro poeta (esse ainda vivo), posso ousar dizer que "a vida é uma irrelevância diante da eternidade...". Por isso mesmo, de modo ironicamente estarrecedor, a Bíblia afirma que é a tribulação [ou o sofrimento] que produz um peso eterno de glória superior a qualquer dor ou aflição... Eternidade. Talvez a única coisa que possa dar sentido a todo esse paradoxo de ver "além do que se vê". 


Quais são as suas lentes? 
Em quais direções você focaliza seu olhar?

Se colocarmos nossa atenção nas coisas que são transitórias - as que existem hoje e podem acabar amanhã - , nunca estaremos satisfeitos, pois teremos que procurar outras coisas para substituir as que se perderam com o tempo. Normalmente, para resolver esse problema, buscamos novas coisas transitórias que irão acabar em algum momento no futuro e, com isso, o ciclo vicioso não para. Contudo, para aqueles que fixam seus olhos naquilo que é eterno - o que existe hoje e existirá amanhã e depois, e para sempre, sem variação - , não será necessário substituições para resolver qualquer insatisfação. Ora, se algo eterno me satisfaz hoje, por ser eterno continuará a me satisfazer amanhã e no mês que vem e também depois de minha morte, pois é eterno. 

Eu não posso desejar nada maior do que isso.


Finalmente, quando falo de fixar os olhos em algo eterno, não falo simplesmente de uma coisa inanimada ou que seja produto da minha imaginação - mas falo do Eterno, Daquele de quem vem toda boa dádiva e todo dom perfeito, a Quem pertence a terra e tudo o que nela existe, por meio do Qual todas as coisas foram criadas, em Quem todos vivem, se movem e existem e para Quem todos devem olhar a fim de serem iluminados e salvos de uma eternidade de sofrimento sem Ele. Esse "Eterno" um dia se fez como um de nós, passou por todo tipo de aflição e, acima de tudo, deu a Si mesmo numa cruz a fim de resgatar a todo aquele que crê Nele como o único Deus verdadeiro. 

Jesus Cristo, o Filho de Deus, enquanto esteve na terra, enxergou todas as situações "além do que se podia ver", pois dele se diz que "...pela alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha e assentou-se à direita do trono de Deus" [Hebreus, cap. 12, vs. 2]. Ele estava consciente de que o seu sofrimento seria parte de uma alegria superior e, por isso, viu "o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficou satisfeito" [Isaías 53, vs. 11]. Em meio à dor da cruz, Ele viu homens pecadores salvos da condenação resultante do pecado e isso O alegrou... Jesus, certamente, é o melhor exemplo de ver "além do que se vê". 


E você? Você baseia sua vida naquilo que você vê [e que acaba num piscar de olhos] ou naquilo que você não vê [e que dura pra sempre]? 

Meu desejo é que você seja como um amigo meu que, em uma de suas canções, disse:

"Eu descobri o que me satisfaz
Eu vi que o tempo não desfaz
E quem provar vai perceber a diferença no viver..."

Eu quero me satisfazer a cada dia com o Eterno, pois somente isso traz diferença à minha vida passageira e tão frágil.





Pela alegria de viver por algo "além do que se pode ver",




Soli Deo Gloria!